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Breve análise: os caracteres do contrato de compra e venda

Ainda, contrato é translativo de propriedade pois é o fato, a causa que gera a obrigação de dar (obligatio dandi), o fundamento da transcrição ou da tradição, já que não é hábil para transferir a propriedade.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Atualizado em 11 de abril de 2020 10:18

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Todos os dias, durante todo tempo, quase todas as pessoas compram e vendem por meio de contratos absolutamente complexos e solenes, ou de forma simplória, como por exemplo, a famigerada média com pão na chapa. Fato é que a compra e venda está presente no dia a dia do brasileiro (e de todos os povos do mundo).

No ordenamento pátrio, o contrato de compra e venda está disciplinado a partir do art. 481 do C.C1 e é definido por Caio Mário da Silva Pereira como: o contrato em que uma pessoa (vendedor) se obriga a transferir a outra pessoa (comprador) o domínio de uma coisa corpórea ou incorpórea, mediante o pagamento de certo preço em dinheiro ou valor fiduciário correspondente2.

Na sistemática civil da França (Arts. 1.582 e 1.583)3 e da Itália (Art. 1.470)4 o contrato de compra e venda é instrumento hábil para transferir a propriedade, portanto, produz eficácia real5.

 

O Brasil adotou o sistema romano6 (traditionibus et usucapionibus dominia rerum, non nudis pactis trasnferuntur, a máxima romana que significa: o domínio das coisas transfere-se por tradição e usucapião, jamais por simples pactos) e germânico (neste sistema, o ato jurídico que cria a obrigação de transferir a propriedade é independente do ato pelo qual a propriedade se transfere. Portanto, é necessária a realização de outro negócio, e é, por seu intermédio, que se verifica a inscrição no Registro Imobiliário de que resulta a transmissão do domínio)7 não conferindo eficácia translativa, em outras palavras, o contrato não possui caráter real, mas meramente obrigacional.

 

Destarte, o contrato de compra e venda gera direito pessoal, uma vez que o credor (comprador) exigirá da pessoa do devedor (vendedor) a obrigação de transferir o domínio (naturalmente, desde que cumpridos os requisitos para tanto). Por isso, ao adquirente que paga o preço da coisa e verifica que o vendedor alienou o bem à terceiro, não há direito de reivindicação (pois trata-se de direito exclusivo do proprietário), nesse caso, poderá o credor (comprador) exigir o equivalente e eventuais perdas e danos que forem comprovadas.  

 

É acertada a afirmação de que no Brasil nenhum contrato transfere propriedade, já que no caso dos bens móveis a propriedade só será transferida com a tradição8 e, nos bens imóveis a propriedade só será adquirida com o registro do título translativo9. Todavia, podemos como exceção o Decreto-Lei 3.545/41 que regula a compra e venda de títulos da dívida pública da União dos Estados e dos Municípios, em seu art. 8º: "A celebração do contrato transfere imediatamente ao comprador a propriedade do título."

 

Para a jurista Maria Helena Diniz há ainda outra exceção, o Art. 1.361 do Código Civil dispõe que a alienação fiduciária transfere a propriedade independentemente da tradição10. Contudo, o professor e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Francisco Loureiro, se posiciona em sentido contrário sobre o tema:

 

Antes do registro, há simples crédito, sem qualquer garantia real nem propriedade resolúvel transferida ao credor. (FRANCISCO LOUREIRO, 2019, p.1.382).11

 

A respeito de sua natureza jurídica, o contrato de compra e venda se classifica como bilateral12 ou sinalagmático (pois gera obrigações para ambos contratantes, o comprador deve transferir a propriedade com o pagamento do preço, o vendedor deverá pagar o preço acordado),  é oneroso (comprador e vendedor obtém vantagem pelos sacrifícios aos quais se obrigaram, o comprador despende valor, porém adquire a coisa, o vendedor, por seu turno, perde a coisa mas recebe contraprestação).

 

A compra e venda poderá ainda ser comutativa ou aleatória. Será comutativa quando as partes souberem previamente suas obrigações (o comprador sabe o preço a ser pago13 e o vendedor saberá qual a coisa que deverá entregar). Contudo, poderá ser aleatória quando houver risco de uma das prestações não ocorrer, ou seja, haverá para cada um dos contratantes chances de prejuízo ou de vantagem.

