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A pandemia e a revisão dos contratos de locação dos lojistas de shopping centers

Para os lojistas de shopping centers, sabe-se que há um contrato de locação que contempla diversos encargos com valores elevados que não são exequíveis em períodos como o presente.

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Atualizado às 12:00

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I. Introdução:

O cenário de calamidade sanitária referente à pandemia causada pelo novo coronavírus tem ensejado há algumas semanas severos prejuízos econômicos ao comércio em geral (excetuando-se os de produtos denominados essenciais), prejuízos que certa e infelizmente se projetarão por longo período.

Especificamente, os shopping centers tiveram desde o início do mês de março uma queda brusca de movimento1, o que ocasionou, logicamente, redução acentuada nas receitas dos lojistas. Na segunda quinzena do mês, diversos governos estaduais e municipais decretaram medidas recomendando e até determinando o fechamento dos Shopping Centers.

O Governo do Paraná determinou2 a suspensão das atividades dos shopping centers a partir do dia 19/3/2020. A Prefeitura de Porto Alegre fez o mesmo a partir do dia 20/3/20203, assim como o Governo Municipal4 e Estadual5 de São Paulo, por exemplo.

Também nos últimos dias, o Poder Público tem tomado algumas medidas para amenizar os danos aos empreendedores (e trabalhadores, por consequência), como a linha de crédito para pagamento de salários de funcionários de pequenas e médias empresas por até dois meses, anunciada pelo Governo Federal6, e a prorrogação de prazo para pagamento do ICMS pelo Governo do Paraná7.

Entretanto, é certo que tais medidas são insuficientes para enfrentar o caos econômico que vem sendo experimentado sem que haja uma demissão em massa ou até mesmo o encerramento das empresas.

Para os lojistas de shopping centers, sabe-se que há um contrato de locação que contempla diversos encargos com valores elevados que não são exequíveis em períodos como o presente.

Apesar de serem contratos individuais e apresentarem variáveis, em regra os contratos preveem um valor de aluguel propriamente dito (que pode ser um valor mínimo ou um percentual de faturamento), um valor de "condomínio", vale dizer, de encargos comuns, e ainda um fundo de promoção para o shopping center.

O contexto atual, evidentemente, impacta em tais relações e pode ensejar uma revisão desses contratos de locação.

II. Cenário legal:

No direito brasileiro, em que pese a regra seja o cumprimento obrigatório dos contratos (pacta sunt servanda), existem hipóteses em que a revisão do contrato é possível.

Nesse sentido, a Lei do Inquilinato (lei 8.245/91) prevê a possibilidade de reajuste consensual e de revisão judicial para ajuste ao valor de mercado, nos artigos 18 e 19:

"Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.

Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado."

Para o reajuste consensual, não há maiores requisitos. Contudo, para a revisão judicial a lei prevê sua possibilidade apenas "após três anos de vigência do contrato", o que, em tese, impediria vários lojistas de pleitearem tal revisão perante o Poder Judiciário.

Ocorre que em uma condição extraordinária como essa, existem outros parâmetros legais que podem socorrer os que se encontram em tal situação. Mais precisamente, o Código Civil trata da denominada teoria da imprevisão, aplicável nos termos do art. 317 "Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução", ocasião em que o valor poderá ser revisto judicialmente.

A aplicação do Código Civil nesse caso encontraria assento tanto constitucional (função social dos contratos) quanto na omissão da Lei do Inquilinato sobre a mencionada Teoria da Imprevisão.

Além disso, o mesmo código trata, nos artigos 478 a 480, da questão da onerosidade excessiva, vale dizer, quando a execução do contrato nos termos estabelecidos se torna excessivamente onerosa para uma das partes:

"Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva."

Ou seja: de um lado, tem-se a flagrante onerosidade excessiva aos lojistas por conta dos efeitos da pandemia. De outro, é também evidente que o valor de mercado desses pontos já não é o mesmo, na medida em que no momento de retração da economia a demanda cai e a oferta aumenta, reduzindo, por consequência, o valor de mercado do aluguel.

Assim, como se vê, a legislação dá preferência à continuidade dos contratos com o seu reequilíbrio mas, em última análise, faculta a sua resolução (término) nesses casos de onerosidade excessiva.

Dentro desse quadro legal, portanto, há margem e respaldo para negociar a revisão dos contratos de locação, abrindo-se aí um leque de possibilidades.

III. Possibilidades:

Em se tratando de negociação extrajudicial, todos os termos do contrato podem ser discutidos.

A Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE), que representa redes como BRMalls, Iguatemi e Multiplan, recomendou aos associados que adiem a cobrança dos aluguéis nesse período8.

Destarte, com os shopping centers fechados ou pouquíssimo movimentados, há sólida argumentação para que os aluguéis sejam não apenas adiados mas também repactuados, seja com a isenção pelo período em que ficarem fechados, seja com a concessão de significativo desconto.

Quanto ao "condomínio", também há espaço para concessão de desconto. Em que pese ainda existam custos fixos aos shopping centers (como segurança, manutenção e impostos), é evidente que o fechamento enseja a redução de tais custos que, por consequência, devem ser refletidos em descontos aos lojistas também nesse tocante.

Da mesma forma, há margem para negociação para as verbas de promoção usualmente cobradas, já que nesse contexto não estão sendo executadas campanhas e promoções internas veiculadas pelos shoppings, por exemplo.

Em decisão recentíssima, o juízo da 25ª Vara Cível de Brasília determinou9 a suspensão do pagamento do aluguel mínimo e do fundo de promoção, aplicando como valor do aluguel o percentual sobre o faturamento, usualmente previsto em contratos desse tipo como alternativa ao valor mínimo estipulado.

A medida faz sentido, já que faz com que o valor do aluguel se adeque a realidade dos lojistas, sendo um norte nesse momento de intensa discussão e negociação dos contratos.

Os termos da negociação devem ser analisados conforme o caso concreto, considerando o porte da empresa, a localidade, as consequências impostas pela pandemia e as previsões de cada contrato específico. De todo modo, é fundamental que os lojistas estejam atentos e tomem medidas para mitigar os seus prejuízos o quanto antes, sabendo que possuem instrumentos jurídicos e legais que lhes dão respaldo nessa batalha.

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1 Veja mais aqui

2 Nos termos do decreto estadual 4.301/20.

3 Nos termos do decreto municipal 20.514/20.

4 Nos termos do decreto municipal 59.285/20.

5 Nos termos do decreto estadual 68.881/20.

8 Veja mais aqui

9 Processo 0709038-25.2020.8.07.0001.

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*Pedro Schelbauer é advogado associado do escritório BGM - Braz Gama Monteiro, formado pela Universidade Federal do Paraná e Especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

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