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As relações contratuais e o comportamento oportunista

O regulamento contratual resulta, assim, pela vontade concorde das partes, constituindo o ponto de confluência e de equilíbrio entre os interesses - normalmente contrapostos.

terça-feira, 7 de abril de 2020

Atualizado às 14:28

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No âmbito das relações jurídicas privadas, a peça mestra que põe em movimento as outras peças é denominada de autonomia privada que, como suporte principal do mundo jurídico, traduz o reconhecimento de que os particulares possam regular suas próprias relações jurídicas, da forma e nos termos escolhidos por elas1.

Em um sistema capitalista, que reconhece como seu ponto chave o princípio da liberdade da iniciativa privada, os operadores econômicos (partes do contrato) são livres para dar aos seus contratos os conteúdos concretos que considerem mais desejáveis. O regulamento contratual resulta, assim, pela vontade concorde das partes, constituindo o ponto de confluência e de equilíbrio entre os interesses - normalmente contrapostos2.

No entanto, em momentos de crise, estas relações contratuais podem sofrer pressões externas ao contrato para sua alteração ou, até mesmo, a sua rescisão abrupta.

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o coronavírus (covid-19) como pandemia.

Logo em seguida, boa parte dos Estados e Municípios brasileiros expediram decretos restringindo parcial ou totalmente a abertura de estabelecimentos comerciais e de atividades consideradas não essenciais. Tais medidas foram tomadas no sentido de que a melhor alternativa seria restringir o contato e aglomeração de pessoas.

No entanto, como esta situação afeta os contratos paritários de longa duração? Por exemplo, no caso dos contratos de locação comerciais, tais restrições podem afetar os termos contratados entre as partes?

A empresa Iguatemi, por exemplo, suspendeu a cobrança de aluguel do mês de março para seus locatários3.

Muito se tem sustentado a aplicação do art. 393, do Código Civil, em que a presente situação seria caso de caso fortuito ou força maior. Outros autores, mencionam a aplicação da teoria da imprevisão, colacionada nos artigos 478 a 480, também do Código Civil.

Jorge Cesa, em recente artigo publicado, ao analisar o possível enquadramento do coronavírus aos casos de caso fortuito ou força maior, dispõe que, em realidade, o caso concreto do contrato a ser analisado que, efetivamente, definirá a sua aplicação ou não.

A partir deste panorama, o que acabou sendo ignorado é o oportunismo que tais notícias podem acabar resultando.

Explica-se melhor: no momento em que os veículos de comunicação transmitem a possibilidade de repactuação dos contratos de locação comerciais, por exemplo, incentiva que boa parte dos locatários busquem este benefício mesmo que a sua situação fática específica não exija tal benefício.

Os mercados e alguns restaurantes, por exemplo, permanecem em funcionamento mediante o serviço de delivery, atendendo todos os seus consumidores.

Ou seja, a divulgação destas informações disseminando a possibilidade de isenção ou redução dos valores locatícios por determinado prazo, sem a análise meticulosa do caso específico, gerará uma redistribuição de ônus e obrigações por meio de remédios como a revisão, a resolução contratual ou a decretação de invalidade e/ou ineficácia de disposições contratuais, caso procedida de forma deveras idiossincrática. Tais possibilidades podem gerar o seguinte: 1) o desincentivo ao cumprimento das obrigações; 2) o comportamento oportunista.

No que tange ao comportamento oportunista, Oliver Williamson define-o utilizando uma célebre formulação: "By opportunism I mean self-interest seeking with guile". O mesmo autor, ao conceituar o oportunismo, dispõe: "More generally, opportunism refers to the incomplete or distorted disclosure of information, especially to calculated efforts to mislead, distort, disguise, obfuscate, or otherwise confuse"4.

Nas palavras de Richard H. Thaler, "a premissa central da teoria econômica é que as pessoas escolhem por otimização"5. Ou seja, buscam o que for melhor para elas, dentro das possibilidades.

Sob esta perspectiva, as partes contratantes são capazes de comparar os custos e benefícios financeiros esperados entre diferentes e alternativos termos de um contrato, e basear suas preferências nos termos que maximizam as suas utilidades6.

Assim, em um momento de dificuldades inquestionável, somando-se as informações de que a revisão ou rescisão contratual são alternativas viáveis, mesmo o locatário que não tenha sido prejudicado ou, que possua uma condição diferenciada, será tentado, racionalmente, a pleitear, no mínio, uma revisão contratual.

Entretanto, da mesma forma como existem locatários das mais diversas situações jurídicas e financeiras, existem locadores igualmente diversos, que também precisam ter sua situação analisada casuisticamente. Podemos nos deparar com uma situação específica em que o locatário possua uma condição financeira muito mais privilegiada do que o próprio locador, por exemplo.

Nestas situações, como será analisado o pedido de revisão ou rescisão? A situação econômico-financeira do locador é igualmente relevante?

Entende-se que sim.

Desta forma, caberá, em cada caso concreto, o locatário comprovar em seu pedido com o efetivo dano causado pela pandemia e não que os casos sejam analisados de forma genérica, sob pena de causar prejuízos irreparáveis ao mercado imobiliário.

Ou seja, não podemos dar respostas antes das perguntas. Precisamos analisar de forma criteriosa o caso concreto para, assim, determinar se a readequação da relação contratual é necessária ou não.

Por fim, a situação econômico-financeira do locador também precisa ser analisada sob o mesmo prisma e ser levada em consideração pelas partes e pelo julgador, sob pena de ocorrer uma redistribuição de custos de transação equivocada e prematura.

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1 SAAVEDRA, José Leyva. Autonomia Privada y Contrato. Revista Oficial del Poder Judicial. Nº 6 e 7. 2010-2011, p. 267-290.

2 ROPPO, Enzo. O Contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 128.

3 Iguatemi suspende aluguel de março para todos os lojistas. Acessado no dia 31 de março de 2020.

4 WILLIAMSON, Oliver E. The Economic Institutions of Capitalism: firms, markets, relational contracting. The Free Press, a Division of Macmillan Inc, 1985, p. 47.

5 THALER, Richard H. Misbehaving. 1 ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019, p. 19.

6 SANTOLM, Cesar. Bahavioral law and economics e a teoria dos contratos. RJLB, ano 1, n. 3, 2015.

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*Demétrio Beck da Silva Giannakos é doutorando em Direito pela UNISINOS, bolsista CAPES/PROEX; mestre em Direito pela UNISINOS; advogado.

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