A pandemia do covid-19 e o oportunismo social
São inúmeros os exemplos de pessoas físicas e jurídicas que, valendo-se da pandemia do covid-19, se aproveitam do caos instalado para obterem vantagens contratuais, mesmo sem qualquer alteração em suas condições financeiras
quinta-feira, 16 de abril de 2020
Atualizado em 17 de abril de 2020 08:00
Em razão da pandemia da covid-19, decretada pela Organização Mundial de Saúde - OMS, diariamente são publicados em jornais, sites e revistas, artigos e matérias sobre temas relacionados a contratos em geral, abordando especialmente a possibilidade de revisões contratuais pela arguição caso fortuito/de força maior, onerosidade excessiva, fato do príncipe, entre outros institutos jurídicos capazes de excluir a responsabilidade de um dos contratantes pela ausência de cumprimento de obrigações contratuais, ou de forçar uma revisão contratual, em virtude das mudanças das condições dos contratantes.
Em termos simples, uma das partes de um contrato, sentindo-se impactada negativamente por conta de um fato imprevisível, inevitável e extraordinário (pandemia), que tornou muito difícil ou extremamente caro o cumprimento da obrigação, ou desnecessária a manutenção do contrato, pede à parte contrária para ser eximida de cumprir a sua obrigação, a revisão das cláusulas, ou o encerramento da relação.
Nas abordagens relacionadas aos temas mencionados, é praticamente unânime a opinião de que é plenamente possível a parte contratante que se sentir prejudicada por força da pandemia tem, de fato, o direito de reivindicar a suspensão do cumprimento da obrigação, a revisão das condições contratuais ou o encerramento da relação.
É inegável que, para certos contratantes, efetivamente é possível a alegação da ocorrência desses institutos, para buscar-se a uma readequação das condições contratuais, ou até mesmo a exclusão de responsabilidade pelo cumprimento das obrigações. Por exemplo, no ramo empresarial, não há como negar que companhias que tiveram o seu negócio fortemente impactado de forma negativa pela pandemia tenham condições de alegar a impossibilidade de cumprimento de obrigações contratuais conforme pactuado inicialmente e, com isso, pleitear a revisão das cláusulas. Da mesma forma, cidadãos que perderam os seus empregos ou que tiveram diminuições em seus proventos, por exemplo, também poderiam, em tese, se valer dos institutos jurídicos para realização de ajustes nas obrigações.
Porém, o que se vê atualmente é um movimento extrajudicial massificado de pessoas físicas e jurídicas, buscando a suspensão de pagamentos ou a concessão de descontos em contratos vigentes, pelo motivo puro e simples da existência da pandemia, sem uma prévia comprovação da alteração das condições financeiras.
Inquilinos que continuam em seus trabalhos sem quaisquer restrições pedem aos locadores descontos ou, mais grave ainda, a suspensão dos pagamentos dos aluguéis. Da mesma forma, empresas nada ou pouco impactadas pela covid-19 reivindicam o mesmo aos locadores dos imóveis onde estão sediadas. Pessoas e empresas buscam prestadores de serviços, solicitando descontos ou a suspensão dos pagamentos, em que pese a exigência da continuidade de prestação dos serviços.
Em suma, são inúmeros os exemplos de pessoas físicas e jurídicas que, valendo-se da presença do vírus, se aproveitam do caos instalado para obterem vantagens contratuais, mesmo sem qualquer alteração em suas condições financeiras. O momento é de união e solidariedade. Os cidadãos e as empresas devem, na medida do possível, dividir com os seus contratantes os prejuízos causados pela pandemia. É um momento em que cada parte deve individualmente ceder naquilo que lhe for possível, para viabilizar que os contratos sejam mantidos, ainda que temporariamente sob novas condições. As manutenções das relações jurídicas são essenciais para evitar um colapso econômico no país.
Contudo, é essencial que aqueles que pleiteiam revisões contratuais, ainda que temporárias, de fato tenham sido impactados negativamente pela pandemia. Não é aceitável que pessoas e empresas que têm as suas condições financeiras intactas se valham da instabilidade social e do receio das partes contratantes opostas de que ocorram rescisões contratuais, para obterem vantagens nos compromissos assumidos. Atos como esses são socialmente oportunistas, individualistas e carentes de qualquer ideia de solidariedade e união, tão necessárias nesta crise.
Por isso, recomenda-se às partes de contratos que recebem pedidos de revisões contratuais de partes opostas que sejam flexíveis ao aceitarem os pedidos de readequação. Porém, antes de responderem afirmativamente a tais pedidos, é aconselhável que peçam explicações fáticas e, se possível, provas concretas, da alteração das condições financeiras da parte que buscar um novo ajuste.
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*Alexandre Lopez Rodrigues de Aguiar é advogado em São Paulo.