Riscos ocupacionais e ambientais nas atividades minerárias em meio à pandemia da COVID-19
Não se discute a importância do setor de mineração para o país, sob holofote após os acidentes em Mariana e Brumadinho. A conjugação da atividade com primado de segurança nunca foi tão presente. Recomendações de autoridades devem nortear protocolos internos, porque conferem previsibilidade e lastro.
quinta-feira, 23 de abril de 2020
Atualizado às 10:40
Várias empresas de mineração do país têm sido alvo de questionamentos do MPF, MPE e/ou MPT, sob diferentes ângulos e nos limites de suas atribuições, acerca da segurança ocupacional e ambiental em atividades minerárias.
A controvérsia tem muita aplicação prática porque, a nosso ver corretamente, a atividade de mineração foi inserida no rol de atividades essenciais pela Portaria1 nº 135/GM, de 28 de março de 2020, pelo Ministério de Minas e Energia. É inquestionável a essencialidade da atividade, haja vista ser fonte de relevantes e variados insumos a diversos setores econômicos do país e do mundo que, se interrompida, desencadearia prejuízos em cadeia.
Mas naturalmente a essencialidade da atividade minerária não a dispensa de cuidados e controles cuja aplicação nos tempos atuais tornam ainda mais prementes. Ao lado da disciplina trazida por Norma Regulamentadora específica2 acerca dos aspectos de segurança e saúde ocupacional a serem seguidos nas atividades de mineração, o foco do MPT e de sindicatos tem sido assegurar (i) os meios de prevenção para evitar propagação do novo coronavírus (COVID-19) a trabalhadores e (ii) a segurança de barragens. São absolutamente legítimas a preocupação e a cautela, que simultaneamente porém devem guardar embasamento técnico e amoldar-se a cada situação individual.
Em todo o país, desde o início da pandemia do COVID-19 até 13.4.2020, há notícia de que já foram recebidas mais de 7.5003 denúncias, instaurados cerca de 1.3224 inquéritos civis e ajuizadas cerca de 305 ações civis públicas pelo MPT para investigações de diversificados temas6 (ausência de equipamentos de proteção, demissões em massa sem negociação com trabalhadores e sindicatos, não cumprimento de recomendações das autoridades, aglomerações de trabalhadores, ausência de flexibilização de jornada, entre outros).
Em 1.4.2020, o Sindicato Metabase e o Sindicato Metabase Mariana, com o apoio de 65 entidades e centrais sindicais, partidos políticos, representações estudantis, de cientistas, professores e dos movimentos sociais, divulgaram a nota conjunta "Paralisar a Mineração por Nossas Vidas7". O pleito é de paralisação imediata de grandes mineradoras como alegada forma para barrar a propagação do vírus e salvaguardar as cidades.
Poucos dias depois, em 8.4.2020 e a pedido do MPT, foi proferida decisão8 pelo juiz da Vara do Trabalho de Juína/MT que determinou a paralisação imediata das atividades de umas das maiores plantas de mineração do estado (zinco, chumbo, cobre, prata e ouro), no município de Aripuanã. A decisão foi revogada em 11.4.2020, após acordo9 entre as partes, pelo qual as empresas, dentre outras diversas obrigações, firmaram o compromisso de continuar a cumprir todos os protocolos de enfrentamento ao COVID-19, tanto oriundos do Governo Federal e do Governo Estadual como do Governo Municipal, em especial intensificar atividades de orientação e fiscalização junto aos seus colaboradores.
Por isso, neste momento, é recomendável sejam estabelecidos e evidenciados métodos de controle de saúde e segurança ocupacional, cuja análise também há de contemplar cabimento, oportunidade e necessidade das exceções previstas na Medida Provisória nº 927/202010, acerca de exigências administrativas nas Normas Regulamentadoras no excepcional contexto do COVID-19 (como exames médicos ocupacionais11, treinamentos periódicos12 e eleição da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes13).
Sem nenhuma intenção de exaurir o tema, vale ainda citar as diversas notas técnicas com recomendações aos empregadores editadas pelo MPT ou o Ofício nº 1088/202014 do Ministério da Economia com orientações gerais para as empresas.
Do lado de segurança de barragens de mineração, especial menção é justificável à nota técnica divulgada em 26.3.202015 pela Câmara do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF. O documento versa sobre dados que poderão ser requisitados às empresas responsáveis pelas barragens para a contenção dos rejeitos, além de informações que poderão ser consultadas, via Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração (SIGBM), da Agência Nacional de Mineração (ANM).
