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A proteção patentária para segundo uso médico e o teste de medicamentos já existentes para combater o covid-19

Gabriel Di Blasi e Ana Beatriz Lage

Uma vez identificado qualquer meio terapêutico que sinalize a cura do novo coronavírus (COVID-19), este deve ser distribuído pelas entidades governamentais e de saúde e utilizado imediatamente pela sociedade.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Atualizado às 13:57

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O novo coronavírus (COVID-19), doença infecciosa provocada pela "síndrome respiratória aguda grave - coronavírus 2" (SARS- CoV-2), vem trazendo inúmeros transtornos e acarretando a incessante busca por soluções médicas para controle da pandemia por ele causada. Nesse sentido, as equipes médicas e farmacêuticas ao redor do mundo vem trabalhando incansavelmente, à procura do medicamento que auxiliará o   controle e a cura desta enfermidade que já se caracteriza como uma pandemia.

Em meio à  crescente corrida contra o tempo dos cientistas na busca pela droga capaz de combater o COVID-19 , com intuito de evitar ainda mais mortes, a possibilidade de uso de medicamentos já existentes, com o objetivo de tratamento de outras doenças se mostra uma excelente opção, uma vez que, apesar de ainda demandar uma série de testes clínicos, não demandaria a  criação de novos compostos químicos , o que exigiria ainda mais tempo, um fator escasso na atual conjuntura.

Inclusive, foi anunciado pelo governo chinês que seus cientistas teriam encontrado, em um medicamento já existente para Influenza, o combate para o temido COVID-19. O Japão e a Coréia do Sul ainda se mostram resistentes à sua utilização por ausência do número de testes clínicos necessários para assegurar a sua eficácia1.

Neste contexto, vem à baila uma questão de suma importância neste cenário: como fica a proteção patentária de novas aplicações terapêuticas de compostos ou medicamentos conhecidos, denominados patentes de "segundo uso médico", segundo o ordenamento jurídico brasileiro? A possibilidade de proteção a este tipo de patentes causa grandes controvérsias há tempos, tendo em vista a discussão a respeito da existência, ou não, dos requisitos básicos para concessão de uma patente.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, divergem sobre o assunto. Enquanto o primeiro defende a tese de que a concessão desse tipo de patente dificultaria a produção de genéricos e encareceria os custos na compra de medicamentos, bem como  afirmar que estes não possuem o requisito da atividade inventiva necessário para concessão de uma patente, o segundo entende que, atendidos os requisitos de pantenteabilidade exigidos pela Lei de Propriedade Industrial (9.279/96), não há qualquer vedação à proteção patentária de segundo uso médico, inclusive estimulando o desenvolvimento de usos de compostos ou medicamentos conhecidos em novas aplicações terapêuticas.

  Nesta seara, é importante lembrar que, apesar do artigo 229-C da LPI determinar a prévia anuência da ANVISA[2] nos casos de produtos e processos farmacêuticos, a entidade deverá somente avaliar a segurança e eficácia dos medicamentos em relação ao risco à saúde pública, cabendo ao INPI a análise dos requisitos de patenteabilidade, conforme entendimento da Advocacia Geral da União. Tal embate, inclusive vem sendo discutido pelo judiciário, na Ação Civil Pública nº 0046656-49.2011.4.01.3400, em trâmite perante o Tribunal Federal Regional da 1ª Região, ainda pendente de julgamento.

Atualmente, em caso de pedido de patente de segundo uso médico, cabe ao INPI a análise de cada caso e a devida verificação de atendimento aos requisitos de patenteabilidade, uma vez que a LPI não é clara sobre o assunto, e que o sistema adotado no território brasileiro é o genérico de classificação, no qual tudo aquilo não é excluído de proteção pela legislação (artigos 10 e 18 da LPI), é passível de proteção.

Desta forma, caso se comprove que medicamentos já existentes, com patentes vigentes, sejam eficazes no tratamento do coronavírus, estes poderão fazer jus a proteção patentária caso não se configurem, apenas, como tratamento médico, mas sim preencham os requisitos da novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

Ademais, no caso da expiração dos prazos das patentes originais já concedidas se esgotarem, mesmo que concedido o novo pedido patentário de segundo uso médico, o primeiro uso restará em domínio público, sendo permitida, portanto, a fabricação e comercialização do referido composto químico por terceiros no mercado da indústria farmacêutica.

Não obstante a possibilidade de proteção de medicamentos de segundo uso, pelos escritórios de patentes nacionais, nesse momento da pandemia a urgência e a prioridade é salvação de vidas humanas. Assim, uma vez identificado qualquer meio terapêutico que sinalize a cura do novo coronavírus (COVID-19), este deve ser distribuído pelas entidades governamentais e de saúde e utilizado imediatamente pela sociedade de forma que essa pandemia seja eliminada e essa doença se transforme em mais uma simples gripe.

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1 China says Japan-developed drug Avigan Works against Coronavirus. Disponível em clique aqui, acesso em 18/03/2020.

2 Art. 229-C.  A concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. 

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AGU. Advocacia Geral da União. Parecer da AGU confirma competências da Anvisa e do INPI sobre patentes de medicamentos, disponível em clique aqui, acesso em 17/03/2020

GONDIM, Luciana Baroni A patente de segundo uso médico e o seu tratamento no ordenamento jurídico brasileiro / Luciana Baroni Gondim. - Brasília: O autor, 2016, disponível em clique aqui,acesso em 16/03/2020

Lei 9.279/96, disponível em clique aqui, acesso em 16/03/2020

SILVA, Maria Lucia Abranches da; BRITTO, Adriana Campos Moreira; ANTUNES, Adelaide Maria de Souza. Controvérsias sobre a proteção patentária de segundo uso médico de compostos químicos conhecidos. Quím. Nova,  São Paulo ,  v. 33, n. 8, p. 1821-1826,    2010 .   disponível em clique aqui, acesso em 16/03/2020

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*Gabriel Di Blasi e Ana Beatriz Lage, sócio diretor e advogada, respectivamente, do escritório Di Blasi, Parente & Associados.

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