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A violência contra a mulher e a política de isolamento social: a perspectiva de gênero da pandemia do COVID-19

Diana Bittencourt, Roberta de Lima e Silva

É preciso voltar os olhares às novas dinâmicas que essa situação proporciona, especialmente em se tratando de situações de vulnerabilidade.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Atualizado em 6 de julho de 2020 13:26

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Em tempos sombrios provocados pela pulverização do novo coronavírus, o Brasil já demonstrou ao mundo que se encontra na lanterna em matéria de gerenciamento de crises e de cuidado responsável com a contenção do contágio do COVID-19.

Ante a iminência de se atingir a lotação de leitos, as instituições terão questões morais maiores que apenas o desencontro de opiniões de meninos mimados que estão gerindo - a depender da perspectiva - a nação.

Nesse contexto, a política de isolamento horizontal revelou-se como a forma mais eficaz para a contenção dos casos de infectados pelo coronavírus, sendo certo que as práticas sociais em completo afastamento dos espaços de convívio proporcionaram efeitos dos mais diversos. Dentre eles, cuidaremos daquele cujos contornos demonstram-se nefastos: o aumento dos casos de violência doméstica.

Para as mulheres que convivem com os seus algozes, resguardar-se do coronavírus também é estar constantemente sob o controle de seus agressores, tanto da perspectiva física quanto psicológica.

Na China, onde tudo começou, as delegacias registraram três vezes mais casos. Agora também no Brasil se anuncia um aumento de 9% das ligações no Disque 1801. De acordo com artigo publicado neste Consultor Jurídico2, divulgou-se informações veiculadas por notas técnicas do MP-SP, das quais se extraíram dados assustadores, especialmente no tocante às prisões em flagrante por violência contra a mulher, essas que sofreram um "aumento de 51% em março em comparação ao mês anterior. O número de medidas protetivas de urgência também aumentou 29% em março em relação a fevereiro".

Segundo informações da Organização das Nações Unidas (ONU), os casos de violência doméstica cresceram 50% no Rio de Janeiro e 30% em São Paulo3. Considerando-se a subnotificação desses casos e a ausência de estatísticas oficiais atualizadas, não é difícil imaginar que essas porcentagens estejam defasadas.

É preciso lembrar que companheiros e ex-companheiros figuram entre 88,8% dos casos de índice de feminicídio4. Dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 20185 mostraram, inclusive, que 81,8% das vítimas de violência sexual eram do gênero feminino, bem como que os casos de feminicídio naquele ano ceifaram mais de 1.026 vidas, sendo as mulheres negras 61% dessas vítimas, de forma que houve um aumento de 11.3% em relação aos períodos anteriores. 

Em um país que coleciona um registro de violência doméstica a cada 2 minutos6, não há dúvidas que antes da chegada do COVID-19 outras patologias já existiam entre nós.

Outros países da América que também enfrentam a epidemia da violência contra a mulher,

Argentina

"En Argentina el 13 de Marzo se decretó la cuarentena obligatoria, las calles y redes sociales se llenaron de propagandas con el hashtag  #quedateencasa, sin embargo, lo que para muchos es un refugio para miles de mujeres y niños se convirtió en un suplicio. Esta situación particular hizo que muchos tengan que convivir con el agresor 24 hs. al día, todos los días, sin escuela, sin trabajo, muchos hogares se transformaron en campos de batallas. Es así como en lo que va de la cuarentena se registraron 18 femicidios según los datos del observatorio de la mujer 'ahora que si nos ven', un promedio de 1 femicidio cada 32 hs. En la mayoría de los casos registrados las agresiones se dan en el seno intrafamiliar, es decir, que la víctima conoce a su agresor. Según lo que se desprende de estos datos es que mientras otros delitos como el robo bajaron, la taza de femicidios se mantiene. No es casualidad que cada vez que se habla de un nuevo caso el agresor cuente con por lo menos una denuncia de similares características, sin embargo cuando intenté ir a los datos concretos de mi provincia (Tucumán) no existen estadísticas realizadas por organismos oficiales (...) cuando abri la pestaña de estadísticas de mi provincia me di con la sorpresa que la última estadística realizada fue en el año 2015" (Florencia Martinez Losada é advogada, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade de Salamanca e oficial do Poder Judiciário argentino).

