CVM alerta acerca do desenquadramento passivo excepcional em fundos de investimento: Ofício-circular CVM/SIN 06/20
O desenquadramento passivo da carteira de um fundo de investimento ocorre quando os limites de concentração em ativos são ultrapassados, na medida em que é dever tanto do gestor quanto do administrador do fundo realizar a fiscalização e estrita observância aos limites de enquadramento
terça-feira, 31 de março de 2020
Atualizado às 11:07
No último dia 26 de março, a Comissão de Valores Mobiliários ("CVM") divulgou o ofício-circular CVM/SIN 06/20, em resposta aos diversos questionamentos realizados pelos participantes do mercado à Superintendência de Relações com Investidores Institucionais em virtude da instabilidade econômico-financeira ocasionada pela pandemia do Covid-19. Dentre outros esclarecimentos, a CVM fez uma importante observação acerca do desenquadramento passivo excepcional em fundos de investimento.
O desenquadramento passivo da carteira de um fundo de investimento ocorre quando os limites de concentração em ativos são ultrapassados, na medida em que é dever tanto do gestor quanto do administrador do fundo realizar a fiscalização e estrita observância aos limites de enquadramento, nos moldes dos artigos 104 e 105 da instrução CVM 555/14.
Todavia, o artigo 105 da referida instrução normativa faz a ressalva quanto aos casos excepcionais de desenquadramento da carteira, quando ocasionados diretamente por fatos exógenos e alheios às vontades dos prestadores de serviços dos fundos de investimento. Nestes casos, geralmente caracterizados quando há forte instabilidade e volatilidade dos mercados, permite-se o referido desenquadramento passivo pelo prazo máximo de 15 (quinze) dias consecutivos e desde que o fato não altere o regime tributário aplicável ao fundo ou aos seus cotistas.
Para tranquilizar o mercado, a CVM deixou claro pelo ofício-circular CVM/SIN 06/20 que inexiste fundamento para aplicação de sanções pelo desenquadramento ativo. Contudo, a autarquia frisou que tanto o administrador quanto o gestor do fundo devem levar em conta a extensão e duração dos fatos exógenos que levaram ao desenquadramento, atuando, imediatamente à correção quando as condições excepcionais do mercado não estiverem mais caracterizadas.
Além disso, tendo em vista que a CVM entende que a atual situação ocasionada pelo Covid-19 não é um fato isolado de análise no desenquadramento da carteira, sendo, ainda, agravada pelo nível de liquidez dos ativos do fundo - em termos de gestão de liquidez - esta decidiu informar ao mercado que a mecânica de reporte de desenquadramento à CVM está mantida, nos moldes do artigo 105 da instrução CVM 555/14. Assim, a área técnica da autarquia realizará a avaliação caso a caso, para que sejam analisadas as condutas do gestor e do administrador durante o período excepcional, sob a ótica do dever de diligência.
Por fim, cabe ressaltar que o esclarecimento não é restrito aos fundos de investimento regulados pela instrução CVM 555/14, sendo também aplicável aos demais tipos de fundos, como os estruturados e os offshore, na medida em que a entidade entende que o nível da crise causada pelo Covid-19 não comporta barreiras.
Dessa forma, entendo que o esclarecimento realizado no Ofício-Circular CVM/SIN 06/20 pela CVM é muito importante para a manutenção da segurança jurídica na prestação de serviços fiduciários em fundos de investimento, concedendo mais estabilidade na atuação dos gestores e administradores e consequente maior proteção aos interesses dos cotistas. Com efeito, o presente momento é muito peculiar e exige a máxima solidariedade entre toda a sociedade contemporânea, sendo essencial que, para os fins do funcionamento regular do mercado financeiro e de capitais, as entidades públicas e privadas de autorregulação, os demais participantes do mercado e os investidores estejam coordenados.
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*Leonardo Cotta Pereira é sócio do setor de Corporate & Finance do escritório SiqueiraCastro, Mestre em Direito pela Université Montpellier I e especialista em regulação do mercado financeiro, mercado de capitais, private equity, reestruturações societárias e operações financeiras estruturadas.