Pandemia de COVID-19 e a validade jurídica de contratos assinados eletronicamente na visão dos tribunais
Com tantas aplicações, plataformas e programas disponíveis no mercado, é imprescindível verificar o credenciamento prévio da entidade certificadora para a validação do certificado digital perante a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, ICP - Brasil.
quarta-feira, 25 de março de 2020
Atualizado às 11:49
Neste período de pandemia de COVID-19, vários departamentos jurídicos têm nos consultado a respeito da validade jurídica de contratos celebrados eletronicamente. Com a implementação do teletrabalho (trabalho remoto, home office ou outras denominações similares), gestores, advogados e interessados têm evitado - com muito acerto - encontros presenciais ainda que para a formalização de importantes negócios. Vários tribunais também já emitiram atos suspendendo o atendimento ao público dos cartórios extrajudiciais, o que impede o reconhecimento de firmas. Daí a atualidade e a importância do assunto, o que nos impulsionou a redigir estas breves notas sobre o tema porque é preciso estar atento, já que nem toda contratação eletrônica por meio de assinaturas digitais é válida.
O Superior Tribunal de Justiça já concluiu serem válidos os contratos eletrônicos assinados digitalmente (STJ, Terceira Turma, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, REsp 1495920/DF, DJe 07/06/2018). Aliás, reconheceu-se tamanha legitimidade às assinaturas eletrônicas que até mesmo se dispensou a clássica exigência da presença de duas testemunhas para a força executiva de um contrato particular (hoje, prevista no art. 784, III, do CPC). Da ementa respectiva, lê-se o seguinte:
"(...) POSSIBILIDADE, EM FACE DAS PECULIARIDADES DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO, DE SER EXCEPCIONADO O DISPOSTO NO ART. 585, INCISO II, DO CPC/73 (ART. 784, INCISO III, DO CPC/2015). QUANDO A EXISTÊNCIA E A HIGIDEZ DO NEGÓCIO PUDEREM SER VERIFICADAS DE OUTRAS FORMAS, QUE NÃO MEDIANTE TESTEMUNHAS, RECONHECENDO-SE EXECUTIVIDADE AO CONTRATO ELETRÔNICO. (...)
(...) 3. Possibilidade, no entanto, de excepcional reconhecimento da executividade de determinados títulos (contratos eletrônicos) quando atendidos especiais requisitos, em face da nova realidade comercial com o intenso intercâmbio de bens e serviços em sede virtual (...)".
Esse entendimento não é isolado. Há outros julgados relevantes de outros tribunais na mesma direção, dos quais é exemplo este acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos territórios:
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULOS EXTRAJUDICIAIS. APELAÇÃO. FALTA DE ASSINATURA. DUAS TESTEMUNHAS. CONTRATO DE MÚTUO DIGITAL. EXCEPCIONALIDADE. CASO CONCRETO. CERTIFICAÇÃO DIGITAL. AUTORIDADE CERTIFICADORA. PRESENÇA. REQUISITOS EXTRÍNSECOS. ATESTADOS. (...) 2. Na espécie, o contrato de mútuo entabulado entre as partes por meio da internet foi regularmente certificado pela autoridade competente, o que pressupõe a regularidade da assinatura eletrônica e, por conseguinte, a presença do requisito extrínseco do título executivo extrajudicial, dispensando-se a exigência de assinatura de duas testemunhas. (...)" (TJDFT, 7ª Turma Cível, Rel. Desembargadora LEILA ARLANCH, Acórdão 1212992, 07009199720198070005, DJe 21/11/2019).
Mas, atenção, nem toda contratação eletrônica por meio de assinaturas digitais é válida, todavia. Com tantas aplicações, plataformas e programas disponíveis no mercado, é imprescindível verificar o credenciamento prévio da entidade certificadora para a validação do certificado digital perante a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, ICP - Brasil. Trata-se de exigência do art. 5º da MP 2200-2/01, em vigor ainda hoje. Foi ela quem estabeleceu a certificação digital no Brasil e transformou o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação em autarquia garantidora da autenticidade, da integridade e da validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como da realização de transações eletrônicas seguras.
Com base nessa exigência, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já assegurou a higidez jurídica a documento cujas assinaturas foram concretizadas por intermédio de certificado digital emitido pela ICP - Brasil, nestas palavras:
"(...) Documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas. Inteligência do art. 784, inciso III, do CPC. Assinatura dos envolvidos concretizada por intermédio de certificado digital devidamente emitido pela ICP - Brasil, nos termos do artigo 1º, § 2º, III, letra "a", da Lei nº 11.419/2006. Decisão reformada. RECURSO PROVIDO" (TJSP, 8ª Vara Cível, Rel. Desembargador AFONSO BRÁZ, Agravo de Instrumento 2017568-05.2017.8.26.0000, julgado em 07/03/2017).
Em contraposição, o mesmo tribunal paulista já converteu em ação de cobrança (no bojo da qual se proferirá provimento jurisdicional de conhecimento) processo de execução fundado em suposto título executivo extrajudicial que contou com assinaturas eletrônicas emitidas por entidade não credenciada perante a ICP - Brasil. Em outras palavras, diante de assinaturas emitidas por autoridade certificadora não credenciada junto à ICP - Brasil, as assinaturas não foram validadas pelo Poder Judiciário. Nesse sentido:
"(...) Execução de título extrajudicial - Determinação de conversão do procedimento em cobrança, por ausência de título regular - Assinatura digital certificada por entidade não credenciada pela autoridade certificadora - Insurgência do exequente - Alegação de higidez e segurança da assinatura - Não acolhimento - Autoridade Certificadora não credenciada no órgão competente (...)" (TJSP, 14ª Câmara de Direito Privado, Rel. Desembargador ACHILE ALESINA, Agravo de Instrumento 2289089-55.2019.8.26.0000, julgado em 23/01/2020);
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Contrato de Locação residencial firmado no dia 12 de dezembro de 2017. Contratação firmada por meio eletrônico, com assinatura digital dos contratantes e de duas (2) testemunhas. (...) EXAME: Entidade certificadora "DocYouSign", responsável pela certificação das assinaturas digitais do contrato em causa, que foi descredenciada perante a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil (...). Ausência de comprovação da autenticidade das assinaturas digitais imputadas ao locador autor, à locatária requerida e às testemunhas indicadas que retira a cogitada força executiva do contrato. (...) (TJSP, 27ª Câmara de Direito Privado, Rel. Desembargadora DAISE FAJARDO NOGUEIRA JACOT, julgado em 17/12/2019).
De se concluir, portanto, que, à luz da jurisprudência pátria, o contrato celebrado mediante assinaturas eletrônicas só será juridicamente hígido se elas forem emitidas por alguma das autoridades certificadoras credenciadas perante a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, cuja lista se encontra nesta página eletrônica da Internet: https://www.iti.gov.br/icp-brasil (acesso em 20/03/2020).
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*Hugo Damasceno Teles é sócio fundador da Advocacia Fontes Advogados Associados S/S.