Projeto de Lei do Saneamento Básico - A definição do marco regulatório do setor?
Há anos o Brasil vem tentando estabelecer um marco regulatório para a área de saneamento básico sem muito sucesso. Grande parte desta dificuldade decorre das discussões acerca do ente federativo competente para prestar os serviços de saneamento básico.
terça-feira, 14 de novembro de 2006
Atualizado em 13 de novembro de 2006 16:08
Projeto de Lei do Saneamento Básico - A definição do marco regulatório do setor?
Pedro Augusto da Cruz Nunes *
Fernanda Souto Pacheco *
1. - Introdução
Há anos o Brasil vem tentando estabelecer um marco regulatório para a área de saneamento básico sem muito sucesso. Grande parte desta dificuldade decorre das discussões acerca do ente federativo competente para prestar os serviços de saneamento básico.
Isso porque a Constituição Federal não estabelece expressa e claramente a titularidade desses serviços ao tratar do assunto, gerando uma polêmica que, até os dias de hoje, vem causando entraves para a elaboração de uma política nacional eficaz que possa contribuir para melhoria do déficit brasileiro no setor.
No entanto, após anos de discussão, a Comissão Mista de Saneamento, cujo relator é o Deputado Júlio Lopes, apresentou o Projeto de Lei nº 219 de 2006 (clique aqui) (o "Projeto"), estabelecendo as diretrizes nacionais para o saneamento básico para aprovação. O Projeto, que representa o marco regulatório do saneamento básico no Brasil, já foi aprovado pelo Senado Federal e agora será submetido à Câmara dos Deputados. Caso seja aprovado pela Câmara, o Projeto segue para sanção presidencial e promulgação. Se houver emendas da Câmara, volta para o Senado, que as analisará (podendo aprová-las ou rejeitá-las) e, em seguida, encaminhará para o presidente para sanção e promulgação.
Como definido pelo Projeto, saneamento básico é o conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de (a) abastecimento de água potável, constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até às ligações prediais e respectivos instrumentos de mediação; (b) esgotamento sanitário, constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente; (c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, constituído pelo conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas; e (d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, constituído pelo conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas.
2. - Aspectos Relevantes
O Projeto traz uma série de avanços para o setor, criando as regras básicas para o seu desenvolvimento e o pano de fundo para a formulação da Política Nacional de Saneamento. Dentre os principais aspectos tratados pelo Projeto, destacamos os seguintes:
(a) Titularidade dos Serviços
Apesar de amplamente discutido, o tema não é abordado diretamente pelo Projeto. A definição da titularidade dos serviços de saneamento dependerá da interpretação do Supremo Tribunal Federal - STF nas ações diretas de inconstitucionalidade contra determinadas leis estaduais cujos julgamentos continuam pendentes.
Este impasse ocorre porque a Constituição Federal prevê que é de competência Municípios "organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local" , estabelecendo paralelamente a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para promover programas de saneamento básico.
Não obstante a discussão, o Projeto prevê que compete ao titular dos serviços formular a política pública de saneamento básico, podendo delegar a organização, a regulação, fiscalização e a prestação desses serviços, além de intervir e retomar a operação dos serviços delegados, nos casos e condições previstos em lei e nos documentos contratuais.
A indefinição com relação a esta questão, no entanto, é um obstáculo ao desenvolvimento do setor, uma vez que a incerteza gerada não atende aos interesses do poder público, já que não é definido o ente responsável pela execução dos serviços, sua concessão e fiscalização; dos investidores, que, sem regras claras, hesitam em aportar recursos em projetos do setor; e da sociedade de maneira geral, que fica privada da prestação de um serviço com maior qualidade e eficiência.
(b) Delegação da Prestação dos Serviços
O Projeto prevê que a prestação dos serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integra a administração do titular depende da celebração de contrato, sendo vedada a sua disciplina mediante convênios, termos de parcerias ou outros instrumentos de natureza precária.
