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Advocacia: Múnus público essencial e a COVID 19

Gustavo Chalfun, Sérgio Leonardo e José Gomes de Oliveira Jr.

Por ser um momento em que a união e a solidariedade devem nortear nossas ações, encaminhamos ofício aos Presidentes da OAB/MG, do Conselho Federal da OAB e ao Presidente da CAA/MG, no sentido de que ajam para garantir o livre exercício profissional da advocacia.

segunda-feira, 23 de março de 2020

Atualizado em 24 de março de 2020 10:23

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É certo que estamos diante de uma crise internacional, advinda da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), com reconhecimento, inclusive, pela própria Organização Mundial de Saúde em 11 de março de 20201.

Diante de tal fato, diversas medidas preventivas estão sendo tomadas no Brasil, de modo a minorar a transmissão da COVID-19 e os efeitos da doença sobre a população, estando, dentre elas, a restrição à abertura de diversos empreendimentos, sejam eles grandes ou pequenos.

Ocorre que a mencionada restrição não possui um alcance irrestrito, pois há atividades essenciais à população brasileira que não podem cessar, sob pena de um colapso da própria sociedade.           

Diante desta situação, a presidência sancionou o decreto 10.282, de 20 de março de 2020, o qual define quais são os serviços essenciais. Veja-se:

"Art. 2º Este Decreto aplica-se às pessoas jurídicas de direito público interno, federal, estadual, distrital e municipal, e aos entes privados e às pessoas naturais.

"Art. 3º As medidas previstas na Lei nº 13.979, de 2020, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais a que se refere o § 1º. § 1º São serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tais como:

[...]

XXXII - atividade de assessoramento em resposta às demandas que continuem em andamento e às urgentes" (Decreto nº 10.282/2020, grifo nosso)2. 

Como se nota, dentre as atividades consideradas essenciais, está a de assessoramento em resposta às demandas em andamento e às urgentes, atividades essas diretamente ligadas à advocacia. Veja-se o teor do disposto na lei 8.906/94:

"Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; (Vide ADIN 1.127-8)

II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas" (Lei nº 8.906/1994, grifo nosso)3.

Ademais, frise-se que, nos termos do art. 133 da Constituição Federal e do art. 2º da Lei nº 8.906/1994, o advogado é INDISPENSÁVEL à administração da justiça, prestando serviço de interesse público e exercendo função social, ainda que atue apenas no âmbito privado. Senão vejamos:

"Art. 133. O advogado é INDISPENSÁVEL à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei" (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, grifo nosso)4.

"Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público" (Lei nº 8.906/1994, grifo nosso)5.

Cristalino que, mesmo nesses tempos de crise pela COVID-19, não pode ser vedado ao advogado o exercício de sua função pública.

Em um primeiro momento, porque o Poder Judiciário não cessou suas atividades, conforme se extrai do art. 4º do decreto 10.282/20 c/c a resolução 313, de 19 de março de 2020, cabendo aos causídicos estarem ativamente prontos à defesa dos interesses do povo, respeitadas as prerrogativas profissionais. Confira-se:

"Art. 4º Os Poderes Judiciário e Legislativo, os Tribunais de Contas, o Ministério Público e a Defensoria Pública definirão suas limitações de funcionamento" (Decreto nº 10.282/2020, grifo nosso)6.

"Art. 2º O Plantão Extraordinário, que funcionará em idêntico horário ao do expediente forense regular, estabelecido pelo respectivo Tribunal, importa em suspensão do trabalho presencial de magistrados, servidores, estagiários e colaboradores nas unidades judiciárias, assegurada a manutenção dos serviços essenciais em cada Tribunal.

§ 1o Os tribunais definirão as atividades essenciais a serem prestadas, garantindo-se, minimamente:

I - a distribuição de processos judiciais e administrativos, com prioridade aos procedimentos de urgência;

II - a manutenção de serviços destinados à expedição e publicação de atos judiciais e administrativos;

III - o atendimento aos advogados, procuradores, defensores públicos, membros do Ministério Público e da polícia judiciária, de forma prioritariamente remota e, excepcionalmente, de forma presencial;

IV - a manutenção dos serviços de pagamento, segurança institucional, comunicação, tecnologia da informação e saúde; e

V - as atividades jurisdicionais de urgência previstas nesta Resolução.

