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Coronavírus e o Direito do Trabalho. O que pode fazer o empregador ao tempo da crise?

Embora governos estaduais e municipais possam limitar acessos a empreendimentos, apenas o Governo Federal poderá criar legislação propriamente trabalhista estabelecendo, assim, outras modalidades de flexibilização.

sexta-feira, 20 de março de 2020

Atualizado às 11:45

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I - A pandemia e a desaceleração econômica.

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou como pandemia a expansão da COVID-19, oficializando tratar-se de um desafio em escala mundial. No Brasil, o primeiro caso foi confirmado no dia 25 de fevereiro. Três semanas depois, mais de 300 (trezentos) casos já estão confirmados.

As recomendações das autoridades são uniformes em várias partes do mundo. Para além dos esforços sanitários, a redução de aglomerações é fortemente recomendada - senão imposta -, de preferência por meio de isolamento domiciliar.

Entre as variadas repercussões da nova rotina estão as preocupações sobre os limites de ação no âmbito do contrato de trabalho, ou seja, quais as mudanças, ainda que transitórias, podem ser tomadas no âmbito da relação de emprego.

No particular, é preciso destacar, desde já, que no Direito do Trabalho vige a premissa fundamental de que riscos da atividade econômica recaem sobre o empregador. Quer isso dizer, portanto, que a excepcionalidade da situação não pode, per si, ser invocada para eventuais alterações a serem implementadas em decorrência do panorama. Antes, é preciso bem identificar as hipóteses precisas em que a legislação trabalhista permite a tomada de decisões, devendo o empregador, portanto, encontrar nelas a que melhor responde às exigências da situação.

II - Ações que são autorizadas pela legislação trabalhista.

Sendo as opções de ação limitadas ao que normativamente previsto, é a navegação pelas hipóteses legais que revelará a melhor medida a ser adotada em cada caso concreto. Daí a listagem a seguir proposta.

1) Acordo coletivo

Talvez a providência mais ampla decorra de um acordo coletivo. Com o marco da reforma trabalhista, por meio de acordo coletivo é possível estabelecer condições não previstas na legislação, com o único limite de normas constitucionais, conforme previsão do artigo 611-A da CLT.

Segundo o dispositivo, aspectos relacionados banco de horas (inciso II), regulamento de empresa (inciso VI), teletrabalho (inciso VIII), entre outros, podem ser regulamentados via Acordo Coletivo.

Isso quer dizer, portanto, que é possível, desde que com a aquiescência do sindicato profissional, suspender temporariamente benefícios previstos no regulamento da empresa, reduzir jornada de trabalho com cômputo do período em banco de horas anuais para posterior trabalho pelo empregado ou mesmo estabelecer regras mais específicas em relação ao teletrabalho.

Como a Constituição da República permite que se dê redução do salário por negociação coletiva, é possível, para além da redução simples do salário - algo mais extremo - a redução da jornada com a proporcional redução salarial, tudo nos termos do artigo 7º, inciso VI, da Constituição da República. A redução salarial pela redução da carga semanal de trabalho, inclusive, parece algo mais afeto às necessidades das empresas em tempos de desaceleração da demanda.

Igualmente, é possível conceber, para outro exemplos, ajuste coletivo estabelecendo uma situação de suspensão dos contratos de trabalho para além da previsão do artigo 476-A da CLT (que será abaixo examinado) ou mesmo de um tratamento diferenciado à logística do trabalho intermitente (CLT, art. 452-A).

O Acordo Coletivo, portanto, apresenta-se como meio de criação de alternativas específicas às necessidades da empresa, sem os mesmos limites que se identificam na norma posta.

2) Suspensão do contrato para curso de qualificação. CLT, art. 476-A.

Segundo o artigo 476-A da CLT, é possível, ainda por acordo coletivo, o estabelecimento de suspensão do contrato até 5 meses para participação em curso de qualificação. A suspensão faz com que o empregado não precise receber a remuneração normal, mas uma ajuda de custo, de natureza indenizatória, definida no ajuste coletivo.

A vantagem dessa figura é o pagamento de um valor de natureza indenizatória e, inclusive, em valor inferior ao salário contratual. A desvantagem - ao menos no particular da literalidade da norma - é que será preciso fornecer algum tipo de qualificação, ainda que remota, ao empregado. Um curso online, por exemplo.

Contudo, como adiantado acima, por força do artigo 611-A da CLT - superveniente no tempo ao texto do artigo 476-A da CLT -, é possível que o ajuste coletivo flexibilize as condições legais da suspensão. A questão do curso, por exemplo, poderia ser flexibilizada, para aspectos como tutoria ou outro expediente que se tenha por apropriado na negociação coletiva.

3) Férias coletivas e individuais. CLT, art. 130.

