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Compliance para sobreviver

É necessário ter a consciência de que as ações/atitudes tomadas pela empresa, seus funcionários, gestores e alta administração neste momento de crise poderão ser os gatilhos de denúncias, investigações e processos administrativos e judiciais (além de pesadas multas) no futuro

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Atualizado às 11:07

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Estamos todos angustiados buscando pelas melhores ações para minimizar o impacto da covid-19 em nossas empresas. Implementamos ações imediatas com relação à saúde dos funcionários, manutenção da operação, cumprimento de contratos, mas principalmente a revisão do orçamento anual de toda a empresa, pois se o "cobertor" já estava justo, certamente passou a ser curto (se é que já não o estava).

Neste cenário, as equipes, orçamento e investimentos de Compliance de muitas empresas têm sido foco de corte e reduções drásticas sob o argumento de que o Programa de Integridade previstos pela legislação anticorrupção (lei 12.846/13 e decreto 8.240/15), bem como o programa de governança em privacidade de dados pessoais (lei 13.709/18 - LGPD) não são prioridade quando a própria sobrevivência da empresa está em jogo. Ledo engano, Compliance é questão crucial para as empresas, durante e após o Estado de Calamidade Pública.

Isso porque inúmeros mecanismos de controle, previstos por Leis e regulamentos, estão sendo literalmente afrouxados. Para o enfrentamento da emergência de saúde pública e combate da covid-19, em especial a lei 13.979/20 (alterada pelas medidas provisórias 926, 927 e 928/20), prevê-se, entre outras medidas, a possibilidade de requisição administrativa (compulsória) de bens e serviços das empresas privadas; dispensa de licitação para aquisição de bens e serviços; possibilidade de contratação de fornecedores mesmo com inidoneidade declarada ou com suspensão do direito de participação em licitações ou de contratações com Poder Público; dispensa de documentação de regularidade fiscal, trabalhista e de habilitação; flexibilização para utilização do Cartão de Pagamento do Governo para execução de serviços de engenharia e compras em geral; limitações de acesso à informação (previstos pela lei 12.527/11) e compartilhamento de dados pessoais e sensíveis nos termos da Lei de Proteção de Dados.

Na esfera trabalhista, temos outras tantas flexibilizações promovidas pelas medidas provisórias 927 e 936/20, tais como o teletrabalho a critério do empregador; suspensa~o de exige^ncias administrativas em seguranc¸a e sau'de no trabalho; a redução proporcional da jornada de trabalho; suspensão do contrato de trabalho e redução de remuneração. Na esteira do Coronavírus, houve, ainda, a suspensão do direito antidumping (resoluções CAMEX 23/20 e 23/20) e a relativização dos procedimentos aduaneiros na importação de determinados produtos (instruções normativas RFB 1.927/201.929/20 e portaria SECEX 18/20).

Considerando o estado de certa forma ainda incipiente das políticas de compliance e integridade no Brasil, esse cenário de relaxamento proporciona um banquete de oportunidades para corrupção, fraudes, tráfego de influência enfim, uma miríade de vantagens indevidas na relação do privado com o Poder Público. Além de todas as outras demais mazelas, as dificuldades advindas da pandemia podem acarretar a "venda de facilidades".

A covid-19 ainda proporciona vivenciarmos (inclusive na esfera pessoal) o triangulo da fraude (teoria desenvolvida por D. Cressey nos anos 50). Se considerarmos que a atividade empresarial de modo geral já está sendo pressionada a recuperar as perdas e obter receitas, diante de tantas oportunidades não faltará racionalização para se realizar qualquer tipo de fraudes, principalmente as contábeis e financeiras - algo que poderá ser ainda mais agravado no período pós-quarentena. A pressão para recuperação de receitas a qualquer custo também pode se mostrar um terreno fértil para rescisões contratuais indevidas; conflitos de interesse; acordo de preços entre concorrentes (cartel); concorrência desleal; informação privilegiada no mercado financeiro (insider information) e assédios.

Neste momento, em que há um verdadeiro turbilhão de leis e medidas provisórias, a integridade física e psicológica dos colaboradores da empresa também precisa ser garantida, seja com o teletrabalho ou pela implantação e aumento na fiscalização do uso dos equipamentos de segurança para aquelas atividades essenciais, assim como pelo tratamento e segurança adequado dos dados pessoais, em especial aos sensíveis, como aqueles relacionados à saúde.

Por todas essas razões, o Compliance deve permanecer presente e efetivo durante a gestão da crise, atuando pari passu com as medidas de contingência empresarial, para que os funcionários, gestores e a alta administração sigam mantendo a prática das políticas de integridade, evitando, assim, violações legais.

Para isso, a área responsável pelo Compliance deve permanecer monitorando suas ferramentas de controle, exigindo sua alimentação pelas áreas responsáveis, com especial ênfase aos relatórios e/ou inventários relacionados às relações jurídicas/comerciais com o Poder Público (constituindo dossiês importantes para a transparência da relação e eventuais renegociações) e às participações em entidades de classe da atividade econômica.

Igualmente merecem detalhada atenção da equipe de Compliance a participação nas decisões da empresa que estabeleçam metas (de vendas, de faturamento ou atreladas a remuneração variável); a realização de treinamentos remotos (on-line ou webinars), mantendo os princípios e regras anticorrupção e de integridade presentes nas suas atividades (agora telepresenciais); além das comunicações constantes divulgando canais de denúncia e garantindo apoio e orientação às áreas de negócio/operacionais, inclusive clientes, fornecedores e parceiros.

Ademais, é necessário ter a consciência de que as ações/atitudes tomadas pela empresa, seus funcionários, gestores e alta administração neste momento de crise poderão ser os gatilhos de denúncias, investigações e processos administrativos e judiciais (além de pesadas multas) no futuro.

Mesmo enfrentando a maior pandemia de nossa história, ignorar a integridade corporativa, infringindo normas de Compliance (sob as escusas da força maior), pode destruir a reputação da empresa de forma mais avassaladora do que qualquer vírus seria capaz.

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*Paula Lippi é profissional em Compliance anticorrupção. Mestre, Especialista e Graduada em Direito pela PUC/SP. Sócia fundadora do Compliance Transforma - Consultoria e Treinamentos.

 

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