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O coronavírus e os impactos nas relações de trabalho: uma análise da MP 927/20 e da CLT

A MP 927/20 prevê que durante o estado de calamidade pública, o empregado e o empregador poderão celebrar acordos individuais escritos, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício e dando maior flexibilização as renegociações dos contratos de trabalho.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Atualizado às 10:58

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Recentemente, a OMS reconheceu a pandemia global do coronavírus. No Brasil, seguimos com 1.8461 casos confirmados da covid-19 e, no dia 20 de março de 2020, através do Decreto Legislativo 06/20, o Congresso Nacional reconheceu e decretou o estado de calamidade pública.  

Mas antes disso, os Poderes Executivos de vários Estados e Municípios já vinham implementando medidas de prevenção e determinando o fechamento dos comércios, escolas, universidades, entre outros locais de grande circulação de pessoas. Outrossim, empresas privadas também comunicaram a suspensão de suas atividades até que ocorra a redução dos riscos ligados a pandemia. 

Em atenção ao surto e a ampla contaminação do coronavírus, em 6 de fevereiro de 2020, o Presidente da República sancionou a lei 13.979/20, que dispõe de medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da covid-19.

Já em 22 de março de 2020, o Presidente publicou a MP 927/20, que dispões sobre as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda, durante o estado de calamidade pública. 

Mas como ficam as relações de trabalho em um momento como esse?

A MP 927/20 prevê que durante o estado de calamidade pública, o empregado e o empregador poderão celebrar acordos individuais escritos, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício e dando maior flexibilização as renegociações dos contratos de trabalho.

O artigo 3º da lei 13.979/20 traz medidas que poderão ser adotadas para o enfrentamento da pandemia, tais como, isolamento2 e a quarentena3. A norma também estabelece que as ausências dos empregados, ao serviço público ou atividade privada, decorrente das medidas propostas para a contenção da pandemia serão consideradas faltas justificadas4.

Vale salientar que tais medidas estão vinculadas à determinação médica, do agente de vigilância epidemiológica ou mesmo do secretário de Saúde do Estado, do Município ou Distrito Federal, conforme dispõe a portaria 356/20 do Ministério da Saúde que regulamenta a lei 13.979/20.

Sendo assim, as faltas ao trabalho em razão das medidas de isolamento ou quarentena não podem ser descontadas do salário do trabalhador, pois possuem o mesmo status das faltas elencadas nos artigos 131 e 473 da CLT

E quem fica responsável pelo pagamento do salário do trabalhador? 

Ao empregado já contaminado será adotada a medida de isolamento, por um prazo de 14 dias, podendo ser prorrogado por mais 14 dias. Nesse caso, os primeiros 15 dias de afastamento da atividade laboral serão pagos pelo empregador. A partir do 16º dia o pagamento do salário ficará a cargo do INSS, com a concessão do auxílio-doença5. Porém, isso não se encaixa ao profissional da saúde contaminado em serviço, já que, nesse caso, por configurar acidente de trabalho, deverá ser emitida a CAT - Comunicação de Acidente de Trabalho. Assim como, passará a receber auxílio-doença acidentário, fazendo jus a outros direitos como por exemplo: estabilidade no emprego, direito a depósito do FGTS no período de afastamento, etc.

Já a medida de quarentena dar-se-á quando ocorrer suspeitas de que o trabalhador está contaminado e será adotada pelo prazo de 40 dias, podendo se estender pelo tempo necessário para reduzir a transmissão. Nesse caso, o empregador irá arcar com o pagamento do salário do empregado durante todo o afastamento, isso se dá por aplicação da teoria do risco da atividade econômica6.  

Mas, visando aliviar um pouco o empregador nesses casos, já tínhamos o parágrafo 3º do artigo 61 da CLT7 que permite que o empregado recupere o tempo não laborado, decorrente da interrupção do trabalho resultante de causas acidentais ou força maior (podemos configurar a pandemia da covid-19 como força maior), com a prorrogação de 2 horas diárias de trabalho, desde que não exceda 10 horas diárias, nem supere o período de 45 dias por ano. Porém, o artigo 14 da MP 927/20 autoriza que tal compensação possa se estender em até 18 meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

