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Interrupção da atividade empresarial durante a covid-19 por determinação do governo municipal, estadual ou federal. Como ficam as verbas rescisórias nas demissões decorrentes desse cenário?

Erika Mello

O momento requer cautela, diálogo, flexibilização com bom senso e equilíbrio de todos, consolidando ações consistentes para encontrar com equilíbrio e sensatez as medidas mais adequadas às necessidades de cada cenário neste período que exige tantas adaptações para continuidade das atividades empresariais e profissionais.

terça-feira, 31 de março de 2020

Atualizado às 11:16

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"É importante que os empregadores tenham visibilidade de que o art. 486 da CLT só se aplica nos casos de rescisão dos contratos de trabalho e que nessa hipótese são devidas todas as verbas rescisórias cabíveis na dispensa sem justa causa, sendo que o ente federativo responsável pela paralisação das atividades só responde pelo pagamento da indenização compensatória de 40% sobre o saldo total do FGTS"

A pandemia de covid-19 com  estado de calamidade pública reconhecido no Brasil pelo decreto legislativo 6/20 ocasionou diversas recomendações e determinações do Poder Público de fechamento e interrupção ou alteração de algumas atividades empresariais, como shoppings, comércios, cinemas, teatros, academias, bares, tudo com objetivo explícito de atender às orientações da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde sobre a necessidade de redução máxima da circulação e concentração de pessoas como medida de contenção da disseminação do vírus.

Importante destacarmos que, conforme acompanhamos nos últimos dias, as medidas de intervenção tomadas pelos entes da Federação não foram harmônicas e nacionalmente padronizadas e, ainda, que tivemos determinações expressas de interrupção de algumas atividades, bem como apenas recomendações de adaptação de outras, como foi o caso de localidades que restringiram o funcionamento de bares e restaurantes à modalidade de delivery.

Nesse cenário inesperado e abrupto, e diante da imprevisibilidade atual do período pelo qual a situação deve perdurar, muitos empregadores se viram diante da necessidade de considerar a dispensa dos empregados, provocando a reflexão inevitável, especialmente em tempos de crise econômica, no seguinte sentido: "se as demissões não são uma escolha do empregador, mas sim uma consequência de interrupção das atividades da empresa por determinação do Governo/Estado/Município, como fica a questão das verbas rescisórias e a responsabilidade pelo seu pagamento?"

O empregado, por sua vez, se questiona se pode ser prejudicado nas verbas devidas pela eventual rescisão do seu contrato de trabalho, uma vez que ele também não teria dado causa nem à situação de interrupção das atividades, nem à situação da demissão.

A dissonância dos posicionamentos governamentais sobre a necessidade ou não de intervenção com determinação de interrupção de atividades, bem como dos limites e da forma de atuação do Poder Público nesse sentido, acarretando a consequência lógica de aumento das rescisões dos contratos de trabalho, trouxe a público, especialmente após pronunciamento do Presidente da República, o questionamento sobre a participação e responsabilidade do ente federativo responsável pela intervenção na atividade, nas verbas decorrentes da ruptura da relação entre empregador e empregado.

O art. 486 da CLT, de fato trata do que chamamos de "factum principis" ou "fato do príncipe", determinando que "No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável".

O destaque desse dispositivo legal da CLT ocasionou interpretações de  sua aplicação no cenário atual, dando a entender que as empresas impactadas com essas medidas poderiam rescindir os contratos de trabalho repassando todas as verbas decorrentes ao ente responsável pela edição dos decretos e outras normas de intervenção/paralisação das atividades empresariais.

É necessário desmistificarmos alguns pontos imprescindíveis para o entendimento correto desse instituto, sua aplicação e consequências.

O primeiro esclarecimento necessário é de que esse dispositivo só se aplica nos casos de rescisão dos contratos de trabalho decorrente da situação de paralisação das atividades, ou seja, não é possível utilizá-lo para atribuir ao Estado o pagamento dos salários e encargos por contratos de trabalho mantidos ativos ou suspensos no período de paralisação temporária.

Importante também explicarmos que é necessário ter cautela, porque essa medida legal foi instituída para responsabilizar o Estado por atos impositivos que, ainda que privilegiando a coletividade, impeçam a continuidade da atividade do empregador (desapropriação do estabelecimento, por exemplo), causando danos ou prejuízos.

Nesse momento estamos diante de uma emergência mundial sanitária e econômica que determinou essas intervenções. Assim, o empregador que se socorrer dessa prática, deve estar preparado para enfrentar discussões judiciais sobre a responsabilidade do ente governamental e seus limites, bem como para a necessidade de demonstrar que a rescisão do contrato de trabalho só ocorreu em virtude da paralisação das atividades decorrente da intervenção do Poder Público.

Por fim, para correta análise da viabilidade e utilidade de invocação desse dispositivo, é importante que os empregadores tenham visibilidade de que nessa hipótese são devidas todas as verbas rescisórias cabíveis na dispensa sem justa causa, sendo que a interpretação majoritária da Justiça do Trabalho é no sentido de que o ente federativo responsável pela paralisação das atividades só responde pelo pagamento da indenização compensatória de 40% sobre o saldo total do FGTS.

Portanto, ao dispensar o empregado invocando o "factum principis", continua sendo responsabilidade do empregador o pagamento das verbas rescisórias ordinárias como saldo salarial, férias + 1/3, 13º salário.

Sobre a indenização pelo aviso prévio, o entendimento majoritário é de que não seria aplicável diante da imprevisibilidade do empregador, existindo, ainda, entendimento no sentido de que seria sim devido e atribuível tanto ao empregador quanto ao ente público responsável. Logo, em eventual questionamento futuro, o empregador pode ter atribuído o dever de pagar o aviso prévio não quitado na rescisão.

Como opção de medida específica, mas aplicável apenas no caso de extinção definitiva da empresa, ou de um dos estabelecimentos, temos a rescisão dos contratos de trabalho por motivo de força maior prevista no art. 501 da CLT, nesse caso, justificada pelo artigo , §único da MP 927/2020 (estado de calamidade pública), que prevê, nessa hipótese, o pagamento das verbas rescisórias pela metade, sem atribuição de nenhuma parcela de responsabilidade ao ente público.

Reforçamos que o momento requer cautela, diálogo, flexibilização com bom senso e equilíbrio de todos, consolidando ações consistentes para encontrar com equilíbrio e sensatez as medidas mais adequadas às necessidades de cada cenário neste período que exige tantas adaptações para continuidade das atividades empresariais e profissionais, lembrando que o trabalhador desempregado é o consumidor que não consome.

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*Erika Mello é advogada do escritório Pires & Gonçalves - Advogados Associados, especialista em Direito Trabalhista. 

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