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A responsabilidade do Estado sobre os prejuízos advindos das paralisações comerciais

Não restam dúvidas de que a pandemia do coronavírus é caracterizado como hipótese de força maior, de modo que a responsabilidade estatal pela reparação dos danos causados aos mais vulneráveis parece ser um alento aos empresários que tiveram, de forma repentina, as suas atividades econômicas interrompidas.

terça-feira, 31 de março de 2020

Atualizado às 11:39

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As consequências que advirão da crise econômica causada pela proliferação do covid-19 ainda são desconhecidas e, no âmbito do Direito do Trabalho, o questionamento que fica é: quem vai pagar a conta? 

Em diversos Estados, as medidas preventivas adotadas pelos Governos envolveram o fechamento compulsório de shoppings, academias e escolas, além de estabelecimentos culturais, como parques e museus. E o prejuízo decorrente de tais medidas, aqui especificamente tratando dos trabalhadores que ficarão sem receber salários ou dos empregos que inevitavelmente serão perdidos, serão suportados exclusivamente pelo empregador? O Estado tem responsabilidade? Ou, como (quase) sempre, a balança penderá para o lado mais fraco, o empregado?

Na esfera administrativa existe uma ação estatal denominada "fato do príncipe" (factum principis), que é ação do poder público que produz efeitos além da esfera administrativa, impedindo ou dificultando o cumprimento de obrigações, causando um desequilíbrio econômico-financeiro. Celso Bandeira de Melo definiu o fenômeno como o "agravo econômico resultante de medida tomada sob titulação diversa da contratual, isto é, no exercício de outra competência, cujo desempenho vem a ter repercussão direta na econômica contratual estabelecida na avença" [MELLO, Celso A. Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo. Malheiros Editores, 2010].

O instituto se aplica ao Processo do Trabalho por força do artigo 486, da CLT, que estabelece que "no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento de indenização, que ficará a cargo do governo responsável".

Em termos práticos, a hipótese não é difícil de imaginar: centenas de trabalhadores ficarão, por determinado período de tempo, sem receber salários em razão do fechamento compulsório de estabelecimentos comerciais. O direito aqui lesionado teve como causa, neste exemplo, ato discricionário do Poder Público, de modo que a autoridade que emitiu a ordem responde, solidariamente com o empregador, pelo dever de indenizar os danos sofridos pelo empregado.

De acordo com o artigo 501, da CLT, três são os requisitos que caracterizam a ocorrência de força maior, gênero da qual a factum principis faz parte: (i) a imprevisibilidade e a inevitabilidade do fato ou do evento que deu causa ao prejuízo sofrido pelo empregador; (ii) a inexistência de dolo ou culpa, ainda que concorrente, do empregador para a causa desencadeadora do ato da autoridade, e (iii) a necessidade de que o ato afete, ou seja capaz de afetar, de forma substancial e direta, a situação econômica e financeira da empresa. 

Processualmente, a ocorrência do fato do príncipe deverá ser invocada por ocasião da apresentação da defesa, oportunidade em que o Tribunal notificará a autoridade Pública indicada como responsável pela paralisação do trabalho para que, em até 30 (trinta) dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria (§ 2º, artigo 486, da CLT).

Apesar de atual, a presença do fato do príncipe na Legislação Laboral não é novidade.  A título de exemplo, os julgados abaixo:

FATO DO PRÍNCIPE. CONFIGURAÇÃO.

A caracterização do factum principis exige um ato administrativo de autoridade competente ou lei que implique total interrupção das atividades da empresa, bem como a comprovação de que o empregador não concorreu culposa ou dolosamente para a causa desencadeadora do ato de autoridade. A falta de qualquer um destes elementos torna inócua a invocação. [TRT-2. 17ª Turma. Processo 1001042-61.2016.5.02.0254. Relator: Sidnei Alves Teixeira. Publicação: 12 de setembro de 2019]

AGRAVO DE INSTRUMENTO  DA PRIMEIRA RECLAMADA. INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N. 13.467/2017. 1. ESTADO DE SANTA CATARINA. RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO ENTE PÚBLICO. FATO DO PRÍNCIPE. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA N. 126. NÃO PROVIMENTO.

Cinge-se a controvérsia em saber se os termos do artigo 486, caput, da CLT, relativos à configuração do fato do príncipe, são aplicáveis à hipótese dos autos: "No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável". A incidência do instituto "fato do príncipe" pressupõe necessariamente o elemento da imprevisibilidade e o nexo causal entre o ato da Administração e os danos ou prejuízos daí advindos. Na hipótese, o egrégio Tribunal Regional, diante do quadro fático delineado nos autos, concluiu que não restou comprovado que o segundo reclamado, o Estado de Santa Catarina, tenha sido o único responsável pelos descumprimentos contratuais, registrando, da mesma forma, que não houve prova de que o inadimplemento dos salários foi causado por razões independentes da atuação da primeira reclamada. Consignou que as reclamadas divergiram sobre o cumprimento das obrigações contratuais e que a cláusula décima terceira do Contrato de Gestão n. 001/2013 autoriza a rescisão unilateral, a qual foi exercida pelo ente público. Acrescentou, ainda, que o ente público agiu, na hipótese, na condição de mero contratante, afastando a aplicação do "fato do príncipe", o qual exige que a Administração Pública atue com poder extraordinário ou extracontratual. Dessa forma, divergir das premissas fáticas adotadas pelo Tribunal Regional, implicaria no reexame de provas produzidas no processo (...). Agravo de instrumento a que se nega provimento. [Tribunal Superior do Trabalho. Quarta Turma. AIRR n. 486-28.2018.5.12.0023. Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos. Julgamento: 11 de março de 2020]

Não restam dúvidas de que a pandemia do coronavírus é caracterizado como hipótese de força maior, de modo que a responsabilidade estatal pela reparação dos danos causados aos mais vulneráveis parece ser um alento aos empresários que tiveram, de forma repentina, as suas atividades econômicas interrompidas.    

A pandemia que enfrentamos, por ser recente, carece de julgados que apliquem o instituto ao caso concreto, mas os aspectos abordados neste artigo podem servir como norte para a defesa das empresas nas demandas judiciais que inevitavelmente surgirão, dada a severidade dos efeitos sociais e econômicos que impactarão as relações de trabalho.

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*Thaís Antunes Alves é advogada do escritório Mauro Caramico Advogados.

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