A judicialização de contratos em tempos de excludentes de responsabilidade
Não há espaço para intransigência contratual em um momento como este. A inflexibilidade passa a ser a exceção e, se estiver calcada no prejuízo de uma parte em detrimento da outra, deve, sim, ser combatida no âmbito do Judiciário, sob pena de distorção da melhor interpretação da lei.
quarta-feira, 29 de abril de 2020
Atualizado às 08:46
Os últimos dois meses serão lembrados pelo resto de nossas vidas como os dois primeiros de uma crise generalizada que hoje não se sabe quando e como terminará. Os reflexos já desencadeados no âmbito do Direito são múltiplos, gerando movimentos no sentido de minimizar os impactos que, em maior ou menor grau, virão.
O necessário imediatismo das providências para a contenção da covid-19 põe em xeque, no Direito das Obrigações, a desejada segurança jurídica e a almejada previsibilidade dos contratos. Não mais se tem certeza sobre a manutenção das avenças assim como firmadas na origem, o que levanta uma série de questionamentos com potencial de pararem no Judiciário, acentuando mais ainda a angústia da espera por uma solução com a roupagem da urgência trazida pela crise.
O regime de assimetria é mais forte nas relações de consumo, mas também é inegável que a crise atual trouxe muitas faces de disparidade para os demais contratos, cada uma com contornos próprios e que desafiam a norma do parágrafo único do artigo 421 do Código Civil (princípio da intervenção mínima nos contratos e excepcionalidade da revisão contratual).
Mas é justamente a excepcionalidade do momento que autoriza o debate nas relações contratuais desestabilizadas pelo atual contexto. Daí, por exemplo, o projeto de lei 1.179/20 que trata de uma série de regras transitórias de Direito Civil e locação de imóveis, buscando evitar uma onda de judicialização e abrindo a possibilidade de se dialogar mediante a flexibilização das obrigações.
Não há espaço para intransigência contratual em um momento como este. A inflexibilidade passa a ser a exceção e, se estiver calcada no prejuízo de uma parte em detrimento da outra, deve, sim, ser combatida no âmbito do Judiciário, sob pena de distorção da melhor interpretação da lei.
Tal raciocínio, salvo melhor juízo, deve ser inclusive estendido para contratos tidos como muito específicos e, além disso, amparados em falsa premissa de que estariam à margem de um desequilíbrio, considerando os mecanismos próprios do sistema no qual se originam. Em rigor, trata-se de garantia consagrada no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal.
E nesta perspectiva operadores de Shoppings Centers têm procurado reequilibrar suas relações no âmbito de contratos denominados CUSD (Contrato de Uso do Sistema de Distribuição de energia elétrica). Como se sabe, os Shoppings Centers são um dos exemplos mais emblemáticos do isolamento social, considerando as determinações governamentais de fechamento de suas portas.
Por outro lado, em contraste com os reflexos negativos da interrupção de suas atividades, alguns contratados têm se negado a flexibilizar aos Shoppings a execução de algumas obrigações, gerando a necessidade de se bater às portas do Judiciário para a obtenção de uma tutela de urgência que dê a estes estabelecimentos o fôlego necessário para atravessar a crise. É o caso observado nestes Contratos de Uso do Sistema de Distribuição de energia elétrica, que em algumas ações tem gerado um êxito inicial (liminar).
Casos como este são muito importantes para reforçar a confiança no Judiciário em momentos extremos como o atual, mas é de uma importância ainda maior a constante busca pelo diálogo com o objetivo de se chegar a uma solução sem a necessidade do ajuizamento de medidas que, por vezes, são o reflexo de nossa incapacidade de enxergar e admitir que viramos uma página de nossas relações contratuais e que estamos em um contexto social, financeiro e jurídico totalmente diferente, que nos impõe necessidades outrora inimaginadas.
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*Jose Umberto Franco é advogado do escritório Garcia, Soares de Melo e Weberman Advogados Associados.