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Planos de saúde e o direito à cobertura de exames e tratamentos decorrentes da covid-19

Para o caso de uma pandemia, como a que estamos vivenciando, será que podemos considerar a ocorrência urgência/emergência?

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Atualizado às 10:52

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Não é novidade que os planos de saúde impõem carência para a sua utilização. Nos termos da lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), os prazos máximos de carência são fixados em 24 horas para urgência e/ou emergência, 300 dias para parto a termo e até 180 dias para quaisquer outros casos, tais como consultas, internações, procedimentos e exames.1

Para o caso de uma pandemia, como a que estamos vivenciando, será que podemos considerar a ocorrência urgência/emergência? Somente para pontuar o conceito técnico correto, será que haveria um caso de emergência, definido pela lei 9.656/98 como aqueles em que há risco imediato de morte ou de lesões irreparáveis para o paciente?

Até o mais leigo afirmaria que sim, em que pese poder se confundir com o termo técnico, diria que há urgência lato senso, eis que vem ocorrendo milhares casos de contaminação e óbitos.

Com efeito, os problemas postos em debate, pelo presente texto, dizem respeito à obrigatoriedade de cobertura, pelos planos de saúde, dos tratamentos e exames necessitados pelos beneficiários com diagnóstico de covid-19, ou com suspeita de infecção. Para tanto, passaremos pela análise dos conceitos de urgência e emergência, bem como das disposições da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar e do ministério da Saúde, além da análise do entendimento do TJ/SP.

Quanto ao ministério da Saúde, em 3/2/2020, ele publicou portaria declarando estado de emergência em saúde pública.2

No tocante à ANS, ela editou a resolução 453/20, que complementou a resolução 428/20, prevendo o atendimento e exames quando relacionados a covid-19.

Contudo, pode ser que alguns ignorem a gravidade da pandemia causada pela covid-19 e então permaneçam na discussão quanto à obrigatoriedade de cobertura, ou a necessidade do cumprimento de carência. Como exemplo do que ora se afirma, a FENASAUDE publicou orientação no sentido de que somente se superada a carência contratada é que haveria cobertura de tratamento, nos casos de maior gravidade, se tiver contratado.3

Mesmo sem a decretação do estado de emergência em saúde pública, já havia regramento capaz de socorrer o beneficiário que necessitasse de atendimento de urgência ou emergência. É o que prevê, por exemplo, o verbete de Súmula 103 do TJ/SP4, o verbete de súmula 597 do STJ5, ou do art. 12 da lei 9.656/986.

Outro ponto que merece destaque consiste na previsão contratual da maioria dos planos de saúde, que prevê a cobertura para todas as doenças listadas no CID-10 (Classificação mundial de doenças). Com efeito, o coronavírus possui previsão, dentre outros, no CID- B34.2 - Infecção por coronavírus de localização não especificada; e CID - B97.2 - Coronavírus, como causa de doenças classificadas em outros capítulos. Ou seja, nenhuma dúvida sobre a previsão contratual para a cobertura da doença.

Avançando um pouco mais, depois de verificar a previsão legal, contratual, legislativa e jurisprudencial, ainda há receio de que alguns consumidores poderão ter problemas quanto à cobertura nesse momento tão delicado.

Visualizando o problema ocorrido com bastante frequência no judiciário, desde antes da disseminação da pandemia, diga-se de passagem7, algumas Defensorias Públicas Estaduais ajuizaram ACP em seus respectivos estados, visando decisão judicial, com efeitos estendidos a todos os consumidores.

Como exemplo de ACP, veja-se aquela promovida pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em trâmite na 32ª vara Cível do Foro Central do Estado de São Paulo (1029663-70.2020.8.26.0100).

