Colaboração entre advogados em tempos de pandemia
É hora de explorar toda a potencialidade do sistema normativo e fomentar a interação dos advogados.
segunda-feira, 27 de abril de 2020
Atualizado às 08:02
O momento ainda é de angústia. A pandemia gera preocupação e afeta severamente a vida da população.
Não é diferente para os advogados, que, há semanas, sofrem os reflexos da suspensão dos prazos processuais (resolução 313/20 do CNJ). Vale lembrar que não houve a suspensão dos processos (art. 313, VI, do CPC).
Independentemente de todos os inconvenientes, esse período de isolamento traz algo raro para a vida do advogado: tempo. Tempo para refletir, reexaminar estratégias, pensar em novas oportunidades, planejar desafios, dialogar com clientes e, principalmente, vislumbrar soluções na tentativa de impulsionar os processos.
Importante destacar que a atividade jurisdicional (em âmbito eletrônico) não está paralisada. A distribuição de processos judiciais segue normalizada, assim como a publicação de atos judiciais (ainda que sem inaugurar prazos), bem como a expedição de mandados de pagamento (cujos valores estão entrando diretamente na conta do beneficiário).
Ademais, sessões virtuais estão acontecendo regularmente nos tribunais, inclusive superiores (vide, por exemplo, a resolução STJ/GP 9, de 17 de abril de 2020) e alguns despachos entre magistrados e advogados vêm sendo feitos por videoconferência/telefone, sobretudo nos casos urgentes.
Aliás, vale lembrar que a suspensão dos prazos não impede a realização de atos urgentes (requerimentos de tutelas provisórias, por exemplo), o que, aliás, está expresso no art. 5º, parágrafo único, da resolução 313/20 do CNJ e no art. 314 do CPC.
Da mesma forma, é perfeitamente possível que as partes, através de seus advogados, busquem a realização de acordos, minimizando os efeitos do tempo (muitas vezes prejudicial para ambas as partes: imagine-se o credor que fica sem receber e o devedor que sofre os efeitos dos juros e da correção monetária).
Note-se, porém, que tais acordos não precisam se limitar ao mérito da discussão propriamente dita. Também podem envolver mudanças no procedimento da causa, bem como nos ônus, poderes, faculdades e deveres processuais das partes (art. 190 do CPC).
Mas, para tanto, é preciso que haja uma convergência de interações (não necessariamente de "interesses") entre as partes. Com efeito, especialmente nesse período de crise, a ideia de cooperação entre os advogados (art. 6º do CPC) ganha densidade, o que pode garantir maior flexibilidade e dinamismo aos processos.
Dentro desse espírito de colaboração, pode-se convencionar o cumprimento antecipado de prazos processuais (atualmente suspensos); customizar o procedimento (requerendo, por exemplo, a inversão da ordem de alguma prova); e ajustar prazos para futuras manifestações (petição de provas, manifestação sobre o laudo pericial, réplica/contestação à reconvenção etc.).
Em tais casos, o juiz não precisa, a rigor, homologar as convenções processuais (arts. 190 e 200 do CPC), prevalecendo, assim, a autonomia da vontade.
Por outro lado, é possível solicitar ao juiz a realização de atos processuais por videoconferência (audiências de conciliação/mediação; audiências para oitiva de depoimento pessoal das partes; entre outros). A propósito, muitos artigos do CPC respaldam o uso dos meios tecnológicos (arts. 236, § 3º, 385, § 3º, 453, § 1º, 461, § 2º etc.).
Na mesma linha, as partes podem solicitar ao relator a inclusão de seus recursos nas pautas de julgamento virtual, especialmente nos casos em que não se pretenda fazer sustentação oral (ainda que haja previsão legal). Nessa hipótese, memoriais escritos podem ser encaminhados eletronicamente aos julgadores, inclusive com vídeos gravados e inseridos em Qr Code.
Além disso, as partes podem sugerir e estabelecer, juntamente com o juiz, calendário processual (art. 191 do CPC), definindo uma sequência de atos e prazos do processo. Como se sabe, o calendário vincula as partes e o juiz, dispensando a intimação das partes para a prática dos atos processuais e das audiências designadas.
Nada obstante, podem delimitar consensualmente as questões de fato e de direito para a devida homologação judicial (art. 357, § 2º, do CPC), o que contribui significativamente para o avanço do processo, pois minimiza as chances de eventuais desvios de rota.
Note-se que essa atuação convergente dos advogados também gera um efeito colateral positivo, já que o trabalho conjunto, sob bases colaborativas, pode ser premiado pelo juiz no momento de fixação dos honorários sucumbenciais ("grau de zelo do profissional"; "trabalho realizado pelo advogado" - art. 85, § 2º, do CPC), beneficiando, inclusive, ambos os causídicos (em caso de sucumbência recíproca).
E mais, para aqueles advogados que cobram por fases processuais, a movimentação do processo é crucial para o recebimento de seus honorários.
Em suma, é hora de explorar toda a potencialidade do sistema normativo e fomentar a interação dos advogados.
A pandemia não petrifica os processos e tampouco pode congelar a atuação dos advogados, que, com habilidade e de forma coordenada, conseguem engendrar interessantes soluções, preservando, ao mesmo tempo, os legítimos direitos de seus clientes e seus próprios interesses.
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*Marcelo Mazzola é sócio do escritório Dannemann Siemsen. Vice-presidente de Propriedade Intelectual do CBMA. Mestre em Direito Processual Civil pela UERJ, professor de processo civil da EMERJ e membro do IBDP, da ABDPro e do ICPC. Perito Judicial, especialista da Câmara de Solução de Disputa de Nomes de Domínio da ABPI (CSD-ABPI) e mediador na CMED-ABPI. Participa de importantes associações como AASP, ABAPI, ABPI e é membro da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB/RJ e coordenador/RJ de Propriedade Intelectual do MEDIARE.