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A cura do coronavírus e o Sistema Cep/Conep

A pesquisa existente no Brasil a respeito da cura do coronavírus segue rigorosamente o protocolo estabelecido, conferindo ampla tutela protetiva ao participante.

domingo, 29 de março de 2020

Atualizado em 30 de março de 2020 11:15

Em tempo de infestação do coronavírus, que aflige não só a população brasileira como a mundial, principalmente após a decretação da pandemia pela Organização Mundial da Saúde, o medo e a insegurança grassam em abundância. Os veículos de comunicação, como se anunciassem recordes olímpicos, contabilizam, cada vez mais e em maior proporção, os números dos infectados e dos mortos pelo vírus.

Neste clima, muitos oportunistas e também os mal-intencionados das redes sociais aproveitam para disseminar notícias revestidas com certo ânimo apocalíptico, de que determinado medicamento ou até mesmo uma inofensiva receita caseira são indicados para combater o coronavírus, com promessa de sucesso. E pior. Muitas pessoas, guiadas pela ingenuidade, acreditam e levam adiante o aconselhamento, assim como repassam a ineficaz indicação feita.

Exemplo típico é a droga hidroxicloroquina, desenvolvida originariamente para o combate à malária, lúpus, afecções reumáticas e dermatológicas, objeto de estudos atualmente pela Food and Drug Admnistration (FDA), dos Estados Unidos, e, no Brasil, pelo Sistema Cep/Conep. Tal fato, quando anunciado pelas autoridades, provocou alvoroço para adquirir o medicamento considerado recomendado para pacientes infectados e até mesmo para agir na prevenção à contaminação. A automedicação, sem conhecer a potencialidade negativa da droga, acarreta danos à saúde, pois o remédio pode ser pior do que a doença, além do que irá impedir o acesso ao paciente que dele necessita regularmente. O certo é que não há, até o momento, nenhum medicamento recomendado pelas agências de saúde. Muito menos vacina que, em razão da longa e demorada peregrinação científica, provavelmente estará à disposição ao longo de um ano.

O que se desenvolve atualmente no Brasil - e é interessante a comunidade conhecer - é projeto de pesquisa com acompanhamento pelas instâncias institucionais denominadas CEPs (Comitês de Ética em Pesquisa) e CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), ligadas ao Conselho Nacional de Saúde, responsáveis pela condução ética e técnica, assim como pela proteção do colaborador da pesquisa. Os Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) apresentam-se como órgãos colegiados interdisciplinares e independentes, de relevância pública, de caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir com o desenvolvimento da pesquisa dentro dos padrões éticos. Os CEPs procuram agregar os mais diferentes segmentos da comunidade, recrutando médicos, psicólogos, juristas, professores, religiosos, bioeticistas, cientistas, pessoas que exerçam lideranças na comunidade, pacientes e quaisquer outros que tenham condições de fazer uma leitura ética atrelada à participação do ser humano em pesquisas.

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), por sua vez,  é um órgão colegiado, multidisciplinar, vinculado ao Conselho Nacional de Saúde, tem como tarefa principal considerar o indivíduo sempre em primeiro plano, examinar os aspectos éticos de pesquisas envolvendo seres humanos em áreas temáticas especiais, encaminhadas pelos CEPs das instituições e trabalhar principalmente na elaboração de normas específicas para essas áreas, dentre elas: genética humana, reprodução humana, alterações da estrutura genética de células humanas, organismos geneticamente modificados, funcionamento de biobancos para pesquisa, novos dispositivos para a saúde, pesquisas em populações indígenas, pesquisas conduzidas do exterior e aquelas que envolvam aspectos de biossegurança. Tem também função consultiva, deliberativa, normativa e educativa, atuando conjuntamente com a rede de Comitês de Ética em Pesquisa organizados nas instituições onde as pesquisas se realizam¹.

No caso da droga mencionada, em razão de algumas evidências já observadas e que indicam possíveis benefícios, o protocolo de pesquisa, seguindo rigorosamente a resolução 466/2012 do Conselho Nacional da Saúde e outras normas pertinentes, permite selecionar doentes que se encontram contaminados pelo coronavírus e em estado grave para que façam o uso acompanhado do medicamento. Mas, para tanto, há de se observar uma regra fundamental atrelada ao princípio da autonomia da vontade do paciente, que é a confecção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Referido documento, elaborado com linguagem clara e acessível, compreende a anuência do participante da pesquisa ou de seu representante legal, livre de vícios, subordinação ou intimidação, após esclarecimento completo e pormenorizado sobre a natureza do estudo, seus objetivos, métodos, riscos, benefícios previstos, tanto os atuais como os potenciais, individuais e coletivos, os responsáveis pelo acompanhamento e até mesmo  o direito à indenização em caso de dano provocado em razão da pesquisa.

Percebe-se, desta forma, que a pesquisa existente no Brasil a respeito da cura do coronavírus segue rigorosamente o protocolo estabelecido, conferindo ampla tutela protetiva ao participante. Somente após, apresentando resultado que traga benefícios para o ser humano, é que será autorizada a divulgação para a distribuição nacional. Por enquanto, trata-se de um protocolo de pesquisa.

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1 Tanto é que o Ofício Circular nº 4/2020/CONEP/SECINS/ do Ministério da Saúde, demonstra total preocupação com a emergência internacional de saúde pública decretada, que assim se manifesta: "Considerando a relevância do potencial impacto do 2019-nCoV para a sociedade brasileira e a premência das iniciativas que visam ampliar o conhecimento sobre a epidemiologia, diagnóstico, tratamento e inibição da propagação da doença, vem informar que os protocolos de pesquisa sobre a virose serão analisados em caráter de urgência e com tramitação especial na Conep".

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

 

 

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