 

A aleatoriedade (daí a origem do vocábulo álea: sorte), merece atenção especial pois foi tratada em dispositivos próprios do Código Civil, dos quais destacamos:

 

Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.

 

Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.

 

O Art. 458 retrata o instituto romano emptio spei (venda da esperança), onde um dos contratantes assumirá o risco integral quanto à existência da coisa vendida, nessa modalidade de álea, a outra parte poderá exigir o cumprimento do que foi disposto no contrato (ainda que o que foi combinado não ocorra), desde que não tenha concorrido de forma dolosa ou culposa. Ilustra Nelson Rosenvald14:

Assim, volvendo-se para a hipótese de aquisição de safra de "A" por "B" por um preço fechado - independente do quantum da produção -, caso "A", atue negligentemente no cultivo, a contraparte será legitimada a desconstituir o negócio jurídico, cabível ainda a indenização por perdas e danos (Art. 475 do CC).

Por sua vez, o Art. 459 traz a figura da emptio rei speratae, onde o risco assumido no contrato não é a existência da coisa, mas a quantidade e a qualidade do objeto daquele instrumento. 

Nessa modalidade a parte que assume o risco suportará as consequências caso a coisa seja de qualidade ou quantidade mínima. Elucida Orlando Gomes15:

Na empito rei speratae as coisas futuras, que são compradas, devem vir a existir, sob pena de se desfazer o contrato. O risco diz respeito apenas à quantidade. Pode ser maior ou menor. Nessa possibilidade, reside a álea.[...] Uma colheita, por exemplo, será objeto de emptio rei speratae, porque é de se esperar normalmente que haja frutificação.[...] Na empto rei speratae, se nada vier a existir, o vendedor é obrigado a restituir o preço recebido. 

O contrato de compra e venda poderá ser consensual (quando for mútuo o consentimento das partes) ou solene (quando a lei estabelecer forma específica para sua manifestação), por exemplo, o Art. 108 do CC16: Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Ainda, contrato é translativo de propriedade pois é o fato, a causa que gera a obrigação de dar (obligatio dandi), o fundamento da transcrição ou da tradição, já que não é hábil para transferir a propriedade17.

Por fim, os elementos constitutivos deste contrato, que serão abordados individualmente em texto específico, dada sua importância e extensão, são: a) a coisa (que deverá ser disponível, individuada, ter a possibilidade de ser transferida ao comprador e existir, ainda que potencialmente); b) o preço (que, conforme artigos 481 até 490 do CC, deverá ter as características da pecuniariedade, seriedade e certeza); c) o consentimento do contratantes (capacidade genérica para praticar os atos da vida civil e legitimação para contratar)18.

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https://www.altalex.com//documents/news/2014/11/12/dei-singoli-contratti-della-vendita

https://www.altalex.com//documents/news/2014/11/12/dei-singoli-contratti-della-vendita

La vente est une convention par laquelle l'un s'oblige à livrer une chose. Link aqui

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Volume 3. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. São Paulo. Editora Saraiva. 30ª Ed. 2014.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil , Ed. Saraiva, volume II, 7ª ed., 2006.

GODOY, Claudio Luiz Bueno de. II. PELUSO, Cezar. Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência. 13 ed. Ed. Barueri. Manole, 2019 

GOMES, Orlando. CONTRATOS. 18ª Edição. Rio de Janeiro. Forense. Editora, 1998.

GOMES, Orlando. DIREITOS REAIS. 6ª Edição. Rio de Janeiro. Forense. Editora, 1978.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado: parte geral, TOMO III. Campinas. Bookseller, 2000.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume 3. Contratos. 23ª Edição. Rio de Janeiro: Forense. Editora, 2019.

ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Contratos. Volum 4. 9ª Edição. Salvador. Editora JusPodivm. 2019. p.1.088.

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1 Código Civil Brasileiro: Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

2 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume 3. Contratos. 23ª Edição. Rio de Janeiro: Forense. Editora, 2019. Página 152.

3 Código Civil Francês - Traduzido: Art. 1.582: A venda é um acordo pelo qual um é obrigado a entregar algo e o outro a pagar por isso. Pode ser feito por instrumento autêntico ou com assinatura particular. Art. 1.583: É perfeito entre as partes, e a propriedade é adquirida por direito ao comprador em relação ao vendedor, assim que a coisa e o preço forem acordados, embora a coisa ainda não tenha sido entregue nem preço pago.

