Rio de Janeiro aprova norma que pode inviabilizar operações no ambiente do marketplace
A comercialização de bens pela internet não é novidade; no entanto, é de conhecimento comum que, no Brasil, ainda existia uma certa resistência em utilizar as novas soluções que envolvem tecnologia.
terça-feira, 7 de abril de 2020
Atualizado às 09:29
É inegável que a pandemia causada pela covid-19 já impactou a economia brasileira, sobretudo as atividades que, em sua essência, dependem do contato humano, como o comércio e serviços.
Com as medidas de isolamento, diversos estabelecimentos foram fechados, o que dificultou a continuidade de inúmeras atividades econômicas.
A comercialização de bens pela internet não é novidade; no entanto, é de conhecimento comum que, no Brasil, ainda existia uma certa resistência em utilizar as novas soluções que envolvem tecnologia. O temor quanto à segurança, muitas vezes a necessidade imediata de receber o bem e o elevado do custo de frete são os principais fatores que contribuíram para a existência dessa barreira.
O que se percebe no cenário atual é que diversos empresários foram obrigados a "se digitalizar" de forma abrupta nos últimos 15-20 dias.
Por uma questão de sobrevivência econômica, a migração de inúmeras operações para o canal online se apresentou como a única alternativa para que o comércio se mantivesse ativo no Brasil, em especial nas grandes metrópoles que estão sendo duramente afetadas pela doença.
Em meio a esse cenário, as plataformas de marketplace revelaram ser alternativas muito eficientes principalmente para os pequenos e médios empresários, que conseguiram atingir uma quantidade enorme de clientes que acessam regularmente a página de grandes varejistas brasileiros.
Na contramão de todo o movimento econômico, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovou, no último dia 31.3.2020, o PL 2.023/2020, que traz perigosas repercussões para os negócios realizados no ambiente de marketplace.
Abaixo, resumo das principais medidas adotadas:
NOVOS CONTRIBUINTES DO ICMS
Operador do site ou plataforma digital que realiza a venda ou a disponibilização de bens e mercadorias digitais transferidos eletronicamente.
Medida que de alguma forma era esperada pelo mercado, tendo em vista a edição do Convênio ICMS 106/2017. Todavia, é importante lembrar que a questão da incidência do ICMS sobre a comercialização de bens cuja transferência se dá de forma digital ainda não foi definida em âmbito judicial. Há, pendente de julgamento no STF, a ADIN 5958.
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
Operações com bens e mercadorias digitais (e-books, por exemplo) aos seguintes players:
- A pessoa jurídica detentora de site ou de plataforma eletrônica que realize a oferta, ou entrega por meio de transferência eletrônica de dados, em razão de contrato firmado com o comercializador ou prestador de serviço de comunicação, caso também operacionalize a transação financeira;
- O intermediador financeiro, inclusive a administradora de cartão de crédito ou de outro meio de pagamento, caso a pessoa jurídica detentora de site ou de plataforma eletrônica apenas realize a oferta ou entrega por meio de transferência eletrônica de dados;
- O adquirente do bem ou mercadoria digital, na hipótese de o contribuinte ou os responsáveis acima não serem inscritos no Estado do Rio de Janeiro;
- A administradora de cartão de crédito ou débito ou a intermediadora financeira responsável pelo câmbio, nas operações de importação.
OPERAÇÕES COM MERCADORIAS NÃO DIGITAIS
- O proprietário ou possuidor de site ou de plataforma eletrônica que realize a oferta, captação de clientes ou venda, em razão de contrato firmado com o comercializador, quando operacionalizar a transação financeira e o acompanhamento do pedido, sem que seja emitida nota fiscal obrigatória.
De forma taxativa, o Estado imputou aos prestadores de serviços e operadores financeiros associados à cadeia o dever de recolher o ICMS incidente sobre a venda de mercadorias realizadas por terceiros (comumente chamados de seller).
A medida implementada revela total descompasso com o cenário econômico atual.
Exigir que os prestadores de serviços de intermediação ou agentes financeiros realizem o recolhimento do ICMS que ordinariamente é de responsabilidade do vendedor poderá ocasionar diversos entraves para a operação, dificultando sobremaneira as vendas online, que, no cenário atual, é o único canal que muitos empreendedores possuem (em especial os pequenos e médios).
Em se tratando das mercadorias não digitais, a situação é pior ainda!
Exigir que a plataforma de marketplace recolha o ICMS devido para o Estado do Rio de Janeiro significa exigir que o player monitore a origem e o destino de cada uma das milhares de operações intermediadas e defina sobre quais compras incidirá o tributo para o Fisco Fluminense (alíquotas ordinária, interestadual, diferencial de alíquotas - EC 87/15?).
A estratégia adotada pelo Estado do Rio de Janeiro poderá, na verdade, se revelar um grande equívoco que custará a manutenção dos centros de gestão das plataformas em território fluminense.
Por se tratar de operação que, teoricamente, pode ser gerida de qualquer local, não espantaria constatar a migração de alguns sites e operadores para outras Unidades da Federação.
Alguns dos temas tratados no referido PL exigem longa reflexão, estudo de possíveis repercussões econômico-financeiras, sendo certo que a tributação de meios digitais está sendo amplamente debatida em âmbito mundial, com liderança da OCDE. Contudo, aplicar mudanças tão significativas sem amplo debate com a sociedade e em meio a Estado de Calamidade decretado pelo Poder Público não é minimamente razoável.
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*Raphael Nóbrega de Andrade é advogado tributarista do Gaia Silva Gaede Advogados.