Justiça gratuita à luz do Código de Processo Civil
A gratuidade da justiça é um mecanismo que resguarda a faculdade das pessoas de buscar os seus direitos, via Judiciário, sem ter que pagar pelas despesas processuais.
segunda-feira, 23 de março de 2020
Atualizado às 11:05
A gratuidade da Justiça está mencionada no Código de Processo Civil, nos arts. 98 ao 102. Denomina-se assistência gratuita o direito da pessoa, física ou jurídica, de, no bojo de uma ação judicial, não pagar pelas taxas, custas, emolumentos, honorários advocatícios, etc1. A norma que regia o referido instituto (lei 1.060/50) dizia que uma simples declaração de que o interessado não possuía condições de arcar com as despesas processuais já era o bastante para o deferimento do pleito. No atual Codex, o Magistrado, constatando que a pessoa física consegue arcar com as despesas processuais, deverá intimá-la a comprovar o contrário. Importante dizer que a pessoa física que possuir patrimônio não está impedida de pleitear a assistência gratuita.
Em relação à pessoa jurídica, é possível alcançar a gratuidade, desde que comprove que as despesas processuais impediriam o pagamento dos gastos para o funcionamento da mesma2.
Em regra, o benefício da assistência gratuita abrange todas as despesas processuais. No entanto, o Juiz de Direito tem a faculdade de conceder parcialmente o benefício, desde que ele perceba que o solicitante não necessita da totalidade pretendida.
Preceitua o art. 98, § 5º, do CPC, a possibilidade do deferimento da gratuidade em relação a alguns atos processuais. Assim, o Magistrado indicará quais atos estarão albergados pela gratuidade. Exemplificando, pode a parte ter de pagar para expedição de mandado para citação, porém, ficar isenta de custear eventual perícia no processo.
O mesmo artigo define que o Juiz poderá conceder, também, desconto percentual sobre os atos processuais. Após análise da condição financeira do solicitante, o Julgador fixará o percentual a ser pago por cada ato processual. Ou seja, o interessado pagará, por exemplo, 30% de uma perícia.
Ademais, o § 6º do artigo 98 faculta ao Juiz parcelar as despesas processuais que o solicitante tiver que adiantar no processo. Deferida tal hipótese, o beneficiário arcará com as despesas consoante determinado pelo Juiz. Mas, deixando de quitar qualquer das parcelas, o benefício será revogado, pois se trata de pressuposto para a sua manutenção.
Importante salientar que no caso de a parte adversa comprovar que o favorecido possui uma vida que lhe dê condições de arcar com as despesas processuais, o Juiz poderá revogar a gratuidade, levando-se em conta a teoria da aparência.
O benefício da assistência gratuita pode ser pleiteado em qualquer momento do processo, segundo determina o art. 99, caput, do CPC. Vale registrar que a multa aplicada pelo Julgador não está coberta pela gratuidade, podendo, assim, ser cobrada no final do processo.
A 3ª Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça diverge quanto ao deferimento tácito do pedido da gratuidade da justiça. Isso porque, enquanto o julgado do AgRg no AREsp 583.394, de Relatoria do min. Marco Aurélio Bellizze, afirma que a não apreciação do pedido de assistência gratuita não constitui a concessão tácita, o REsp 1.721.249, de Relatoria da min. Nancy Andrighi, já assegura que a falta do indeferimento expresso da gratuidade implica na concessão tácita do pleito, desde que o interessado não pratique nenhum ato contrário ao benefício.
Vale dizer que a prática de qualquer ato que demonstre não haver o interesse na gratuidade da justiça, por si só, já é suficiente para a não concessão do pleito. Isso porque, a ação praticada pelo interessado, sendo incompatível com o ato pretendido, gera a preclusão lógica, que é a prática de um ato que seja incompatível com o pleito.
Nota-se que a tese de Relatoria da ministra deve prevalecer, vez que, à luz do Codex, tratando-se de gratuidade da justiça, o indeferimento das decisões deve ser fundamentado, diferentemente do seu deferimento, que poderia ser tanto expressamente quanto tacitamente. A partir do momento em que não haja nenhuma decisão devidamente fundamentada que negue o benefício, deve o mesmo ser considerado concedido tacitamente em prol do solicitante.
Portanto, a gratuidade da justiça é um mecanismo que resguarda a faculdade das pessoas de buscar os seus direitos, via Judiciário, sem ter que pagar pelas despesas processuais.
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1 Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
§ 1º A gratuidade da justiça compreende:
I - as taxas ou as custas judiciais;
II - os selos postais;
III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;
IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;
V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais;
VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;
VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;
VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;
IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.
2 Súmula 481, STJ - Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais.
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*Bruno Gontijo de Andrade é pós graduado em Direito Civil e Processo Civil. Advogado no Bispo, Machado e Mussy Advogados.