4 Código Civil Italiano - Traduzido: Art. 1470: A venda é o contrato que tem como objetivo a transferência da propriedade de uma coisa ou a transferência de outro direito para a consideração de um preço. 

5 Conforme lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, na obrigação com eficácia real, sem perder seu caráter de direito a uma prestação, há a possibilidade de oponibilidade a terceiros, quando houver anotação preventiva no registro imobiliário. Novo Curso de Direito Civil , Ed. Saraiva, volume II, 7ª ed., 2006, p. 8.

6 Orlando Gomes, a respeito do sistema romano e, respondendo a pergunta: "O contrato, ou outro ato jurídico, transfere, de si só, o domínio de uma coisa?", escreveu da seguinte forma: Pelo sistema romano, a propriedade só se adquire por um modo. Não basta a existência de um título, isto é, do ato jurídico pelo qual uma pessoa manifesta validamente a vontade de adquirir um bem. É preciso que esse ato jurídico se complete pela observância de uma forma, a que a lei atribui a virtude de transferir o domínio da coisa[...] Assim, título e modo eram necessários para aquisição da propriedade. GOMES, Orlando. DIREITOS REAIS. 6ª Edição. Rio de Janeiro. Forense. Editora, 1978. Página130.

7 Distingue-se do sistema romano porque, neste, há vinculação do modo ao título; a causa não é abstraída; e não é necessário outro negócio jurídico. GOMES, Orlando. DIREITOS REAIS. 6ª Edição. Rio de Janeiro. Forense. Editora, 1978. Página131.

8 Código Civil Brasileiro: Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.

9 Código Civil Brasileiro: Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

10 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Volume 3. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. São Paulo. Editora Saraiva. 30ª Ed. 2014.b p.195

11 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. II. PELUSO, Cezar. Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência. 13 ed. Ed. Barueri. Manole, 2019.

12 Para auxiliar nos estudos do leitor, lembramos o contrato é negócio jurídico bilateral, pois depende de manifestação de vontade de ambos contratantes. Para o Pontes de Miranda: Todos os contratos são negócios jurídicos bilaterais. Porque, aí, a bilateralidade diz respeito à composição subjetiva do suporte fático, ao nascimento do negócio jurídico com as duas manifestações de vontade concordes . [...] Contrato bilateral é aquele de que se irradia eficácia bilateral (deveres, obrigações, ações, de ambos os lados). Bilateral, aí, é, portanto, bilateralmente criador de direitos, deveres, prestações, obrigações, ações e exceções. Há prestação e contraprestação, que é o que o credor promete. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado: parte geral, TOMO III. Campinas. Bookseller, 2000. Página 244.

13 A correção monetária e as tabelas progressivas de valores são comuns e contratos de venda e compra de imóveis, todavia, não retiram a característica de contrato comutativo. Nesse sentido o C.STJ: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 606.337 - SP (2014/0263943-3)RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO [...]A correção monetária é mera atualização do valor da moeda corroída pelo processo inflacionário [...]

14 ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Contratos. Volum 4. 9ª Edição. Salvador. Editora JusPodivm. 2019. p.1.088.

15 GOMES, Orlando. CONTRATOS. 18ª Edição. Rio de Janeiro. Forense. Editora, 1998. Página 231.

16 Com fundamento no Art. 38 da lei 9.514/97 (alterada e 2004 pela lei 10.931/04), Maria Helena Diniz adota o posicionamento de que o contrato de compra e venda com financiamento e alienação fiduciária poderá ser celebrado por instrumento particular, a ele se atribuindo o caráter de escritura pública. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Volume 3. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. São Paulo. Editora Saraiva. 30ª Ed. 2014.b p.197.

17 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume 3. Contratos. 23ª Edição. Rio de Janeiro: Forense. Editora, 2019. Página 153.

18 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Volume 3. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. São Paulo. Editora Saraiva. 30ª Ed. 2014.b p.245.

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* Paulo Roberto Athie Piccelli é advogado. Mestrando em Direito Civil pela PUC-SP. Especialista em Direito Imobiliário com MBA pela FGV-LAW. Especialista em Direito Civil e Empresarial - IBMEC - Damásio. Professor de Direito Civil do Curso Damásio Educacional. Atual Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da 101ª Subseção da OAB-SP.

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