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A covid: um convite à conciliação

Que esta crise nos fortaleça e modifique para melhor a nossa forma de pensar e agir, possibilitando o mútuo entendimento, o diálogo, e por fim, a conciliação dos conflitos.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Atualizado às 11:24

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Desde que iniciado o confinamento, muitas dúvidas surgiram em virtude da contenção à convivência familiar, como no caso de guarda compartilhada e do direito de convivência com o genitor não guardião, assim como ao direito de visita avoenga, ou até mesmo, sobre pensão alimentícia e o possível inadimplemento em virtude de desemprego ou redução de proventos.

Por certo estamos vivendo um momento de comoção social e buscamos primordialmente à proteção aos grupos de riscos e a desaceleração da contaminação pelo coronavírus, covid-19, sem, contudo, nos despreocuparmos com a economia.

Desta feita, o bem tutelado que todos nós estamos visando, neste momento, é a saúde e a vida, salvaguardados na Constituição Federal no seu artigo 5º. Estamos em busca do "achatamento da curva" da contaminação à covid-19, a fim de que a desaceleração da contaminação importe em uma melhor organização e preparo do sistema de saúde, bem como seja possível à adoção de medidas sustentáveis em prol da economia. Portanto, o momento requer que os interesses particulares não prevaleçam ao interesse comum, ao bem social, ao cuidado e proteção à vida e à saúde pública.

Sabemos que o afastamento social é imprescindível e, por certo, aos genitores que deixam de conviver com seus filhos, o preço do distanciamento é alto. Sem dúvida a convivência dos netos com os avós enche de alegria suas vidas e há, também, dificuldade de enfrentar esta ausência. Não menos importante, os alimentos, são necessários e indispensáveis ao desenvolvimento dos filhos, e, por consequência, não podem e não devem ser suspensos. Contudo, tais dificuldades devem ser enfrentadas com seriedade e, principalmente, com bom senso.

Tem sido tempos difíceis, momento de conscientização e de resguardo em virtude da pandemia que se instaurou no mundo no início deste ano. São pais longe de filhos, almoços de domingos solitários, as praças e parques vazios, além do medo de perder o emprego, de não conseguir pagar as contas, de um futuro incerto.

Não existe, sem sombra de dúvida, uma fórmula ou um arranjo que possa ser utilizado neste momento, nem mesmo há disposição legislativa para tais questionamentos que vem surgindo. Não sabemos ao certo como agiremos ante as consequências em razão da pandemia. O certo é que todos nós estamos fazendo "um sacrifício" de estar longe de quem amamos para protegê-los e para cuidar dos demais.

O melhor, neste momento, é que fiquemos em casa, que seja mantido o isolamento social, que a convivência familiar em casas distintas seja momentaneamente evitada. Que os pais acordem sobre a convivência com os filhos de forma a proteger ambas as famílias. Que a saúde dos avós seja priorizada à convivência com filhos e netos.

Contudo, sabemos que existem muitos conflitos envolvendo as famílias e, muitas vezes, este "acordo de cavaleiros" não é possível entre as partes. Seja porque o genitor convivente não aceita o distanciamento com os filhos, seja porque os avós não querem deixar de conviver com os netos, ou, ainda, existem aqueles que exigem que seja cumprida à risca a determinação judicial que lhe concede o direito de convivência, de alimentos, de guarda, etc.

Neste momento, acima de tudo, é preciso empatia, é preciso amor no coração e bom senso, as partes junto aos seus advogados precisam unir forças para enfrentar as dificuldades que esta pandemia está provocando e ainda outras que irá provocar com a crise social e econômica.

Por certo, muitos genitores não conseguirão manter os custos com os filhos, outros utilizarão da crise para não honrar com o ônus alimentício, muitos serão os devedores de alimentos. Será necessária, em algumas situações, a redução dos custos com os filhos por um tempo determinado. Alguns aproveitarão do momento para incentivar o distanciamento do filho com o outro genitor ou os avós, provocando alienação parental.

Dito isso, é preciso entender que o momento não comporta picuinhas, egoísmos, rancores e desavenças, mas sim entendimento, compreensão e solidariedade. Acima dos direitos que cabe a cada um, sejam pais, avós, filhos; existe um bem maior a ser resguardado: a vida.

O momento nos convida a conciliar.

O Código de Processo Civil trata acerca da conciliação iniciando pelo artigo 3º, § 3º, dispondo que: "A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial". E segue fazendo referência ao termo conciliação em toda a extensão do referido códex, aparecendo por 37 vezes no texto de lei.

Advogados e partes estão convidados, em virtude da pandemia, a conciliar, a enfrentarem os conflitos de madeira colaborativa e acordarem acerca das questões oriundas do caos instalado. A covid-19 é um convite à conciliação, seja do direito de convivência, seja dos alimentos, seja de tantas outras questões que estão por vir.

Sem dúvidas, todas as famílias têm suas peculiaridades e dificuldades, mas que sejam, por ora, deixados de lado às rivalidades, os conflitos, as diferenças; que conciliar seja possível e estimulado pelos profissionais da área, a fim de que seja acordado o que melhor se enquadra ao fim social que estamos vivendo em tempos de pandemia.

A conciliação, por vezes, é de difícil aceitação, pois exige um esforço interno hercúleo de cada uma das partes, mas talvez, o momento que estamos enfrentando propicie o entendimento, talvez, por conta dele, aprendamos a conviver melhor no futuro, e, quem sabe, aquilo que é objeto de desentendimento hoje, sendo colocado em um segundo plano, amanhã, possa ser definitivamente esquecido.

Que esta crise nos fortaleça e modifique para melhor a nossa forma de pensar e agir, possibilitando o mútuo entendimento, o diálogo, e por fim, a conciliação dos conflitos. Que nosso olhar seja multilateral e tenhamos confiança que o afastamento temporário da convivência diária com quem nós amamos sirva para fortalecer ainda mais os nossos laços afetivos e que os abraços sejam mais calorosos quando forem novamente possíveis.

É tempo de crise, mas também de conciliação.

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*Michelle Bobsin é advogada especialista em Direito de Família e Sucessões da Bobsin Advocacia. Coordenadora Adjunta da Comissão do Advogado de Família do IBDFAM/RS. 

*Felipe Cervo é advogado especialista em Direito de Família e Sucessões do Cervo Advogados Associados. Coordenador da Comissão do Advogado de Família do IBDFAM/RS.

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