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Covid-19 e a redescoberta da importância do direito ao trabalho como vetor de interação social e de concretização das garantias fundamentais insertas na Constituição Federal

O valor social do trabalho é intrínseco a ideia de sobrevivência para o homem e está diretamente ligado ao bem maior que é a vida, uma vez que além de fomentar a subsistência, permite realização pessoal e inclusão social.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Atualizado às 11:46

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Em decorrência do estado de calamidade pública decorrente da epidemia de covid-19, reconhecido pelo decreto legislativo 6/20, o direito do trabalho brasileiro, atrelado que é a economia, está sofrendo revezes inéditos, talvez nunca vivenciados desde a submissão do ordenamento jurídico à Constituição Federal de 1988.

Momentos econômicos adversos, de fragilização da moeda nacional, de inflação elevada, de crises internacionais isoladas e até de dois impeachments estão escritos na história nacional recente, mas nada se compara ao novo coronavírus, mormente por não se restringir ao território brasileiro, sendo, pois, uma pandemia mundial. Nunca um vírus atingiu o mundo de forma linear, num curto espaço de tempo, sem se importar com localização geográfica, cor de pele, etnia, religião, posição social, etc. A humanidade restou atingida profundamente e cada seio social dos respectivos países teceu uma malha de medidas sanitárias emergenciais para salvaguardar vidas!

Toda essa brava e merecida preocupação com a vida e a saúde, em contrapartida, reflete negativamente no mundo dos negócios e, portanto, na vida de milhares de pequenos comerciantes, de micro, médio e grandes empresários e, primordialmente, em trabalhadores autônomos e empregados. São inúmeros os decretos de lei publicados pelos Chefes do Poder Executivo, nas esferas Federal, Estadual e Municipal impondo, por orientação das autoridades públicas de saúde, medidas restritivas de circulação de pessoas, bem como de funcionamento de empresas e de outros negócios informais.

Embora alguns serviços sejam considerados essenciais e não amarguem os prejuízos de segmentos empresariais que foram obrigados a fechar as portas, o trabalho e o emprego estão sangrando e assim permanecerão enquanto durar o estado de pandemia. Aliás, depois de passada a calamidade pública instaurada, curar essa ferida e digerir todo o ocorrido será lento e dificultoso para o mundo do trabalho.

Empresários não sabem qual decisão tomar, se encerram ou não suas atividades empresariais, se amargam os prejuízos esperando ajuda do governo federal, estadual e municipal, se demitem em massa, se atrasam salários ou se concedem férias coletivas sem o escorreito pagamento. As dúvidas e incertezas se avolumam pela letargia estatal em reconhecer sua responsabilidade, chamando para si o papel de protagonista desta ópera em que os instrumentos desafinam e o drama prevalece. A insegurança jurídica reina e os advogados não conseguem fornecer soluções jurídicas assertivas e impassíveis de revisão futura.

Em consequência, empregados e trabalhadores autônomos dormem e acordam sem ter o mínimo para sua subsistência e, os que hoje dispõem, não tem noção de quanto tempo vão aguentar se manter nessa condição privilegiada. Os que tem emprego, não sabem se nele permanecerão. Os que já não o tinham, realidade que antes da pandemia já atingiam mais de 12 milhões, dados subestimados, frise-se, perderam de vez a esperança de obter um emprego ou um trabalho digno. E nesse panorama, ainda estão inseridos àqueles empregados e trabalhadores que arriscam sua vida e saúde em prol da coletividade, por se incluírem nos serviços e atividades empresariais consideradas essenciais.

Como se não fosse suficiente, também há um aspecto psicossocial que a ausência de trabalho e de emprego gera. Enfrentar o isolamento social não é tarefa fácil. O trabalho permite uma interação social sem precedentes que abraça nossa vida de forma ampla, tornando-a mais plena, menos penosa, promovendo um preenchimento interior insubstituível. O trabalhador se liga à comunidade pelo trabalho.