Como se pode observar, o poder Judiciário foi instado a explicitar o óbvio: uma vez diante de uma pandemia mundial, estamos batalhando em um sistema de emergência. Tal fato, inclusive, restou reconhecido na decisão:

"Ou seja, em síntese, o momento presente é de total excepcionalidade e permite, juridicamente, a interpretação de que é abusiva a negativa de cobertura por plano de saúde a pacientes suspeitos ou efetivamente portadores do vírus covid-19 em razão de carência contratual, pois todos esses casos, sem distinção, devem ser considerados urgentes, não só para tratamento de cada paciente individualmente atendido, buscando-se evitar o agravamento de seus quadros clínicos (eis que não há certeza, mesmo para não integrantes de grupos chamados "de risco"), mas também para que assim haja maior facilidade de contenção da propagação da doença, possibilitando identificação e isolamento de eventuais contagiados em potencial, fazendo com que os contratos de plano de saúde cumpram não só a sua finalidade em relação aos seus segurados, mas também a sua finalidade social de ferramenta do sistema de saúde em geral."8

Diante da fundamentação acima, dentre outros aspectos, foi deferida a liminar pretendida, a fim de determinar às requeridas a liberação imediata de cobertura para o atendimento e tratamento prescrito por médico, em favor de todos os seus segurados que sejam suspeitos ou efetivos portadores do vírus covid-19, independentemente do cumprimento do prazo de carência de 180 dias, considerando-se juridicamente todos esses casos como de urgência.

Para o caso de descumprimento, houve a fixação de multa de R$50 mil para cada paciente que vier a ter cobertura recusada.

Após essas breves considerações, importante que os consumidores de planos de saúde tenham ciência da decisão mencionada, tendo em vista que poderão executá-la. Seja em relação à multa cominada para o caso de descumprimento, seja para fazer valer o seu direito de cobertura, ou para ambos.

o há qualquer dúvida, ainda, de que o consumidor, de forma individual, também poderá demandar. Principalmente se o seu caso tiver alguma peculiaridade não debatida na ACP, sendo certo que a decisão já mencionada influenciará sobremaneira no resultado do seu caso.

Como dito acima, a questão da cobertura, pelo plano de saúde, de situações de urgência ou emergência, não é nova para o judiciário, de modo que certamente receberá o mesmo tratamento, qual seja, qualquer negativa de cobertura para pacientes portadores ou suspeitos de covid-19, embasada em necessidade do cumprimento de carência maior que 24h, será considerada abusiva, nos termos dos artigos 12, V, "c" e artigo 35-C, II, da lei 9.656/98", da resolução 453/20 da ANS, além do entendimento jurisprudencial anteriormente citado.

__________

1 Podem haver alterações dentro dos limites impostos pela legislação. Por exemplo, prazos menores e compra de carência. Além dos casos de portabilidade, em que não há necessidade de se cumprir qualquer carência.

2 Portaria 188/20: declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus (2019-nCoV)

3 Acesso em 17.4.2020: https://fenasaude.org.br/noticias/orientacoes-esclarecimentos-cobertura-de-exames-tratamentos-coronavirus.html (A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) representa 15 grupos de operadoras de planos privados de assistência à saúde, totalizando 18 empresas dentre 1.030 operadoras em atividade com beneficiários.

4 É abusiva a negativa de cobertura em atendimento de urgência e/ou emergência a pretexto de que está em curso período de carência que não seja o prazo de 24 horas estabelecido na lei 9.656/98.

5 A cláusula contratual de plano de saúde que prevê carência para utilização dos serviços de assistência médica nas situações de emergência ou de urgência é considerada abusiva se ultrapassado o prazo máximo de 24 horas contado da data da contratação. (Súmula 597, STJ, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/11/2017, DJe 20/11/2017).

6 Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundos as seguintes exigências mínimas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) V - quando fixar períodos de carência: (...)

c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência; (Vide Medida Provisória nº 1.665, de 1998) (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

7 Como mencionado anteriormente, a discussão quanto à ocorrência, ou não, da situação de urgência ou emergência não é nova, principalmente no tocante à cobertura de somente as 12 primeiras horas (como pretendem os planos), ou até o restabelecimento do paciente.

8 1029663-70.2020.8.26.0100

__________

*Fernando Cota é advogado militante em São Paulo, Amazonas e Brasília. Graduado e mestre em Direito pela PUC/SP.

*Armênio Clovis Jouvin Neto é advogado, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Sócio no escritório EJRS - Eluf Jouvin Rezek e Serpa Advogados.

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