Por decisão da diretoria colegiada publicada em 25.3.2020, a ANM decidiu suspender16 até 30.4.2020 prazos minerários para, nas palavras do diretor-geral em exercício, Tasso Mendonça, promover a sustentabilidade econômica e operacional das empresas, em reflexo de sugestões apresentadas pelo setor. A Agência esclareceu, importante lembrar, que a decisão não se aplica17 à segurança das barragens.
Diante das restrições que a pandemia do COVID-19 tem imposto à sociedade, a Agência18 reforçou que os empreendedores detentores de barragens de mineração devem intensificar os monitoramentos remotos das estruturas e manter as fiscalizações presenciais. Pela relevância, o prazo para a entrega das Declarações de Condição de Estabilidade (DCEs) não foi alterado ou dilatado, o que resultou na interdição de 47 barragens19.
Não se discute a importância do setor de mineração para o país, sob holofote após os acidentes em Mariana e Brumadinho. A conjugação da atividade com primado de segurança nunca foi tão presente. Recomendações de autoridades devem nortear protocolos internos, porque conferem previsibilidade e lastro.
Em meio a tantas incertezas, a confiança do público interno que extravasa ao externo só é alcançada com estabelecimento de processos e métodos claros, que devem ser difundidos e servir como objeto de treinamento. Ao lado, tão importante quanto, a empresa deverá ter meios de diálogo com autoridades, comunidade e stakeholders. Caminhos preventivos e proativos de prudência podem mitigar ou neutralizar riscos, viabilizando a continuidade e o desenvolvimento da atividade minerária.
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1 Disponível em: https://www.mme.gov.br/documents/79325/0/Portaria_135_SGM.pdf/, acesso em 9.4.2020, às 11h38min.
2 Norma Regulamentadora nº 22 - Segurança e Saúde Ocupacional na Mineração.
3 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-14/mpt-recebe-7500-denuncias-durante-pandemia-covid-19, acesso em 15.4.2020, às 16h11min.
4 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-14/mpt-recebe-7500-denuncias-durante-pandemia-covid-19, acesso em 15.4.2020, às 16h11min.
5 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-14/mpt-recebe-7500-denuncias-durante-pandemia-covid-19, acesso em 15.4.2020, às 16h11min.
6 Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/04/13/mpt-vai-a-justica-para-proteger-trabalhadores-da-covid-19.ghtml, acesso em 15.4.2020, às 15h29min.
7 Disponível em: https://www.facebook.com/metabaseinconfidentes/posts/2821418041269435?__tn__=K-R, acesso em 9.4.2020, às 12h02min.
8 "(...)Ademais, tendo o Boletim de Saúde do município de Aripuanã de ID. d4baedf - Pág. 17 confirmado as afirmações feitas pelo Ilustríssimo Representante do Ministério Público Estadual, bem como o Termo de Reunião de ID. d4baedf - Pág. 11 mencionado que o hospital municipal possuía como panorama das precariedades a que estava exposto, para fins de enfrentamento da pandemia, a falta de estrutura física para instalação de leitos de isolamento para pacientes em caso de maior gravidade, a precariedade do gerador de energia, a precariedade do setor de raiox, a falta do apoio de um médico intensivista, a oportuna implantação de uma usina de oxigênio, a aquisição de diversos equipamentos, utensílios e insumos específicos, e dificuldades com exames laboratoriais, é mais do que evidente a probabilidade já mencionada neste capítulo, assim como o perigo em razão da demora para que a sentença final seja proferida, pois a disseminação como já analisada, diante deste cenário concreto, sem o deferimento da liminar, deixaria a sociedade de Aripuanã ao léu, jogada à própria sorte. Destaco, inclusive, que, ainda que assim não fosse, os Decretos municipais não poderiam ser invocados para justificar a não concessão da liminar, porquanto, além do "caput" do artigo 10 do Decreto n. 3.790, de 02.04.2020, ter estabelecido que ficava revogado o Decreto n. 3.785, de 26.03.2020, o inciso VIII e o "caput" do artigo 4º do mesmo Decreto em vigor se limitou a estabelecer que independentemente de ocorrência de casos confirmados de COVID-19, os indivíduos e os estabelecimentos privados ficavam orientados a adotar, dentre outras medidas de prevenção e combate ao Coronavírus, evitar atividades em grupo, ainda que ao ar livre, exceto para a execução de atividade essencial, razão pela qual, tendo as provas já analisadas demonstrado que as rés não estavam cumprindo as medidas de prevenção, permaneciam irretocáveis as premissas