É possível que se "faturem" tributos indiretos?
A exclusão do PIS/COFINS das suas próprias bases e a efetivação da capacidade contributiva.
quinta-feira, 23 de abril de 2020
Atualizado às 10:44
Os chamados PIS e COFINS são duas diferentes "contribuições da Seguridade Social", ambas instituídas pela União. A contribuição para o PIS (Programa de Integração Social) incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil, conforme o art. 1º da lei 10.637/2002.
Por sua vez, a contribuição para financiamento da seguridade social (COFINS) representa a tributação sobre a receita ou o faturamento das pessoas jurídicas, conforme previsão do art. 195, inciso I, alínea 'b', da Constituição. Essa contribuição também incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil, consoante o art. 1º da lei 10.833/2003.
No RE 574.706, julgado sob a sistemática da repercussão geral, o STF adotou o paradigmático posicionamento de que os valores do ICMS não integram a base de cálculo do PIS/COFINS, pois não são "faturados" pelos contribuintes, destinando-se aos governos estaduais e apenas transitando pela contabilidade da empresa como meros ingressos de caixa. Assim, teses surgiram sustentando a exclusão do PIS/COFINS das suas próprias bases, pois não se incorporam ao patrimônio dos contribuintes, sendo direcionado à União Federal, não integrando a atividade econômica das empresas.
A tese se fundamenta também na inexistência do fato gerador do PIS/COFINS, já que os valores desses tributos não comporiam as receitas dos contribuintes e estaria havendo violação do próprio princípio da capacidade contributiva com essa forma de cálculo, pois o aumento da tributação se daria sem o aumento da capacidade econômica do agente.
O fisco defende tese diametralmente oposta. Argumenta que o legislador ordinário previu, expressamente, que os tributos compõem a receita bruta, nos termos do art. 12, § 5º, do decreto-lei 1.598/77, com a redação dada pela lei 12.973/14, e que nunca houve previsão legal para excluir a contribuição do PIS e da COFINS das suas próprias bases de cálculo, não cabendo ao intérprete ampliar o rol de exclusões, que entende ser taxativo.
Ocorre que essa previsão legal já estava presente quando do julgamento do RE 574.706 em 2017 e não impediu que o STF declarasse a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo dessas contribuições, a denotar que essa previsão legal não impediria posicionamento semelhante quanto à exclusão do PIS/COFINS das suas próprias bases.
O posicionamento fazendário advoga que só devem ser excluídos os tributos não cumulativos cobrados destacadamente do comprador ou contratante pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços na condição de mero depositário, conforme expressa o § 4º do art. 12 do decreto-lei 1.598/77. A Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN) aduziu ainda que a ampliação do rol de exclusões por decisão judicial implicaria na atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, em violação ao princípio da separação dos poderes.
Todavia, o fato do conceito de receita líquida ser compreendida com a exclusão dos tributos sobre ela incidentes não significa que os valores devem obrigatoriamente compor a receita bruta, já que o princípio da legalidade impõe que a definição da base de cálculo deve estar prevista em lei e o emprego da analogia não poderá resultar na cobrança de tributo não previsto em lei, nos moldes do art. 150, I, da CF/88 e do art. 108, p. 1o do CTN.
O embate jurídico em questão tem relevante efeito sob o ponto de vista financeiro, pois a exclusão do PIS e da COFINS de suas próprias bases representa uma desoneração tributária relevante e, consequentemente, uma redução de custos atrativa para os contribuintes.
O Banco Fiscal, em matéria publica em abril de 20191, divulgou uma breve simulação dos efeitos do acolhimento desta tese. Considerando uma receita bruta de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) e tendo este montante como base de cálculo, teríamos o pagamento de PIS e COFINS no valor de R$138.750,00 (cento e trinta e oito mil, setecentos e cinquenta reais).
Contudo, excluindo-se os valores pagos a título de PIS e COFINS das suas próprias bases, as alíquotas incidiriam sobre o montante de R$ 1.361.250,00 (um milhão, trezentos e sessenta e um mil, duzentos e cinquenta reais), resultando no débito de R$125.915,63 (cento e vinte e cinco mil, novecentos e quinze reais e sessenta e três centavos).
Ou seja, a tese dos contribuintes implica em uma redução de R$ R$12.834,38 (doze mil, oitocentos e trinta e quatro reais e trinta e oito centavos) dos citados tributos no caso concreto, e de 0,86%2 (oitenta e seis centésimos por cento) em geral.
