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PL 6.160/19: A maior ameaça do ano ao acesso à justiça em matéria previdenciária

Tiago Beck Kidricki

O projeto acaba com a gratuidade dos juizados especiais federais, que atualmente é isento de custas em primeira instância, sendo por isso muito utilizado pelos segurados.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Atualizado em 15 de abril de 2020 12:07

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No ano de 2019, foi elaborado o projeto de lei 6.160/19, que dentre inúmeras supressões de direitos, traz um que chama a atenção por seu caráter desarrazoado e inibidor, consistente em reduzir a possibilidade da concessão da gratuidade judiciária. Além disso, outro ponto preocupante do projeto é a parte que altera o processo administrativo do INSS, com normas que visam à redução de atrasados em processos e a dificuldade do acesso à justiça em situações em que o segurado dispõe de deficiência de provas. Tais medidas afetam diretamente milhões de aposentados e pensionistas, além do conjunto dos brasileiros que utilizam a Justiça Federal.

O projeto também acaba com a gratuidade dos juizados especiais federais, que atualmente é isento de custas em primeira instância, sendo por isso muito utilizado pelos segurados.

Vale lembrar que a concessão da gratuidade da justiça consiste em retirar da parte do processo a obrigatoriedade do pagamento de custas e despesas processuais, além de pagamento de sucumbência.

O Código de Processo Civil, em seu art. 98, traz, de forma aberta, a previsão de justiça gratuita para quem possui insuficiência de recursos. Contudo, para diminuir o número de processos ajuizados, a ideia do PL é trazer duros critérios objetivos para a concessão, gerando a inibição das ações pelo receio financeiro.

Somente beneficiados por programas sociais do governo (sendo obrigatório comprovar a participação) terão a gratuidade, devendo a renda familiar ser inferior a três salários mínimos ou a renda individual de até meio salário mínimo. Fora disso, não haverá a proteção da justiça gratuita.

Isso ocorre em período pós reforma da previdência e em que o INSS não consegue responder aos pedidos da cidadania brasileira, tendo milhões de processos administrativos represados. Mesmo com o colapso da autarquia, pretende-se afastar o cidadão do seu último recurso, que é a procura pelo Poder Judiciário. E tal distanciamento não pela efetivação da justiça, mas pelo medo da consequência do questionamento.

Tal situação preocupante já foi denunciada por notas públicas da OAB/RS e FETAPERGS, mas deve chegar ao conjunto da sociedade. Caso seja aprovado, ocorrerá uma restrição considerável do acesso à justiça, o que não se pode admitir. A ideia do projeto é que o cidadão somente proponha ação tendo a quase certeza de que sua tese procede.

Ora, se a própria autarquia não consegue elaborar um sistema em face da complexidade cada vez maior do direito previdenciário, não seria exigir demais do cidadão comum tal certeza? Qual o problema em se deixar o juiz analisar se o indivíduo é merecedor da justiça gratuita, como ocorre hoje? Até a gratuidade do juizado especial, onde tramitam causas de menor valor, é findada com o projeto. E os juizados foram importante instrumento de aproximação da Justiça Federal à sociedade.

O projeto também imputa ao cidadão o dever de instruir plenamente o processo. Há uma grande alteração no âmbito da responsabilidade pela instrução do processo administrativo: antes era dever da autarquia essa condução. Com o projeto, o cidadão é penalizado pela instrução insuficiente: os atrasados somente contarão do momento em que a última prova necessária para a concessão foi apresentada. De outro lado, o processo deficientemente instruído, ou se for assim considerado, não dará mais interesse de agir no âmbito judicial, sendo considerado inexistente para esse fim.

Quais são, por exemplo, as provas necessárias para a consideração de um tempo especial ao segurado? Se o segurado traz um PPP (formulário padrão para esse tipo de comprovação), que não comprova a especialidade, há uma série de possibilidades para ter-se essa averiguação. Ou seja, é difícil dizer qual será o documento decisivo.

Portanto, na prática o que há é uma redução de parcelas vencidas em geral por ter-se colocado na conta do cidadão leigo a referida responsabilidade, que não caberia a ele ser imputada, bem como dificultar o acesso ao Poder Judiciário.

Desse modo, faz-se necessário a busca pela proteção do direito dos cidadãos, a partir da ampla união de entidades que defendam a Cidadania, a fim de que o Congresso Nacional, ao cabo, rejeite o projeto. O judiciário é a última trincheira do cidadão e não é razoável amedrontá-lo para reduzir o número de demandas do país. Regras mais claras, um INSS que respeitasse os entendimentos judiciais e os adotasse amplamente e de forma mais célere seriam algumas ideias para reduzir a judicialização, mas mantendo o que não podemos abrir mão: a verdadeira Justiça!

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*Tiago Beck Kidricki é diretor do IEPREV que trata das relações entre a advocacia previdenciária e a OAB.

IEPREV - Instituto de Pesquisa e Estudos Previdenciarios LTDA - ME

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