anteriores. De mais a mais, além do próprio Decreto Municipal de Aripuanã n. 3.790, de 02.04.2020, não ter elencado o trabalho das rés como serviço essencial, o Decreto Federal n. 10.282, de 20.03.2020, também não elencou no seu artigo 3º as atividades das rés como atividades essenciais, justificando, assim, a manutenção do entendimento deste magistrado já exposto nesta fundamentação. Ante o exposto, com escopo nos fundamentos elencados nesta decisão, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA, mencionada sob o nome jurídico de MEDIDA LIMINAR na inicial, para DETERMINA R que as rés ANDRADE GUTIERREZ ENGENHARIA S/A, VOTORANTIM METAIS ZINCO S/A E CONSTRUCAP CCPS ENGENHARIA E COMERCIO S/A, ASSIM COMO QUAISQUER EVENTUAIS EMPRESAS TERCEIRIZADAS, cessem IMEDIATAMENTE a atividade de construção, mineração e outras atividades no empreendimento das rés e eventuais terceirizadas, Assinado eletronicamente por: ADRIANO ROMERO DA SILVA durante o período em que perdurar o estado de emergência de saúde pública ou até que se tomem medidas efetivas de contingenciamento, sob pena de multa de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) por dia, para cada empresa litisconsorte, no caso de descumprimento da ordem proferida.(...)" Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/virus-justica-trabalho-paralisa-maior.pdf, acesso em 15.4.2020, às 11h54min.
9 Disponível em: https://pje.trt23.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/00001688820205230081, acesso em 15.4.2020, às 11h57min.
10 O Plenário do Supremo Tribunal Federal julgará em conjunto de ações ajuizadas por partidos políticos e entidades de classe de trabalhadores contra a Medida Provisória nº 927/2020. O Relator, Ministro Marco Aurélio, indeferiu o pedido de liminar em todas elas e manteve a eficácia da medida provisória, por entender que acordos excepcionais para a manutenção dos vínculos de emprego estão de acordo com as regras da CLT e com os limites constitucionais.
11 Art. 15. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, fica suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais.
§ 1º Os exames a que se refere caput serão realizados no prazo de sessenta dias, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
§ 2º Na hipótese de o médico coordenador de programa de controle médico e saúde ocupacional considerar que a prorrogação representa risco para a saúde do empregado, o médico indicará ao empregador a necessidade de sua realização.
§ 3º O exame demissional poderá ser dispensado caso o exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de cento e oitenta dias.
12 Art. 16. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, fica suspensa a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho.
§ 1º Os treinamentos de que trata o caput serão realizados no prazo de noventa dias, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
§ 2º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, os treinamentos de que trata o caput poderão ser realizados na modalidade de ensino a distância e caberá ao empregador observar os conteúdos práticos, de modo a garantir que as atividades sejam executadas com segurança.
13 Art. 17. As comissões internas de prevenção de acidentes poderão ser mantidas até o encerramento do estado de calamidade pública e os processos eleitorais em curso poderão ser suspensos.
14 Disponível em: https://enit.trabalho.gov.br/portal/images/PDF/, acesso em 15.4.2020, às 11h30min.
15 Disponível em: https://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/, acesso em 13.4.2020, às 16h39min.
16 Disponível em: https://www.anm.gov.br/prazos-minerarios-estao-suspensos-por-40-dias/2020_28-suspensao-prazos-coronavirus, acesso em 16.4.2020, às 20h47min.
17 Disponível em: https://www.anm.gov.br/prazos-minerarios-estao-suspensos-por-40-dias, acesso em 16.4.2020, às 20h40min.
18 Disponível em: https://www.anm.gov.br/anm-reforca-que-monitoramento-de-barragens-de-mineracao-devem-ser-mantidas, acesso em 15.4.2020, às 15h49min.
19 Disponível em: https://www.anm.gov.br/noticias/anm-interdita-47-barragens-por-falta-de-declaracao-de-estabilidade, acesso em 15.4.2020, às 15h53min.
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*Alexandre Outeda Jorge é sócio de Pinheiro Neto Advogados.
*Ariane Gomes dos Santos é associada de Pinheiro Neto Advogados.
*Derick Mensinger Rocumback é associado de Pinheiro Neto Advogados.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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