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Coronavírus e teoria da imprevisão

Leandro Bauch e Fernando Lobo

Não é exagero afirmar que a crise de saúde pública que se instaurou em todos os países do mundo não tem precedentes na história recente da humanidade.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Atualizado às 13:53

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Não é exagero afirmar que a crise de saúde pública que se instaurou em todos os países do mundo não tem precedentes na história recente da humanidade. Há poucos meses seria impossível a qualquer pessoa prever acontecimento de tamanha magnitude e impacto para a sociedade.

É sabido, no mais, que as restrições que vem sendo impostas visando reduzir a proliferação da covid-19 terão um enorme impacto, ainda que desconhecido em suas minúcias, na circulação de bens, mercadorias e pessoas, afetando negativamente a atividade econômica de forma generalizada. Negócios de toda sorte deixarão de ser concretizados, seja pela aversão ao risco em momento de grande incerteza, seja pela impossibilidade. 

Este cenário invariavelmente impactará de maneira direta a atividade de todos os agentes de mercado e reduzirá suas receitas, ao mesmo tempo em que suas obrigações, em especial as financeiras, provavelmente permanecerão exigíveis da maneira como contratadas.

O CC, em linha com as melhores legislações do mundo, traz a possibilidade de resolução ou revisão de contratos cujas obrigações tornem-se excessivamente onerosas para uma das partes em razão de eventos extraordinários e imprevisíveis, ainda que nominalmente tais prestações permaneçam as mesmas.

Nosso entendimento, à luz da melhor doutrina e jurisprudência, é de que estamos diante de acontecimentos que se amoldam aos critérios exigidos pela lei para a aplicação da teoria da alteração das circunstâncias, possibilitando que aqueles obrigados a prestações excessivamente onerosas requeiram judicialmente a revisão dos termos contratuais. 

Devemos alertar, no entanto, que qualquer pedido judicial de revisão só terá lugar quando presentes alguns requisitos, como a comutatividade entre prestações (presente em quase totalidade dos contratos comerciais) e, principalmente, situação de adimplemento daquele obrigado que pretende a revisão (ou seja, deve-se evitar ao máximo qualquer inexecução, mesmo que involuntária, que atrairia a hipótese de força maior, muito mais difícil de manejar). 

Também devemos alertar que qualquer renegociação com a parte contrária do contrato tornará muito mais difícil a arguição da imprevisão no futuro próximo, pois esse novo negócio jurídico já terá sido celebrado  o curso e com o conhecimento da natureza da crise que se instaurou, enfraquecendo o elemento da imprevisibilidade. 

Adicionalmente, o manejo dessa solução não depende somente da demonstração das qualidades do evento em si (extraordinário e imprevisível), mas da demonstração analítica de que oneração excessiva está presente objetivamente, e não apenas pessoalmente (ou relativamente). Deve-se demonstrar que a prestação se converteu em algo, do ponto de vista econômico, completamente diferente do que originalmente era de se pensar, de modo que não seria lícito à parte contrária ter legítima confiança de que a obrigação contratual seria adimplida na forma nominalmente colocada na avenca original. Isso significa apresentar uma justificativa racional para a necessidade de revisão da prestação, de modo a demonstrar que a base objetiva que a fundava foi alterada (ou seja, que as partes não poderiam ter previsto a alteração das circunstâncias e que não teriam contratado se as modificações estivessem presentes). 

Deve-se, por fim, ter profundo conhecimento acerca da jurisprudência dos nossos tribunais, em especial do STJ, que, nas últimas décadas marcadas por crises inflacionárias, cambiais e intervencionistas, levantou alguns muros contra alegações genéricas de alteração da realidade econômica para suscitar a revisão contratual. A noçãoacerca dos argumentos utilizados nos julgamentos - que não raramente são contraditórios entre si - é condição para sucesso de qualquer empreitada nesse sentido.

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t*Leandro Bauch é sócio do Motta Fernandes Advogados.







t*Fernando Lobo é sócio do Motta Fernandes Advogados.


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