A matéria ainda é incipiente no judiciário, mas decisões favoráveis aos contribuintes vêm sendo proferidas. Em sentença datada em 3 de maio de 2018, o juízo da 1º Vara Federal de Novo Hamburgo (RS) acolheu o pleito da empresa, sob o fundamento de que a determinação de inclusão dos valores do PIS/COFINS na sua base de cálculo é inconstitucional, por afrontar o art. 195, I, alínea "b", da Constituição, conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 12, § 1º, III e § 5º, do decreto 1.598/77. seguindo o mesmo entendimento do STF no RE 574.7063.
Idêntico posicionamento foi adotado pelo juízo da 2ª Vara Federal de Bauru (SP)4, em 3/5/2018, e da 16a vara Federal do Rio de Janeiro5, em 12/7/2019, a denotar a plausibilidade jurídica do posicionamento.
Em 19/12/2019, a 4ª Turma do TRF da 3ª região denegou o recurso da PFN, mantendo a sentença que excluiu os valores do PIS/COFINS das suas próprias bases, sob o argumento de que os valores não seriam receita ou faturamento da empresa.
Essas decisões consignaram que o julgamento do STF no RE 582.461, de 18/5/11, que permitiu que os valores do ICMS integrassem a sua própria base de cálculo, não prejudicaria a possibilidade da adoção da subtração tratada neste artigo, pois há previsão constitucional específica autorizando a inclusão do ICMS no cálculo da sua base de incidência, consoante o art. 155, p. 2, XII, "I", da CF/88, a evidenciar a inaplicabilidade deste precedente para tratar a questão do PIS/COFINS.
Observe-se que os tribunais ainda possuem entendimento majoritário contrário à tese defendida pelos contribuintes. Entretanto, é inegável que o debate é instigante e que possui a aptidão de repercutir na esfera jurídica de milhares de empresas, além de representar relevante alteração da política fiscal. Em vista dessas diretrizes, o STF reconheceu, em outubro de 2019, a repercussão geral deste tema no RE 1233096/RS (Tema 1067).
A despeito da opinião de alguns tributaristas de que a tese firmada no RE 574706 poderia ser diretamente aplicada também no caso em comento, parece sensata a opinião da advogada Glaucia Lauletta, divulgada no site do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET6, segundo a qual o julgamento da tese específica em sede de repercussão geral deve conferir segurança jurídica à controvérsia, garantindo a observância ao precedente que será formado. Espera-se que o STF aprecie a questão o mais brevemente possível, conferindo previsibilidade aos contribuintes.
Ao tempo em que se deve cuidar para que as decisões judiciais tributárias não prejudiquem a regularidade das receitas públicas, é preciso que a justiça tributária esteja presente no sistema jurídico brasileiro. O princípio da capacidade contributiva é viga mestra do Sistema Tributário Constitucional e deve orientar a incidência dos nossos tributos.
O recolhimento dos tributos indiretos pelos contribuintes de direito pode agravar a situação tributária das empresas? É possível se falar em faturamento de tributos? O ingresso de valores no caixa das empresas a título de tributos cobrados dos consumidores é faturamento?
A resposta a essas questões será dada em breve pelo STF no julgamento da Repercussão Geral Tema 1067, devendo-se conciliar o equilíbrio da contas públicas com o princípio da capacidade contributiva, para que uma decisão seja proferida no caso em compatibilidade com os postulados da equidade fiscal.
__________
1 É possível excluir o PIS/Pasep e a Cofins de suas próprias bases de cálculo? Acesso em 11/4/2020.
2 TRF-3 reconhece que PIS/COFINS não deve integrar suas próprias bases de cálculo. Acesso em 20/4/2020.
3 Justiça Federal exclui PIS e Cofins da base de cálculo das próprias contribuições. Acesso em 11/4/2020.
4 Escritórios de advocacia conseguem exclusão do Pis/Cofins sobre as próprias bases de cálculo. Acesso em 11/4/2020.
5 Juiz federal exclui PIS e Cofins das próprias bases de cálculo. Acesso em 19/4/2020.
6 Supremo julgará exclusão do PIS e da COFINS da sua própria base de cálculo. Acesso em 11/4/2020.
__________
*Saulo Gonçalves Santos é estre em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Professor da pós-graduação de Direito Tributário da UNIFOR. Procurador do município de Caucaia/CE. Advogado sócio da área tributária do escritório Braga Lincoln Advogados. Ex-Juiz de Direito do TJ/CE.
**Ricardo Facundo Ferreira Filho é mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Pós-graduado em Direito Constitucional. Advogado da União.