O valor social do trabalho é intrínseco a ideia de sobrevivência para o homem e está diretamente ligado ao bem maior que é a vida, uma vez que além de fomentar a subsistência, permite realização pessoal e inclusão social. Se o primeiro direito do homem é viver, decerto é o trabalho uma das condições de vida do homem, daí ser tão duro enfrentar o isolamento social, seguido de uma sensação de impotência de não conseguir, sequer, imaginar o futuro que se avizinha.

Nesse jaez, não se pode negar que, com ou sem pandemia, as relações da vida em sociedade são travadas sob a égide de uma Constituição Federal que, em seu art. 1º., incisos III e IV, erigiu a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como fundamentos da República Brasileira. Esta mesma Carta Maior estabeleceu em seu art. 6º o trabalho como direito social, garantia fundamental, reservando todo o art. 7º para elencar direitos mínimos e intransponíveis, irrenunciáveis pelos trabalhadores.

Não se pode negar que esse esteio idealizado e positivado pelo Legislador Originário não foi à toa. O direito ao trabalho é instrumento de concretização da dignidade da pessoa humana, de uma sociedade mais justa. Nunca, em mais de 30 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, os brasileiros ficaram tolhidos de trabalhar, tal como agora, ou trabalharam com tanto medo, a exemplo dos profissionais de saúde que lutam contra o covid-19 país afora, ou tiveram tantas incertezas de como ou se irão trabalhar, sem saber ao menos em quais condições. É uma ilha de indefinições, mas cercada por um mar de garantias constitucionais fundamentais traduzidas em direitos sociais.

Portanto, inobstante ser responsabilidade precípua do Estado concretizar os direitos sociais, fornecendo meios dos geradores de emprego e renda, asfixiados que estão, respirarem, não há dúvidas de que esta missão deve ser compartilhada, guardadas as devidas proporções e responsabilidades, com a iniciativa privada e com a sociedade em geral. As grandes empresas já estão dando sua contribuição e tem que aumentá-la, diante da sua envergadura econômica e social.  O pequeno e médio empresário também deve fazer sua parte, evitando demissões massificadas, sempre que possível, e tentando fazer uma gestão de crise inteligente e bem pensada. E, a sociedade como um todo, nos limites de suas possibilidades, deve tentar fazer girar a micro economia, tentando manter a circulação de bens e serviços, e lançando mão do ensinamento bíblico, segundo o qual deve-se cuidar do próximo como o faria por si próprio.

Decisivamente, o somatório dessas e de outras medidas de conscientização social, que revelem um espírito global de solidariedade, que depreendam um estado de alerta coletivo, e não só individual, permitirá que o direito ao trabalho não se transforme numa quimera pelos próximos meses e/ou anos, afinal será através dele que a sociedade tornar-se-á novamente produtiva, sadia e digna.

E assim o é, insista-se, porque engrandecer o trabalho é demonstrar que, a partir da atividade laboral, obter-se-á o alívio das agruras de dezenas de milhares de pessoas, sendo ele ferramenta da construção de um merecido bem-estar social.

Diante de todo o exposto, nesse momento ímpar, só resta congratular o Legislador Constituinte por eleger o trabalho como direito social, como pilar fundamental da República, criando um plexo de garantias constitucionais que visam a sua proteção e o seu desenvolvimento, e esperar que o Estado, a sociedade civil organizada, empresários, empregadores e até mesmo a própria classe trabalhadora, a partir de agora, deem ao trabalho a importância que ele merece, cientes da sua dimensão como vetor de interação social e de concretização dos direitos insertos na Constituição Federal.

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*Daniel Sebadelhe Aranha é sócio do Sebadelhe Aranha & Vasconcelos Advocacia. Presidente da AATRA-PB - Associação dos Advogados Trabalhistas da Paraíba. Diretor do CESA PB - Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, Seccional Paraíba. 

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