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As ações de Recuperação Judicial diante da pandemia do coronavírus

Não há dúvidas de que a paralisação das atividades empresariais no período da pandemia trará significativos impactos econômicos às sociedades empresariais, estejam ou não em regime recuperacional, e também à sociedade de forma geral.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Atualizado às 08:32

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Diante da pandemia do coronavírus e do decreto de estado de calamidade pública pelo Governo Federal, inúmeras incertezas surgiram para as empresas em recuperação judicial, para seus credores e demais atuantes nas ações de recuperação judicial (juízes, administradores judiciais e advogados).

Por tal motivo, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a recomendação 63, de 31.03.20, que trata do envio de orientações a todos os juízos com competência para julgamento das ações de recuperação judicial e falência, para adoção de medidas para mitigação dos impactos decorrentes da pandemia.

As medidas constantes na recomendação, em resumo, são as seguintes:

  • Dar prioridade à análise e decisão sobre pedido de levantamento de valores em favor dos credores ou empresas recuperandas;
  • Determinar a suspensão de Assembleias Gerais de Credores presenciais e, se necessária à manutenção das atividades empresariais da devedora e início dos pagamentos aos credores, autorizar reuniões virtuais;
  • Prorrogar o período de suspensão previsto no art. 6º, da lei 11.101/05 (stay period), quando houver a necessidade de adiar a Assembleia Geral de Credores;
  • Autorizar às recuperandas a apresentação de modificativo a plano de recuperação, quando comprovada a diminuição na capacidade de cumprimento das obrigações em decorrência da pandemia do coronavírus, antes de deliberar sobre eventual declaração de falência;
  • Avaliar, com cautela, o deferimento de medidas de urgência, despejo por falta de pagamento e atos executivos de natureza patrimonial em desfavor das recuperandas, em ações judiciais que demandem obrigações inadimplidas durante o estado de calamidade pública;
  • Determinar aos administradores judiciais que continuem a fiscalizar as atividades das empresas recuperandas, de forma virtual ou remota, e a publicar em suas páginas na Internet os relatórios mensais de atividade.

A recomendação, que não tem efeito vinculante ao Poder Judiciário, visa a uniformização de procedimentos a serem adotados nas recuperações judiciais e falências, haja vista já existir inúmeras decisões dando tratamento diverso a situações semelhantes, trazendo insegurança jurídica às empresas, credores e demais partes.

Por outro lado, já está em tramitação na Câmara dos Deputados, antes mesmo da decretação da pandemia, o projeto de lei 6.229/05, que visa a alteração da atual lei de recuperações judiciais e falências (lei 11.101/05). Diante do decreto de calamidade pública e dos impactos decorrentes das medidas de distanciamento social adotadas pelo Poder Público, já sugiram propostas de alteração ao projeto de lei, entre elas o projeto de lei 1.397/20, que objetiva a criação de um regime de transição, que seria aplicável durante o período reconhecido oficialmente pelo Governo Federal para enfrentar as consequências da pandemia, denominado de Sistema de Prevenção à Insolvência.

Dentre as alterações propostas, destacamos as seguintes:

  • As empresas em crise financeira, cujo faturamento tenha sido reduzido em mais de 30% comparado à média do último trimestre, poderão apresentar, em juízo, Pedido de Negociação Preventiva, mesmo que não tenha cumprido o prazo de dois anos de exercício de atividades empresariais ou tenha obtido recuperação judicial há menos de cinco anos;
  • O Pedido de Negociação Preventiva suspenderá todas as execuções ajuizadas por credores, por um prazo de 60 dias, e não será possível requerer a falência da empresa nesse período. O pedido só poderá ser requerido uma única vez e encerrado após os 60 dias, independentemente do resultado das negociações;
  • No período de transição, que a proposta prevê perdurar até 31 de dezembro de 2020, prorrogável enquanto perdurar o estado de calamidade pública, alguns dispositivos da lei 11.101/05 teriam aplicação suspensa, entre eles I) a possibilidade da cobrança dos débitos contra os coobrigados da empresa em crise e II) o descumprimento do plano de recuperação homologado não ensejará a convolação em falência.
  • Durante o prazo de 90 dias da publicação da lei, serão suspensas todas as obrigações estabelecidas em planos de recuperação judicial homologados e, no período, as Recuperandas poderão apresentar aditivo ao plano já aprovado e homologado e incluir créditos constituídos após o pedido de recuperação judicial, mediante aprovação da Assembleia de Credores;
  • O pedido de falência do devedor só poderá ser requerido com fundamento em créditos vencidos e inadimplidos no valor mínimo de R$ 100.000,00 e não mais apenas os 40 salários mínimos atualmente vigentes.

Não há dúvidas de que a paralisação das atividades empresariais no período da pandemia trará significativos impactos econômicos às sociedades empresariais, estejam ou não em regime recuperacional, e também à sociedade de forma geral. Mas é preciso muita cautela para que não haja intervenção inoportuna e excessiva do poder público nas relações privadas, até mesmo diante dos princípios gerais da liberdade econômica já assegurados pela legislação vigente.

A recomendação para a adoção de medidas pontuais e de comprovada urgência contribuem para melhor enfrentamento da crise e dão segurança jurídica às partes envolvidas. Mas a alteração de regramentos, de forma precipitada, pode trazer desequilíbrio ao sistema de recuperação judicial vigente, e aumentar a crise econômico-financeira, ao invés de combatê-la.

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t*Rodrigo Machado Afonso é advogado no Rocha e Barcellos Advogados.

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