Perpetuação patrimonial
A grande dificuldade está em perpetuar algo que é finito e evitar - do ponto de vista jurídico - a dilapidação, o esgotamento do patrimônio.
sexta-feira, 27 de março de 2020
Atualizado às 12:47
A criação e geração de riqueza é uma tarefa árdua, difícil e longa. Uma vez alcançada, outro desafio surge, sua manutenção e perpetuação, tarefa tão ou mais difícil que a própria geração de riqueza em si.
Isso se dá porque gerar riqueza não significa única e exclusivamente possuir ativos líquidos ou dinheiro em conta. Em muitos casos esse patrimônio decorre da criação de grandes conglomerados empresariais que somente continuarão a ser lucrativos se bem administrados e organizados, bem como se houver a correta utilização da liquidez gerada por esses ativos.
O fundador, idealizador desses conglomerados, demora anos, décadas, para atingir o nível de maturidade empresarial que possa lhe proporcionar o atingimento de seus objetivos e metas. Contudo com a "passagem do bastão", as dificuldades novamente aparecem.
Como realizar a transição patrimonial aos herdeiros? Os filhos estão capacitados a assumir a gestão? O patrimônio deve ser transferido imediata ou paulatinamente? Os herdeiros já se casaram? Qual a relação com os cônjuges dos filhos? De qual maneira o regime de bens interfere nisso? O que acontece no caso de falecimento dos herdeiros antes do falecimento do fundador? E em caso de divórcio?1
As perguntas acima, no caso da perpetuação patrimonial, são apenas a ponta do iceberg. A grande dificuldade está em perpetuar algo que é finito e evitar - do ponto de vista jurídico - a dilapidação, o esgotamento do patrimônio.
A perpetuação patrimonial, dentre suas diversas facetas, consiste na administração de um patrimônio familiar, possibilitando que diversas e sucessivas gerações possam dele usar, gozar e fruir de forma racionalizada e eficiente, através da implementação de mecanismos jurídicos, financeiros e organizacionais eficientes.
Ocorre que, apesar de parecer algo simples, o insucesso na perpetuação patrimonial é muito comum. De acordo com pesquisadores2, 85% dos casos de fracasso na perpetuação patrimonial são decorrentes da ausência de comunicação e confiança na unidade familiar, bem como da ausência de preparo dos herdeiros para administrar o patrimônio familiar, seguidos das questões fiscais e problemas jurídicos, dentre outros.
Diante dessas inúmeras questões e dificuldades, a preparação para a perpetuação patrimonial deve ocorrer o quanto antes - preferencialmente quando não existem problemas - de forma que sua implementação ocorra de forma gradual e coordenada.
Contudo, alguns desafios jurídicos aparecem, especialmente ao tratarmos da transferência desse patrimônio.
A herança se transfere com a morte, evento automático que independe da vontade do herdeiro - pode ele recusar a herança - mas isso ocorre após sua transferência. Além disso, não é possível - ao menos em uma análise simplista - evitar, limitar ou controlar que o herdeiro - e agora proprietário dos bens - se utilize desses ativos como bem entender, ainda que isso signifique deles se desfazer por inteiro.
Colocando de outra forma: Como racionalizar (controlar) a utilização de um bem após a morte daquele que o construiu?
As opções jurídicas comumente existentes no sistema legal nacional, entre elas a mais comum o usufruto, extinguem-se com a morte. Outra opção, o fideicomisso, pode o testador comtemplar prole ainda não concebida ao tempo da sua morte, opção essa que também não garante a perpetuação - no seu sentido amplo - já que eventualmente teremos a transmissão final dos bens e a "perda" de controle sobre a utilização desse patrimônio, além das limitações impostas em razão da impossibilidade de disposição da legitima.
Estruturas societárias também podem ser utilizadas, associadas a mecanismos contratuais (acordos de acionistas, sócios e/ou cotistas) e disposições testamentárias, de forma a regular as relações familiares e o patrimônio, contudo, mais uma vez, o evento morte, com sua consequência jurídica imediata - transmissão da herança - impõe complicadores jurídicos na estruturação de estruturas de perpetuação patrimonial.
Nesse cenário, por muitas vezes, os fundos de investimento, com a utilização de administradores profissionais, se tornam uma opção jurídica para endereçar esse problema.
Adicionalmente, é possível se utilizar de diferentes e rebuscados mecanismos jurídicos, inclusive no exterior, para que se consiga superar os problemas jurídicos que surgem da impossibilidade de controlar e limitar a aplicação da riqueza gerada, juntamente com a implementação de uma governança familiar e corporativa eficaz, que permita mitigar os insucessos na perpetuação patrimonial.
Para uma eficiente perpetuação patrimonial, a família deve se abster da utilização de modelos prontos de "blindagem patrimonial", visto que cada família tem suas peculiaridades e, com certeza, um modelo padrão não é o modelo correto para a perpetuação patrimonial de todas as famílias.
As dúvidas e os riscos são inúmeros, e as soluções também, e para isso que existem e estão à disposição daqueles que buscarem a aplicação de mecanismos de perpetuação patrimonial.
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1 As dificuldades, os conflitos, os diversos tipos de empresas familiares são bem explorados no clássico livro sobre o assunto: Generation to Generation, Kelin E. Gersick, John A. Davis, Maron MacCollom Hamption & Ivan Lansber, publicado pela Harvard Business Scholl Press.
2 *Fonte: "For Love & Money: A Comprehensive Guide to the Successful Generational Transfer of Wealth". Roy O. Williams, 2010.
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* Filipe Arantes é Advogado, formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2010), possui extensão em Direito de Família e Sucessões pela PUC/SP (2015). Cursou Gestão de Empresas Familiares no Instituto de Ensino e Pesquisa - INSPER (2014), bem como diversos cursos com palestrantes nacionais e internacionais na área de Planejamento Patrimonial e Governança em Empresas Familiares. Atua também como Conselheiro de Administração
* Renato Tavares graduou-se em Direito pela Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU (2004). Possui especialização em Direito Societário pelo INSPER (2012) e LLM pela Northwestern Pritzker School of Law, com certificate in Business Administration pela Kellogg School of management (2017).