O empregador também pode optar pela concessão de férias individuais ou coletivas. Em ambos os casos o empregador não irá seguir as regras globais previstas na CLT, como, efetuar o pagamento das férias em até 2 dias antes do início do período concessivo8, acrescidos com o terço constitucional previsto no art. 7º, XVII, CF.; realizar o aviso de férias com antecedência de 30 dias e no caso da concessão de férias coletivas comunicar previamente o Ministério da Economia (que absorveu o Ministério do Trabalho) e os sindicatos representativos das respectivas categorias, com antecedência a mínima de 15 dias. Pois a MP 927/20 prevê que, em seu artigo 8º, o empregador poderá optar por efetuar o pagamento do terço constitucional após a concessão das férias, desde que não supere a data em que é devida a gratificação natalina. O artigo 9º permite que a remuneração das férias concedidas poderá ser efetuada até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias. Já os artigos 6º e 11 da MP 927/20 flexibiliza o prazo da notificação de concessão de férias aos empregados, permitindo que tal ato seja feito em, no mínimo, 48 horas. Contudo, o empregador deverá computar as férias como tempo de serviço9 e anotar na Carteira de Trabalho e Previdência Social a respectiva concessão10, como prevê a CLT.

A lei 4.923/65, que, dentre outros, estabelece medidas contra o desemprego e auxilia o empregador a manutenir os contratos de trabalhos de seus empregados. Traz em seu artigo 2º11 uma medida que permite a alteração temporária do contrato de trabalho, a fim de reduzir a jornada ou o número de dias de trabalho, em face à conjuntura econômica. A visto do exposto, é importante salientar que tal medida deve ser imposta mediante acordo prévio com a entidade sindical representativa dos seus empregados e que deve ter o prazo certo de 3 meses, podendo ser prorrogado por mais 3 meses, e, por fim, que a redução do salário mensal não seja superior a 25% do salário contratual ou desrespeite o salário mínimo. 

De todas as medidas possíveis previstas na CLT, o teletrabalho ou home office está sendo uma das mais adotadas nos últimos dias, essa forma de trabalho é regulada de acordo com o Capítulo II-A da CLT, do artigo 75-A ao parágrafo único do artigo 75-E e também com o Capítulo II da MP 927/20, nos artigos 4º e 5º. 

O home office permite que o empregado continue realizando suas atividades laborais remotamente, em seu domicílio, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, desde que a natureza de seu trabalho não se constitua trabalho externo12.  Nessa medida não há de se falar em interrupção ou suspensão do contrato de trabalho, em redução salarial, em compensação com férias ou realização de jornada extraordinária (hora extra) após o retorno. 

A alteração entre regime presencial e o regime de home office ficará a critério do empregador, que notificará o empregado com antecedência de, no mínimo, 48 horas. A mudança do regime de trabalho deverá ser formalizada em aditivo contratual, deve, também, está previsto as disposições relativas à responsabilidade de aquisição, manutenção, fornecimento dos equipamentos tecnológicos, como também os reembolsos de despesas arcadas pelo empregado. O contrato poderá ser firmado previamente ou no prazo de até trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho. O retorno do empregado para realização de suas atividades laborais na forma presencial deverá atentarse ao parágrafo segundo do artigo 75-C, que garante o prazo de transição de no mínimo de 15 dias e o correspondente registro em aditivo contratual. A CLT é omissa nos casos de adoção do teletrabalho por estagiários e aprendizes, porém, a MP 927/20 prevê, em seu 5º artigo, que ficará permitida a adoção do home office para essas duas classes.

A MP 927/20 traz mais duas medidas que podem ser adotadas durante o período de calamidade pública e que não são previstas na CLT. Sendo esses, o aproveitamento e antecipação dos feriados e, também, a suspensão da exigibilidade do recolhimento FGTS. 

No primeiro caso, os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais, devendo informar o conjunto de empregados beneficiados com antecedência de, no mínimo, 48 horas e mediante indicação expressa dos feriados13. No entanto, o aproveitamento dos feriados religiosos dependerá da concordância do empregado, mediante manifestação em acordo individual escrito14.

Já a suspensão da exigência do recolhimento do FGTS pelos empregadores, que está previsto a partir do artigo 19 até o parágrafo único do artigo 25 da MP 927/20, limitase aos meses de março, abril e maio de 2020. Poderão fazer uso desta prerrogativa todos os empregadores, independentemente do número de empregados, do regime de tributação, da natureza jurídica, do ramo de atividade econômica e de adesão prévia. O recolhimento poderá ser realizado de forma parcelada em até seis parcelas, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020, sem a incidência de atualização, multa e outros encargos.

