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MP 927/2020: O individualizado prevalece sobre o legislado/convencionado?

Independente das medidas exaradas pelo Poder Executivo, é sempre necessário se valer do filtro constitucional, principalmente em se tratando de irredutibilidade salarial, sob pena de os ajustes individuais serem invalidados posteriormente pelo Judiciário, com fulcro no art. 9º, 444 e 468 da CLT.

terça-feira, 31 de março de 2020

Atualizado às 10:55

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I. Considerações Iniciais 

Ponto crucial neste estado de calamidade pública¹ causado pelo novo coronavírus, as relações laborais tornaram-se o centro das atenções, sendo patente a necessidade de flexibilização de direitos e garantias trabalhistas para a própria proteção do emprego e salvaguarda da empresa, costurando-se novos arranjos do contrato de trabalho. 

Transcorrido quase um mês desde a confirmação do primeiro caso da COVID-19 no Brasil e, após duas semanas de quarentena compulsória para o combate da pandemia, o Poder Executivo publicou, em 23/03/2020, a tão aguardada Medida Provisória 927/2020, dispondo sobre as alternativas trabalhistas neste momento de força maior. 

É desconhecido algum outro momento tão desafiador ao Direito do Trabalho, no qual os seus institutos estão sendo - dia após dia - repensados e relativizados de uma forma jamais vista, diante do quadro fático de isolamento social forçado. 

II. Um Novo Patamar Mínimo Civilizatório? 

Com efeito, o presente momento clama pela reflexão acerca do real alcance do "patamar mínimo civilizatório"², esculpido no art. 7º da Carta Política, em decorrência da primazia da autonomia individual das partes, reforçada pela medida provisória  927/2020. 

Neste passo, observa-se que a medida exarada pelo Poder Executivo mais parece se tratar de uma carta de recomendações, prestigiando o negociado individualmente entre empregador e empregado, como se pode observar no seguinte dispositivo (art. 2º): 

"Art. 2º  Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição." Grifou-se 

Questão extremamente relevante neste momento de força maior, porém nebulosa, foi a possibilidade da redução de salário do empregado por acordo individual entre as partes. 

Em que pese não haja previsão expressa na Medida Provisória neste particular, há quem defenda que ampla interpretação do art. 2º representa uma "carta em branco" para a negociação individual entre as partes, em prestígio à autonomia individual da vontade. 

Ademais, antes da própria medida, o art. 503 da CLT já era enxergado como dispositivo autorizador à redução dos salários em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, tal qual o presente, sem a necessidade de chancela sindical.

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1 O governo federal, por meio do Decreto Legislativo nº 6, de 20/03/2020, reconheceu o estado de calamidade pública, como reflexo da emergência de saúde de importância internacional decorrente da Covid-19.

2 Expressão criada pelo doutrinador e Ministro do TST Maurício Godinho Delgado: "No caso brasileiro, esse patamar civilizatório mínimo está dado essencialmente, por três grupos de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art. 7º, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo art. 5º, §2º, CF/88, já expressando uma patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes à base salarial mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc)." (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7a ed. S.P.:  LTr, 2008.  p. 1403).

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*Lucas Moraes de Viégas Ribeiro é advogado do escritório Villemor Amaral Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. 

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