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Breves comentários acerca da MP 927

Denise Alvarenga e Helena Gomez

Salvo melhor interpretação do dispositivo, arriscamos a defender que o poder diretivo do empregador, neste caso, não é absoluto, encontrando limites na concordância do empregado.

terça-feira, 24 de março de 2020

Atualizado às 08:32

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Publicada no último domingo (22) a Medida Provisória 927, com objetivo de regulamentar as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade, decretada em virtude da emergência de saúde pública internacional decorrente da expansão epidemiológica do Novo Coronavírus.

A MP 927 teve sua vigência iniciada no ato da sua publicação e sobreveio diante dos novos dilemas relacionados aos contratos de trabalho no atual momento atravessado pelo Brasil, bem como diante da premente necessidade de regular ações que já vinham sendo tomadas pelos empregadores em todo o país.

Nos diversos canais de comunicação já se tinha ciência das condutas adotadas pelas empresas, sendo muitas destas condutas irregulares até então, mas que agora, diante da edição da Medida Provisória 927 passam a ser dotadas de alguma segurança jurídica, tanto para empregados, quanto para empregadores.

O momento é de extrema excepcionalidade, por isso admitida a flexibilização das condições do trabalho. É importante ter em mente que existem dois prazos no cerne da discussão.

O primeiro deles é período de duração do estado de calamidade que, nos termos do decreto Legislativo 6 de 20 de março de 2020, produzirá efeitos até 31 de dezembro de 2020, o que evidencia o caráter temporário das medidas constantes na MP 927.

O segundo é o prazo de vigência da própria MP 927. Necessário recordar que a sua subsistência está condicionada à sua conversão em lei pelo Poder Legislativo, que deverá deliberar sobre o texto no prazo de 60 dias prorrogáveis por igual período (uma única vez). Se aprovada pelo Congresso Nacional, a medida retorna à presidência para sanção e passa vigorar como lei federal. Se rejeitada, vetada pela presidência ou não aprovada no prazo de 120 dias, deixará de produzir efeitos.

Nota: enquanto este artigo era redigido, obtivemos informações provenientes das redes sociais do Presidente Jair Bolsonaro, informando possíveis alterações nos dispositivos da MP 927. Assim, chamamos a atenção do leitor para possíveis mudanças no texto legal após a publicação do presente artigo.

Em apertada análise do conteúdo da MP 927, verifica-se de pronto grande esforço do Governo Federal na adoção de medidas visando a preservação dos contratos de trabalho. À toda evidência, o objetivo parece ser evitar demissões em massa, o que fatalmente contribuiria para uma crise maior na economia nacional, na sociedade brasileira e culminaria no abarrotamento dos Tribunais Trabalhistas, afinal (arriscamos a afirmar diante do contexto apresentado) a grande massa dos trabalhadores seria dispensada sem o pagamento dos haveres rescisórios.

As alternativas propostas pelo Governo (capítulos II, III, IV, V, VI e VIII da MP 927) para dar destino à força de trabalho dos empregados, devem ser analisadas de acordo com o tipo de operação de cada empresa, observada a necessidade de mão-de-obra ativa enquanto perdurar o período da crise. Um micro empreendedor que não tenha ferramentas para viabilizar o regime de teletrabalho ou para direcionar seus empregados para qualificação, por exemplo, poderá se valer de outras possibilidades conferidas pela MP para dar providência a esses contratos de trabalho, como concessão de férias individuais e coletivas.

As empresas também poderão estabelecer regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, para "recuperação" do período interrompido quando reestabelecida a prestação do serviço, no prazo de 18 meses (da data do encerramento do estado de calamidade).

Dos capítulos acima mencionados, o mais polêmico sem sombra de dúvidas é o capítulo VIII, que prevê a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho para qualificação. Antes de maiores comentários acerca do capítulo em questão, urge destacar que o seu conteúdo já foi alvo de tantas críticas nas últimas horas, que já se admite a sua revogação nos próximos dias.

Linhas gerais, o capítulo VIII traz a alternativa de suspensão das principais obrigações do contrato de trabalho, para qualificação do empregado. Esclareça-se que a suspensão do contrato de trabalho é um instituto do Direito do Trabalho, através do qual o vínculo permanece ativo, embora cessada a prestação do serviço e a contraprestação pelo trabalho (salário). À toda evidência, o capítulo VIII da MP 927 trata-se de uma releitura de um dispositivo já existente no mundo jurídico trabalhista, o art. 476-A da CLT. Nos parece, ainda, que o direcionamento do trabalhador para qualificação, e consequente suspensão do contrato de trabalho, está condicionado à aquiescência deste, nos termos do §1º do inciso II, que se utiliza da expressão "poderá ser acordada individualmente" e não da expressão "poderá ser determinada".

Salvo melhor interpretação do dispositivo, arriscamos a defender que o poder diretivo do empregador, neste caso, não é absoluto, encontrando limites na concordância do empregado.

Ademais, existe expressa previsão de possibilidade de ajuste de "ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial" com valor definido livremente entre empregado e empregador, via negociação individual. Importante estabelecer conceitos: não haverá pagamento de salário no período, na medida em que salário é a contraprestação pelo trabalho e, durante a suspensão do contrato de trabalho, não há prestação de serviço. O que o §2º do art. 18 da MP 927 dispõe é sobre "ajuda compensatória mensal", ou seja, recebimento de valores pelo empregado à título de ajuda de custo. Referido valor será ajustado entre as partes e, eventualmente, pode até mesmo ser equivalente à remuneração ordinária do trabalhador.

E qual seria a grande diferença? A expressão "sem natureza salarial". Se não há "natureza salarial", resta afastada a incidência de encargos trabalhistas e fiscais, desafogando as folhas de pagamento das empresas.

Sobre desafogamento das folhas de pagamento, imperioso comentar o capítulo IX, que disciplina o diferimento do recolhimento do fundo de garantia do tempo de serviço. Isto quer dizer que as empresas poderão efetuar o pagamento referente às competências de março, abril e maio de 2020 de forma parcelada e sem incidência de atualização, multa e encargos legais, o que importa em grande ajuda às empresas, já que os recolhimentos fundiários representam significativa parcela do orçamento mensal dos empregadores.

Ainda sobre o tema, muito embora o recolhimento do fundo de garantia dos empregados domésticos seja regulamentado por lei própria, entendemos que as disposições do capítulo IX também se aplicam à estes contratos, dada a universalização da crise atravessada.

Por fim, nos cumpre mencionar que à pouco foi noticiada que haverá a edição de nova Medida Provisória prevista para o dia de amanhã (24/03/2020), em complementação à MP 927, para disciplinar temas ainda não abordados e que são de grande expectativa tanto por empregados quanto por empregadores, quais sejam, possibilidade de redução de jornada e salários.

Esses são nossos breves comentários acerca da MP 927, cientes de que certamente teremos novidades nos próximos dias.

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*Denise Alvarenga é sócia responsável pela área trabalhista do escritório Motta Fernandes Advogados.

**Helena Gomez é advogada associada do escritório Motta Fernandes Advogados.

 

 

 

 

 

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