Contudo, para usufruir de tal prerrogativa, o empregado fica obrigado a declara as informações até 20 de junho de 2020. Deve-se observar que tais informações caracterizarão confissão de débito, que possíveis valores não declarados serão considerados em atraso e obrigarão o pagamento integral de multa e encargos previstos no art. 22 da lei 8.036/90. Por fim, caso o empregador venha a inadimplir tais parcelas, ele estará sujeito ao pagamento da multa e demais encargos devidos, e, também, terá seu certificado de regularidade do FGTS bloqueado.

Originalmente, a MP 927/20 previa, no art. 18, a suspensão do contrato de trabalho, por até quatro meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador, podendo ser acordada individualmente com o empregado ou grupo de empregados. Mas, após grande repercussão na mídia e na internet, o artigo que previa tal medida fora revogado. Entretanto tal medida se encontra prevista na CLT, porém, menos flexível. De acordo com o Art. 476-A, o contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso de qualificação oferecido pelo empregador, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo e anuência do empregado, onde poderá ser concedido ajuda compensatória mensal, durante o período de suspensão, com valor a ser definido em convenção ou acordo coletivo. O prazo previsto no caput do art. 476-A ainda poderá ser prorrogado mediante convenção ou acordo coletivo e anuência formal do empregado, desde que o empregador arque com a bolsa de qualificação profissional. 

As alternativas examinadas nesse artigo servem tentar minimizar os impactos econômicos decorrentes dessa pandemia, mas tudo ainda é muito incerto e se as suspensões das atividades empresariais se prorrogarem, por ato da Autoridade Pública, a ponto de impossibilitar a continuação das atividades exploradas pelo empregador de forma temporária ou definitiva, seremos forçados a aplicar a modalidade de rescisão por factum principis (fato do príncipe), ficando a cargo do governo responsável (federal, estadual ou municipal) o pagamento das indenizações devidas15. Vale ressaltar que o factum principis só é possível se a ordem ou medida governamental causar a impossibilidade total da execução do contrato de trabalho, não apenas torná-lo mais onerosa ou difícil. É uma espécie do gênero força maior e se faz necessário a presença dos requisitos do artigo 501 da CLT para que a autoridade pública possa arcar com a obrigação de indenizar. 

Vivemos um momento atípico que impacta diretamente as relações de trabalho do nosso país, como forma de conter o desemprego em massa e o impacto econômico de tal acontecimento. Faz-se necessário a flexibilização da relação de emprego e a renegociação dos contratos de trabalho, observando as regras constitucionais.

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1 https://especiais.g1.globo.com/bemestar/coronavirus/mapacoronavirus/?_ga=2.12318451.611534379.1585017682-803521720.1569795685

2 Isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus

3 Quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus

4 Art, 3º, § 3º, lei 13.979/20 - Será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo. 5 Artigos 59 e 60 da lei 8.213/91.

6 Artigos 2º da CLT e 927, parágrafo único, do CC.

7 Art. 61, § 3º, CLT. - Sempre que ocorrer interrupção do trabalho, resultante de causas acidentais, ou de força maior, que determinem a impossibilidade de sua realização, a duração do trabalho poderá ser prorrogada pelo tempo necessário até o máximo de 2 (duas) horas, durante o número de dias indispensáveis à recuperação do tempo perdido, desde que não exceda de 10 (dez) horas diárias, em período não superior a 45 (quarenta e cinco) dias por ano, sujeita essa recuperação à prévia autorização da autoridade competente.

8 Art. 145, CLT. - O pagamento da remuneração das férias e, se for o caso, o do abono referido no art. 143 serão efetuados até 2 (dois) dias antes do início do respectivo período.

9 Art. 130, § 2º, CLT. -  O período das férias será computado, para todos os efeitos, como tempo de serviço. 

10 Art. 135, § 1º, CLT. - O empregado não poderá entrar no gozo das férias sem que apresente ao empregador sua Carteira de Trabalho e Previdência Social, para que nela seja anotada a respectiva concessão.   

11 Art. 2º, 4.923/65- A empresa que, em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada normal ou do número de dias do trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical representativa dos seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução do salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário-mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes e diretores.

12 Art. 75-B, CLT.  Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. 

13 Art. 13, MP 927/20.

14 § 2º, art. 13, MP 927/20

15 Art. 486, CLT. - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.     

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*Anderson Antônio Nunes de França Alves é graduando em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ.

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