Privacidade, lei geral de proteção de dados e covid-19
Manifesto de apoio à nota técnica do MPF sobre a manutenção da entrada em vigor da LGPD.
sexta-feira, 17 de abril de 2020
Atualizado às 13:50
Até a chegada da covid-19 no Brasil o direito à privacidade e proteção de dados pessoais não estavam em tamanha evidência como se observa durante a pandemia.
Embora, a lei 13.709/18 (Lei Geral de Proteção de Dados) esteja em vacatio legis por quase dois anos com sua entrada em vigor prevista para agosto de deste ano, muitos projetos de lei percorreram o Congresso Nacional na tentativa de prorrogar por mais tempo a sua vigência. Uma delas, a PL 1.179/20 de autoria do Senador Anastasia com revisão da Senadora Simone Tebet, aprovou o início da vigência para janeiro de 2021 e segue agora para votação na Câmara dos Deputados.
Por óbvio, o período de vacatio legis seria o suficiente para que as empresas públicas e privadas se preparassem e se adequassem a normativa. Entretanto, até o início deste ano, 85% das empresas haviam declarado não estarem prontas para a LGPD.
Nem mesmo o Governo Federal caminhou com a agenda de criação da é Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) de supra importância para definir e resolver questões que não ficaram claras na lei; para estabelecer conexão com outras normativas vigentes como o Código de Defesa do Consumidor e Lei de Acesso à Informação e também como órgão fiscalizador.
A entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados sem a agência reguladora resultará em enormes conflitos e insegurança jurídica.
Também os próprios titulares de dados pareciam dar pouca importância a exposição excessiva e crescente no mundo "on e offline". Quer um exemplo?
Todo final do ano os shoppings center costumam fazer campanhas de marketing que, se o cliente comprar acima de um determinado valor, concorre a um carro. Na hora de trocar as notas fiscais de compra por um cupom para participar da promoção, as pessoas preenchem um cadastro "fornecendo em troca de um possível 'carro zero' todos os seus dados pessoais e hábitos de consumo". Não se preocupam em saber onde esses dados serão armazenados e para qual finalidade e tampouco se questionam por que estão fornecendo todos os seus dados uma vez que a condição da promoção era simplesmente comprar acima de "x reais".
Entretanto, em meio a pandemia da Covid-19, parece que finalmente estamos despertando para a importância da privacidade e proteção de dados. Algumas políticas púbicas têm chamado a atenção das pessoas para a discussão sobre a possível violação de suas vidas privadas.
A mais recente discussão tem sido sobre o uso do monitoramento de celulares pela Governo do Estado de São Paulo, que em parceria com as operadoras Vivo, Oi e TIM, criou o SIMI-SP (Sistema de Monitoramento Inteligente de São Paulo) para prevenção ao combate ao coronavírus.
O sistema utiliza informações de georreferenciamento para a gestão em tempo real da mobilidade urbana nos municípios paulistas; identificando assim locais com maior concentração de pessoas e o nível de isolamento social por município.
Desde o anúncio muitos se posicionaram entendendo que a medida violaria ou poderia a ser um caminho para futura violação de privacidade.
Essa não é uma ação adotada exclusivamente no Brasil, outros países como Cingapura, EUA, e Coréia do Sul têm aplicado o uso de tecnologias de controle e vigilância para contenção da doença.
A inviolabilidade da intimidade, o sigilo das comunicações, a não discriminação e a honra são garantias fundamentais que devem ser preservadas para uma sociedade livre, justa e democrática. No entanto, na batalha contra a Covid-19 não são esses direitos que estão correndo risco, mas sim a vida, no sentido coletivo, e a saúde pública. Dessa forma, a finalidade do uso de alguns dados se justifica desde que com a devida transparência e proporcionalidade.
Com o confinamento social, aprendemos a usar ainda mais a tecnologia e o mundo virtual para mantermos um pouco da nossa rotina de trabalho, estudo e convívio familiar e social.
Aprendemos também que os nossos dados pessoais são imprescindíveis para manutenção da vida em sociedade e para o enfrentamento de crises como a da Covid-19. Portanto, o uso correto das informações ganhou merecido destaque.
Quando toda essa crise da pandemia chegar ao fim, precisaremos retomar nossas atividades econômicas e, novamente, a garantia jurídica da vigência da lei de proteção de dados para a circulação e intercâmbio de informações com os outros países será crucial.
Que todos esses movimentos sinalizem ao governo federal a necessidade imediata da criação da ANPD e para que as tentativas de prorrogação da LGPD não logrem êxito no Legislativo.
A Privacidade é um Direito! A Proteção de Dados Pessoais é o meio de garantir segurança jurídica a esse Direito.
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*Elaine Keller é sócia do escritório Keller Sociedade | Advocacia.