Excetuam-se dessa disposição os serviços públicos de saneamento básico cuja prestação o Poder Público autorizar, nos termos da lei, para cooperativas ou associações de usuários, desde que limitados (a) a determinado condomínio; ou (b) localidade de pequeno porte, predominantemente ocupada por população de baixa renda, onde outras formas de prestação apresentem custos de operação e manutenção incompatíveis com a capacidade de pagamento dos usuários, bem como os convênios e outros atos de delegação celebrados até 6 de abril de 2005.
A prestação dos serviços atenderá a requisitos mínimos de qualidade, incluindo regularidade, continuidade, requisitos de atendimento ao público e condições para operação e manutenção dos sistemas. Além disso, o Projeto prevê uma série de requisitos que precisam ser observados para que os contratos sejam considerados válidos.
(c) Fundos de Custeio
Outro aspecto importante abordado pelo Projeto é a possibilidade de os entes da Federação, isoladamente ou em consórcio público, instituírem fundos para custear a universalização dos serviços públicos de saneamento. Os recursos utilizados na instituição de tais fundos poderão ser utilizados como fonte de garantias em operações de crédito para financiamento dos investimentos necessários à universalização mencionada.
(d) Controle Social
O Projeto inovou ao prever o controle social dos serviços públicos de saneamento básico, com a participação de órgão colegiado de caráter consultivo, com a representação dos titulares dos serviços, órgãos governamentais relacionados ao setor, prestadores de serviços públicos de saneamento básico, usuários do serviço, e entidades técnicas, organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor relacionados ao setor de saneamento básico.
Assim, cria-se a possibilidade de fiscalização das atividades do setor (inclusive no tocante à determinação de preços) pelos usuários dos serviços de saneamento básico, via órgão consultivo, através da participação efetiva em reuniões, na forma a ser definida pelo titular dos serviços.
(e) Licenciamento Ambiental
No que tange o licenciamento ambiental de empreendimentos e obras de saneamento básico, o Projeto prevê que serão consideradas etapas de eficiência, para alcançar progressivamente os padrões da legislação ambiental, para obtenção das licenças de unidades de tratamento de esgotos sanitários e de efluentes gerados nos processos de tratamento de água, podendo ser criados procedimentos simplificados em função do porte das unidades e dos impactos ambientais esperados.
Assim, o Projeto tenta criar mecanismos para possibilitar o licenciamento ambiental dos projetos do setor de forma mais eficiente e aplicável a cada etapa específica do Projeto, reduzindo o ônus administrativo muitas vezes enfrentado na obtenção de autorizações e permissões relacionadas à implementação de projetos de infra-estrutura no país.
(f) Remuneração
O Projeto procura criar diretrizes para a instituição das tarifas, preços públicos e taxas para os serviços de saneamento básico. Um dos principais conceitos a serem observados é a possibilidade de adoção de subsídios tarifários e não tarifários para usuários e localidades que não tenham capacidade de pagamento ou escala econômica suficiente para cobrir o custo integral dos serviços, de forma a possibilitar o amplo acesso da população brasileira ao serviço.
O Projeto prevê ainda que a fixação das tarifas, preços públicos e taxas para os serviços de saneamento básico deverá levar em consideração a prioridade para atendimento das funções essenciais relacionadas à saúde pública, a ampliação do acesso dos cidadãos e localidades de baixa renda aos serviços e a recuperação dos custos incorridos na prestação dos serviços, em regime de eficiência, entre outros.
3. - Comentários Finais
Como mencionado acima, o Projeto deve servir como pano de fundo para a definição de uma Política Nacional de Saneamento. A preocupação do legislador, com este Projeto, é criar as bases para o desenvolvimento de uma política sólida para o setor, estabelecendo as diretrizes que deverão ser cumpridas, compreendendo ações para o desenvolvimento urbano e regional, de combate à erradicação de pobreza, de proteção ambiental, de promoção da saúde, entre outros.
É este o primeiro passo para possibilitar investimentos no setor e a construção e expansão da infra-estrutura necessária para o desenvolvimento do saneamento básico no país. Tudo indica que o estabelecimento de regras claras para o setor de saneamento no Brasil, através deste marco regulatório, atrairá os investidores privados, que em parceria com o governo, contribuirão para o fomento desses serviços e ampliarão o acesso ao saneamento básico no País.
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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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