(Des)cumprimento de obrigações ambientais durante a covid-19
O decreto Federal 10.282/20 - que dispõe sobre o rol de atividades essenciais - elencou a fiscalização ambiental como atividade essencial, ou seja, indispensável ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
terça-feira, 21 de abril de 2020
Atualizado às 16:18
Em razão da covid-19, muitos questionamentos vêm surgindo a respeito do cumprimento de obrigações e eventual possibilidade de suspensão ou prorrogação de prazos. Na esfera ambiental, os questionamentos não são diferentes, tendo em vista que a maior parte das empresas possui obrigações ambientais em curso geralmente decorrentes de processos de licenciamento ambiental, outorgas para exploração de recursos naturais, gerenciamento ambiental de contaminações, termos de ajustamento de conduta e/ou outros instrumentos firmados com autoridades ambientais dos quais decorram obrigações de caráter ambiental.
O decreto Federal 10.282/20 - que dispõe sobre o rol de atividades essenciais - elencou a fiscalização ambiental como atividade essencial, ou seja, indispensável ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Paralelamente, alguns órgãos ambientais têm editado normas sobre o cumprimento de obrigações ambientais durante a pandemia.
Importante diferenciar a suspensão de prazos processuais em processos administrativos e judiciais, a qual já foi determinada pela maioria dos Estados, dos prazos materiais relativos ao cumprimento de obrigações de caráter ambiental - como, por exemplo, a condução de medidas de remediação -, os quais vêm sendo regulamentados mais recentemente pelos órgãos ambientais nas esferas Federal e Estadual.
Na esfera Federal, no que diz respeito aos processos de licenciamento e gerenciamento ambiental, o IBAMA publicou comunicado em seu site contendo as diretrizes sobre o cumprimento de obrigações ambientais. Segundo o IBAMA, o cumprimento das obrigações no âmbito do licenciamento ambiental deve ser mantido, na medida do possível, pelas empresas, assim como as medidas ambientais ligadas de forma imediata e direta a níveis adequados de qualidade ambiental.
Referidas medidas são relacionadas aos seguintes assuntos: tratamento de efluentes líquidos ou gasosos e resíduos perigosos; garantia de estabilidade do solo; garantia da segurança ambiental e controle do risco de acidentes; manutenção imediata da qualidade ambiental e bem-estar público nas áreas diretamente afetadas pelos impactos; garantia da proteção dos elementos ambientais (meios físico, biótico e socioeconômico) que, sem a medida, podem sofrer danos imediatos, diretos e permanentes; e garantia de pronta execução de planos de emergência e congêneres, no caso de acidentes.
Se o cumprimento de alguma medida ou obrigação ambiental não for operacionalmente possível, a empresa deverá agir para minimizar os efeitos e a duração desta não conformidade, além de identificar precisamente a medida não cumprida e as datas em que o não cumprimento ocorreu, avaliar a causa do não cumprimento e sua relação com a pandemia de coronavírus e as ações que foram realizadas em resposta à não conformidade aferida e documentar o fato e os esforços feitos para mitigar seus efeitos e buscar sanar a questão com a brevidade necessária. Nesse cenário, de acordo com o IBAMA, as empresas devem buscam procurar o retorno mais rápido possível à situação de normalidade e, além disso, documentar e encaminhar ao IBAMA, o mais rapidamente possível, as informações relativas aos fatos e esforços para mitigar a não conformidade.
Adicionalmente, o comunicado do IBAMA ressalta que o cumprimento das medidas de monitoramento e minimização de impactos que não possuem natureza imediata e direta com a prevenção e minimização dos impactos ambientais deve ser avaliado e ajustado se necessário, tendo-se como norte o esforço pela não interrupção das obrigações.
Já na esfera Estadual, as determinações variam de acordo com o órgão ambiental Estadual ao qual está vinculado o processo de licenciamento, outorga ou gerenciamento ambiental. No entanto, a grande maioria defende a continuidade do cumprimento das obrigações ambientais.
A CETESB publicou Decisão de Diretoria contendo as diretrizes sobre o cumprimento de prazos administrativos/materiais no Estado de São Paulo. Essa medida poderá influenciar os outros órgãos ambientais estaduais a fazerem o mesmo, utilizando as regras da CETESB como diretiva, tal como ocorre para outros assuntos.
De acordo com a CETESB, no âmbito dos processos de licenciamento, estão suspensos os prazos para apresentação de cumprimento de condicionantes e atendimento às notificações. Nos processos de gerenciamento ambiental, estão também suspensos os prazos para o cumprimento das medidas definidas pelos planos de intervenção para áreas contaminadas que se revelarem inviáveis pelo comprometimento da mobilidade de mão de obra especializada, como é o caso da coleta de amostras para a realização de ensaios laboratoriais das campanhas de remediação e demais trabalhos de campo. O prazo de suspensão poderá ser prorrogado dependendo dos atos normativos estaduais a serem editados pelo Governo em São Paulo.
Não foram incluídos nessas suspensões determinadas pela CETESB os prazos referentes à renovação de licenças ambientais, autorizações, alvarás e CADRI, o cumprimento das condicionantes ambientais caracterizadas como essenciais, tais como coletas de análises dos efluentes realizadas periodicamente pelas empresas, dentre outras medidas, sob pena de serem iniciadas ações corretivas e voltadas à fiscalização ambiental. Sendo assim, no Estado de SP, para os processos de gerenciamento ambiental, estão suspensas somente as atividades que se revelarem inviáveis pelo comprometimento da mobilidade de mão-de-obra especializada.
Já no caso da FEPAM, no Rio Grande do Sul, estão suspensos os prazos para juntada de documentos, relatórios e condicionantes dos processos com licenciamento ambiental desde que não afetem a condição ou possam prejudicar o meio ambiente. Por outro lado, deverão ser mantidos os monitoramentos necessários ao controle de qualidade dos impactos gerados pela instalação/operação dos empreendimentos, no caso de atividades que seguem operando.
As empresas precisam estar atentas, portanto, às obrigações ambientais que estão em curso em suas plantas, tendo em vista as regras impostas pelo IBAMA na esfera Federal e por outros órgãos ambientais na esfera Estadual, tal como já regulamentado pela CETESB em São Paulo, FEPAM no Rio Grande do Sul, dentre outros. As referidas regras são dinâmicas e buscam dar maior segurança jurídica ao cumprimento das obrigações ambientais tendo em vista o cenário excepcional que estamos vivendo atualmente.
Ainda que se pretenda trazer maior segurança jurídica ao turbulento cenário atual, essas normas, contudo, não exaurem o tema. No caso de se tornar inviável o cumprimento de obrigações de natureza ambiental, é possível a alegação, por exemplo, da ocorrência de força maior, buscando-se, a isenção de responsabilidade pelo seu descumprimento. Recomenda-se, no entanto, que ainda que se possa buscar a isenção de responsabilidade, sempre que um prazo material não puder ser cumprido parcial ou totalmente, o interessado busque reportar o fato ao órgão, com a respectiva justificativa, apresentando, dentro do possível, um novo cronograma, de forma individualizada e ajustada ao caso concreto, como forma de demonstrar a sua diligência e boa-fé.
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*Renata Campetti Amaral e Alexandre Salomão Jabra, sócia e associado da área de Meio Ambiente, Consumidor e Sustentabilidade de Trench Rossi Watanabe.