§ 2º As chefias dos serviços e atividades essenciais descritos no parágrafo anterior deverão organizar a metodologia de prestação de serviços, prioritariamente, em regime de trabalho remoto, exigindo-se o mínimo necessário de servidores em regime de trabalho presencial" (Resolução nº 313/2020 do Conselho Nacional de Justiça)7.

Neste ponto, defendemos que a paralisação dos processos que já tramitam no ambiente do processo judicial eletrônico precise ser reavaliada nos próximos dias - afinal, o reexame permanente das circunstâncias fáticas e das decisões tomadas é fundamental em uma situação de gestão de crise. O PJe, no âmbito do qual não há contato pessoal entre os atores processuais, pode ser uma alternativa importante para que direitos da população não pereçam e a advocacia não seja mais uma das atividades econômicas massacradas pela crise que transborda a esfera da saúde pública - com certeza absoluta prioritária - mas atinge de forma dramática a economia.

Em um segundo momento, para responder aos anseios e incertezas da sociedade em razão da situação atual e das medidas excepcionais que estão sendo tomadas.

Ora, a título de exemplo, é público e notório que diversos microempreendedores e até mesmo grandes empresas estão em uma situação desesperadora, sem poder abrir suas portas para o trabalho e preocupados com as contas que chegaram ou chegarão, estando em uma vasta escuridão, sem saber qual medida tomar, podendo a questão ser melhor aclarada e sanada apenas pelo advogado. 

Da mesma forma, apenas a advocacia pode atuar ativamente na postulação contra a violação juridicamente injusta do direito de ir e vir e de direito líquido e certo por autoridade, do acesso à informação, entre outros.

Ressalte-se também, que, conforme notícia veiculada no site do Fantástico em 23 de março de 20208, o Brasil possui mais de 700 mil presos, sendo 10 mil deles pessoas maiores de 60 anos. Veiculou-se, ainda, que cerca de 40% das unidades prisionais não tem consultório médico e 90% não possuem alas ou celas exclusivas para idosos.

Ora, em clara situação de risco à saúde pública, cabe aos advogados manterem-se ativos e altivos, juntamente com a Defensoria Pública, de modo a defender os interesses da população carcerária e da sociedade, primando pelo princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos constitucionais à vida e à saúde, vez que, diante da clara aglomeração nas cadeias, um único foco da COVID-19 pode acarretar em um surto sem proporções, o qual pode estender-se, inclusive, a pessoas fora das unidades prisionais.

Ademais, também nas relações já citadas acima, tais como de natureza trabalhista, cíveis, tributárias, de defesa da economia popular e da livre iniciativa, a indispensabilidade do(a) advogado(a) é condição sine qua non para a manutenção do estado democrático de direito com nossas garantias individuais e coletivas.

Logo, de todo o ângulo que se analise, não resta dúvida de que a advocacia se trata de atividade essencial, enquadrada na hipótese do art. 3º, XXXII, do decreto 10.282/2020, não podendo a sua atuação ser cessada.

Por fim, por ser um momento em que a união e a solidariedade devem nortear nossas ações, encaminhamos ofício aos Presidentes da OAB/MG, do Conselho Federal da OAB e ao Presidente da CAA/MG, no sentido de que ajam para garantir o livre exercício profissional da advocacia, evidentemente que primando pelas práticas de trabalho em regime de home office, utilizando as ferramentas tecnológicas para comunicação, atendimento e reuniões em ambiente virtual, e, especialmente, com observância das medidas sanitárias pertinentes, mas garantindo o exercício profissional nos casos urgentes e necessários.

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1 Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2020. 

2 Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2020.

3 Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2020. 

4 Disponível em: .  Acesso em: 23 mar. 2020.

5 Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2020.

6 Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2020. 

7 Disponível em: < https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/03/Resolu%C3%A7%C3%A3o-n%C2%BA-313-5.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2020.

8 Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2020.

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*Gustavo Chalfun é mestre em direito constitucional e professor universitário pela Faculdade de Direito de Varginha - FADIVA, diretor-presidente do escritório Chalfun Advogados Associados, ex-secretário geral da OAB/MG 2016-2018, ex-presidente da OAB-Varginha 2007-2012, ex-conselheiro estadual 2013-2015.

*Sérgio Leonardo é advogado criminalista, sócio no escritório Marcelo Leonardo Advogados Associados, diretor tesoureiro da OAB em 2016/2018, Conselheiro Estadual em vários mandatos, palestrante e Diretor em diversas entidades e associações civis.

*José Gomes de Oliveira Junior é advogado no escritório Chalfun Advogados Associados, pós graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade CNEC-Varginha/MG.







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