O instituto das férias coletivas, previstas nos artigos 139 e seguintes da CLT também se apresenta como um meio de interrupção completa ou parcial da empresa pelo período de 30 (trinta) dias. A vantagem da modalidade é a de que há antecipação de um direito já previsto aos empregados, de maneira a reduzir os custos com a paralisação, parcial ou total, das atividades.

Não é demais relembrar que a decisão quanto às férias individuais incumbe, segundo a legislação, ao empregador. Embora, normalmente, as férias sejam estabelecidas de comum acordo, ao empregador é facultada a imposição da concessão das férias, principalmente no período de exceção aqui tratado. No particular, haverá o risco apenas em relação à previsão do artigo 135 da CLT, segundo o qual a data de concessão das férias deverá ser avisada ao empregado com 30 (trinta) dias de antecedência ao início da fruição. Será preciso verificar, no futuro, como se comportará a jurisprudência sobre os efeitos de eventual inobservância desse aviso prévio.

4) Banco de horas. CLT, art. 59.

Outra alternativa sob o controle do acordo individual a ser realizado entre empregado e empregador é a figura do banco de horas. Trata-se de um regime de suspensão ou redução temporária das atividades de certos ou todos empregados, a qual deverá ser alvo de reposição em data futura. A vantagem da modalidade é que pode ser estabelecida por contrato individual de trabalho, desde que a compensação se dê no período de até 6 (seis) meses.

Por meio da figura, assim, é possível que o empregador faça revezamento de empregados em um setor, por exemplo, recolhendo as horas de não trabalho para um banco de horas que reverterão em trabalho futuro. É preciso indicar, de toda forma, que a reposição do trabalho futuro deve observar o limite de duas horas diárias de acréscimo.

5) Teletrabalho. CLT, art. 75-A.

O Teletrabalho é figura criada pela reforma trabalhista de 2017, e permite que o empregado passe a trabalhar em regime remoto, fazendo uso de tecnologias de acesso à distância. A vantagem da modalidade é que o empregado não tem controle de horário. A desvantagem é a utilidade limitada a funções realizáveis exclusivamente por meio informatizado, de utilização restrita para várias atividades do varejo.

Uma facilidade da figura é que o teletrabalho pode ser ajustado por contrato individual entre o empregador e o empregado, não estando sujeito à intervenção do sindicato profissional da categoria.

6) Trabalho intermitente. CLT, art. 452-A.

Outra novidade da reforma trabalhista, a figura do trabalho intermitente permite que empregados recebam valores exclusivamente quando prestam serviços. Assim, acaso não convocado, o empregado simplesmente não fará jus a remuneração alguma. A desvantagem é que a figura se aplica apenas a novos contratos, por se tratar de contrato próprio e específico.

É possível supor, contudo, acaso ajustado por meio de acordo coletivo, um tratamento elástico à figura do contrato intermitente, conforme adiantado acima.

7) Demissão sem justa causa.

Por fim, infelizmente é preciso mencionar, há a alternativa de extinção do contrato por iniciativa do empregador, a demissão sem justa causa. Trata-se, como se sabe, da hipótese de extinção do contrato que representa um maior custo ao empregador, precisamente em decorrência da busca de recomposição, em alguma medida, dos impactos que decorrem ao empregado nessa situação. No contexto de um problema que se espera temporário - ainda que bastante agudo - parece ser hipótese a ser evitada por empregadores, seja pelos impactos psicológicos da medida para outros empregados, seja pela perda dos investimentos de treinamento e capacitação.

É preciso registrar, de toda forma, que, após a reforma trabalhista, não há limitação tampouco a figura da demissão coletiva.

III - Conclusão. o que esperar das autoridades no particular do direito do trabalho?

Por fim, a título de conclusão, interessa fazer alguma conjectura acerca do que esperar de autoridades públicas em relação à crise que se descortina.

Em um primeiro momento, é muito provável, considerando as notícias que vêm da Europa, que governos estatuais e até mesmo municipais estabeleçam regras gradativamente mais severas de restrição a circulação. No limite, é possível que tais autoridades determinem o fechamento provisório de estabelecimentos.

Tais disposições, acaso importem em impossibilidade de continuação das atividades empresariais, pode atrair a aplicação do artigo 486 da CLT. Com isso, o pagamento da indenização pela extinção do contrato de trabalho de empregados será de responsabilidade do poder público.

É preciso registrar, contudo, que apenas ao Governo Federal incumbe a competência de legislação sobre Direito do Trabalho. Assim, embora governos estaduais e municipais possam limitar acessos a empreendimentos, apenas o Governo Federal poderá criar legislação propriamente trabalhista estabelecendo, assim, outras modalidades de flexibilização a serem consideradas no âmbito do contrato de trabalho em resposta à crise.

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*Fernando Hugo R. Miranda é doutor em Direito do Trabalho pela USP e advogado do Paixão Côrtes e Advogados Associados.

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