Costa Rica

"El Observatorio de Violencia de Género del Poder Judicial publicó el pasado 03 de abril una tabla donde consta que el Sistema de Emergencias 9-1-1 de Costa Rica recibió en enero un total de 9814 llamadas de auxilio por violencia doméstica, 9157 en febrero y 9524 en el mes de marzo, cuando se iniciaron medidas de restricción a la libertad de tránsito. No se observa en tal caso un crecimiento vertiginoso en los reportes de violencia doméstica pese a las medidas de confinamiento adoptadas, sin embargo, aún la vigencia de las medidas no ha finalizado, por lo que no puden hacerse análisis concluyentes al respecto. En una consulta directa a una funcionaria del área jurídica de INAMU, quién ha estado trabajando durante todo el periodo de esta emergencia nacional, manifestó que la absoluta gran mayoría de las llamadas para obtener asesoría legal se han enfocado en los programas de asistencia económica (novedosos) y la obligación alimentaria de sus compañeros, mientras que observa un desplome CASI TOTAL de las consultas relacionadas con agresiones domésticas. Ciertamente, hay distintas explicaciones posibles para esta situación propia y actual de Costa Rica en donde no se evidencia formalmente un incremento en cuanto a las agresiones domésticas reportadas pero aventurarse a señalar una u otra en medio de la tormenta sería apresurado, el fenómeno de la violencia doméstica es ya deporsí bastante escurridizo por su propia naturaleza clandestina, por lo que la preocupación institucional por la cifra negra y la apuesta reforzada por la prevención son la senda más sensata, ahora más que nunca" (Álvaro Pérez Roda é advogado costarriquenho).

Peru

"En el gobierno Peruano declaró el estado de emergencia mediante Decreto Supremo N° 044-2020-PCM iniciando el 16 de marzo del 2020, y  por Decreto Supremo N° 050-2020-PCM, se amplió hasta el 26 de Abril  del 2020, por la propagación de la pandemia Coronavirus (COVID-19) que obliga al aislamiento social y la suspensión de las labores con la finalidad de evitar el contagio, salvo excepciones como si trabajas en centros de salud, bancos, farmacias, abastecimiento de productos de primera necesidad, limpieza pública, etc. Ante ello, el gobierno ha emitido diversas normas de índole laboral, económico, así como, inició estrategias con la finalidad de evitar el aumento de la violencia familiar a raíz del aislamiento obligatorio. Por ello, se creó una línea únicamente para realizar denuncias contra la violencia familiar o sexual (linea 100), además, un chat, y esta operativo los Centros de Emergencia Mujer y las comisarías. Asimismo, mediante Resolución Administrativa Nº 135-2020-PCSJLI-PJ el Poder Judicial del Perú ha puesto en dispocisión un correo electrónico para realizar las denuncias por violencia contra la mujer e integrantes del grupo familiar. Por otro lado, el día 16 de abril del 2020 la Municipalidad de Lima  inauguró el albergue temporal Casa de la Mujer en el distrito de San Juan de Lurigancho hasta la fecha con capacidad para 22 personas, donde se brindará protección, alimentación y atención integral a las mujeres víctimas de violencia y a sus hijos (...). Las estadísticas otorgadas por el Ministerio de la Mujer y Poblaciones Vulnerables señalan que desde el 16 de marzo fecha en que se inicio el aislamiento obligatorio por el COVID-19  hasta el 16 de abril del 2020 se han registrado 4 feminicidios, 56 agresiones sexuales a menores, y respecto de las llamadas para reportar un acto de violencia se ha duplicado durante el periodio del la inmovilizacion obligatoria ascendiendo10 mil llamadas" (Carolina Lijarza Briceño é advogada peruana).

A exemplo do Peru e da Argentina, se o isolamento social fez empreendedores repensarem seus negócios e empresas compreenderem a viabilidade do trabalho remoto, é preciso seguir os mesmos passos em relação às formas de proteção da mulher vítima de violência, de forma que os canais institucionais de denúncia se modernizem e promovam formas mais rápidas e privadas de denúncias, seja através de aplicativos para essa finalidade, diretamente vinculados às forças policiais ou através de canais de comunicação, tais como Whatsapp e Telegram, notadamente quando a ofendida encontra-se no mesmo recinto que seu agressor e resta impossibilitada de fazer uma chamada de voz.

Com isso, não se está a questionar, por óbvio que a tática do isolamento social é a mais acertada ao combate e prevenção do novo coronavírus. No entanto, é preciso voltar os olhares às novas dinâmicas que essa situação proporciona, especialmente em se tratando de situações de vulnerabilidade como é aquela que acomete mulheres vítimas de violência que necessitam não somente de políticas pró-ativas do governo, como também de um Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos tão atuante como o Ministério da Saúde em tempos de COVID-19, pois também é a violência contra as mulheres um caso de emergência.

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1 Cf. Casos de violência doméstica já aumentaram 9% durante isolamento social. Disponível em: clique aqui.

2 SANTOS, Rafa. Prisões em flagrante em casos de violência doméstica crescem 51%, diz MP-SP. Disponível em: clique aqui.

3 Aumento da violência doméstica no isolamento social preocupa senadores. Disponível em: clique aqui.

4 Casos de violência doméstica já aumentaram 9% durante isolamento social. Disponível em: clique aqui.

5 Disponível em: clique aqui.

6 Op. cit.

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*Diana Bittencourt é advogada, especialista em tributário pela FGVLaw/SP, contratos internacionais e CISG pelo Global Law Program da FGVLaw/SP, Contratos e LGPD pela Opice Blum Academy.

*Roberta de Lima e Silva é advogada criminalista.

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