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O STF e o enfrentamento da crise no emprego

Já é tempo de superarmos uma visão polarizada das relações de trabalho, para compreendê-las à luz da simbiose economicamente útil e louvável que as caracterizam.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Atualizado às 08:57

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No próximo dia 16, o STF julgará em plenário a constitucionalidade da MP 936, editada no contexto legal de calamidade pública com o objetivo de evitar a demissão em massa de trabalhadores, em razão do colapso na parte da demanda de produtos e serviços, decorrente da exigência sanitária de isolamento social.

Muitos analistas vêm comparando a crise econômica do covid-19 àquela que se seguiu ao crash da bolsa americana de 1929. Gente como o mega-investidor nova-iorquino Ray Dalio, fundador de um dos maiores hedgefunds do mundo, apresenta-nos diversos paralelos com aquele mundo do período de 1930-45, como a impressão de dinheiro em larga escala, juros trazidos a zero e desemprego de dois dígitos, com a diferença de que a intensidade da presente crise será significativamente maior.

Interessante trazer à analise o pouco lembrado paralelo jurídico daquele momento econômico. Naquela época, a Suprema Corte Americana se orientava pela jurisprudência firmada em 1905, em Lochner vs. New York, quando se debruçou sobre os limites à liberdade contratual, a fim de saber se eram constitucionais os diplomas que estabeleciam as primeiras balizas nas relações de trabalho, fixando a observância obrigatória de salário mínimo, número máximo de horas trabalhadas, entre outros parâmetros. Dentro da ótica constitucional americana da proteção da liberdade individual, a orientação foi pela invalidade de tais normativos e pela ampla liberdade contratual.

Tal jurisprudência seguia sendo aplicada em 1935, quando a Corte, já sob a Grande Depressão, invalidou diversos atos da política do New Deal de Franklin Roosevelt, que pretendiam demarcar limites à negociação individual. Eis que então Roosevelt apresentou um conveniente projeto para alterar o número de juízes da Suprema Corte, dos tradicionais 9 para 16, com o objetivo óbvio de criar uma nova maioria em seu favor. A ameaça surtiu efeito e um dos votos se alterou, virando a balança em favor de Roosevelt. O episódio ficou conhecido como a virada que salvou nove, já que acabou por retirar de pauta a reforma da Corte.

Embora não se cogite ou endosse uma iniciativa como a de Roosevelt, o paralelo entre as crises e o papel dos três Poderes em tais situações é inevitável. Não há superação possível sem unidade em torno de um plano, sob pena de não se ter direcionamento algum para o enfrentamento da calamidade e o restabelecimento da normalidade. Tampouco pode o remédio tardar, deixando os pulmões da economia fatalmente comprometidos.

A MP 936, dentre outras coisas, permitiu redução de jornada com redução proporcional de salário (complementada pelo governo) e ampliou as hipóteses de negociação individual com o objetivo formalmente contratado de preservar empregos. Não se trata de intervenção na esfera privada, mas de inteligente forma de permitir a conciliação de interesses de empregados e empresas, com vistas à preservação mútua, sem o que o desemprego atingiria patamares históricos. A MP vem no contexto de uma série de medidas de ampliação de crédito, de diferimento de tributação e de afrouxamento fiscal, todas coerentes com o imperativo de unir a política de distanciamento social à tentativa de impedir a completa destruição da economia.

Há quem defenda a invalidade das liberdades concedidas na MP e/ou queira submetê-la a um modus operandi incompatível com a urgência e a gravidade da maior crise do século, em nome da proteção irrestrita dos empregados supostamente prejudicados. Particularmente, no agudo momento que estamos vivendo, a pretensão me faz lembrar da origem histórica da expressão "vitória de Pirro". Pirro (318 a.c - 272 a.c.) foi rei de Epiro (Grécia) e famoso opositor de Roma. Após vencer a batalha de Plutarco, às custas da quase aniquilação completa de seu exército, teria pronunciado a famosa frase: "mais uma vitória como está e estaremos perdidos". Já é tempo de superarmos uma visão polarizada das relações de trabalho, para compreendê-las à luz da simbiose economicamente útil e louvável que as caracterizam. Sem isso, corremos todos o risco de repetir a história e os erros de Pirro, criando vitórias inevitavelmente autofágicas.

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t*Fabio Brun Goldschmidt é advogado, sócio administrador do escritório Andrade Maia Advogados.

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