Abordagem trabalhista em época de epidemia mundial causada pelo Covid-19
Sugere-se sempre muita cautela, transparência e bom senso, evitando-se, por conseguinte, vindouros questionamentos e garantindo um ambiente de trabalho sadio a todos.
quinta-feira, 19 de março de 2020
Atualizado às 12:00
Em tempos de epidemia mundial provocada pelo Coronavírus, inúmeros questionamentos surgem não só no meio médico, mas também no âmbito laboral, afinal, quais medidas a legislação permite o empregador adotar? Quais os direitos do empregado?
Infelizmente, diante da circunstância excepcional vivida, muitos dos questionamentos não terão uma resposta na legislação vigente. Não restam dúvidas, porém, que medidas emergenciais devem ser tomadas na tentativa de preservar a vida e saúde de todos.
A própria Constituição estabelece que é dever de todo empregador e direto de todos os empregados um ambiente de trabalho em condições propícias, com redução dos riscos por normas de saúde, higiene e segurança que garantam o bem estar dos trabalhadores.
Abaixo são abordadas algumas possíveis medidas que podem ser tomadas nesse período:
- Home Office
Uma alternativa que já vem sendo adotada por muitos empregadores (quando a tarefa desempenhada permite) é a adoção do "home office" ou teletrabalho.
Na medida do possível, recomenda-se sejam observadas as normas estabelecidas pela CLT, especificamente nos artigos 75-A a 75-E e art. 62, inciso III, no que se referem ao teletrabalho, o que muitas vezes não será viável, considerando a excepcionalidade e urgência da medida, o que é plenamente justificável.
Aguarda-se uma flexibilização das referidas regras em eventual discussão diante do cenário presenciado, todavia, necessário o mínimo de cautela possível.
Conforme determina o artigo 75-C, §1º da CLT, a alteração entre regime presencial e de teletrabalho está condicionada ao mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.
Considerando a singularidade da medida, que terá duração pré-determinada em razão do seu caráter emergencial, o que diferencia de uma simples alteração da modalidade de contrato, recomenda-se seja realizado comunicado, no qual deverá ser relatada a crise na saúde atualmente em curso e informado que, por medida de segurança de todos, será adotado o regime de "home-office", constando no mencionado documento o prazo de duração desta medida e, se possível, tomando-se ao final a assinatura e concordância expressa do colaborador.
Sugere-se que no comunicado fique clara a excepcionalidade da medida e o prazo de sua duração, consignando que ao fim do período determinado as atividades serão retomadas nos moldes anteriores.
Segundo consta no artigo 75-D da CLT, cabe ao empregador fornecer infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, o que inclui aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos, sendo possível reembolso das despesas arcadas pelo funcionário. Nesse contexto, recomenda-se, por exemplo, que os funcionários que utilizam notebook da empresa sejam autorizados a levá-lo para casa.
Importante ressaltar que a previsão legal acima mencionada provavelmente não será inteiramente cumprida, considerando justamente o caráter excepcional da medida, razão pela qual não seria razoável cobrar da empresa todas as condições necessárias ao exercício do teletrabalho, que será realizado de forma temporária e em razão de um fator externo e imprevisível, como é o caso de doença altamente transmissível.
Se possível, aconselha-se que o termo/comunicado verse sobre as precauções a serem tomadas a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho, instruindo os empregados nesse sentido. Assim, a empresa estará cumprindo o que dispõe o art. 75-D da CLT.
Sugere-se ainda que o empregado assine termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.
Por fim, quanto ao controle de jornada, é importante esclarecer que em regra os empregados submetidos ao teletrabalho não estão submetidos a tal controle, o que significa que aquele que laborar em "home office" não terá direito à benefícios como adicional noturno, horas extras e horas intrajornada, por exemplo. Isso, entretanto, não é pacífico, sobretudo quando as condições de trabalho permitem o controle de jornada, entretanto, considerando a urgência da medida, essa poderá ser a melhor alternativa, vez que a necessidade de tomada rápida de decisão impossibilita até mesmo qualquer tipo de controle. Além do que, o art. 62, III da CLT exclui expressamente os empregados sujeitos ao teletrabalho do controle de jornada.
- Férias Coletivas
As férias coletivas estão disciplinadas no art. 139 e seguintes da CLT e poderão ser concedidas a todos os empregados de uma empresa ou apenas a determinados setores.
Dentre os seus requisitos, assim como nas férias individuais, está o dever do empregador em comunicar a concessão das férias ao empregado com pelo menos 30 (trinta) dias de antecedência (art. 135 da CLT).
Logo, em medidas emergenciais, provavelmente haverá o desrespeito à mencionada regra, existindo o risco de futuro questionamento.
Há, contudo, elementos para defender a validade da concessão ainda que em desrespeito ao referido prazo, considerando se tratar de medida de força maior, visando a proteção da coletividade, cabendo ao judiciário e órgãos de fiscalização flexibilizarem a referida regra.
Ainda que não respeitado o prazo de aviso, recomenda-se seja respeitada a regra estipulada no art. 145 da CLT, qual seja, o pagamento antecipado das férias.
Sugere-se que em adotando essa medida, seja realizado imediato comunicado/aviso de férias aos trabalhadores constando neste, além das informações de praxe, o caráter emergencial da concessão e razões.
Por fim, válido observar a necessidade de comunicação prévia ao Ministério da Economia (art. 139, § 2º da CLT).
- Licença Remunerada e Compensação de horas
A lei 13.979/20 sancionada em caráter emergencial no dia 06/02/2020 dispõe sobre medidas de quarentena e restrição de circulação, estabelecendo em seu art. 3º, § 3º que o período de afastamento em razão de isolamento decorrente das medidas previstas na referida lei deverá ser considerado como falta justificada, ou seja, o empregado recebe mesmo sem trabalhar nesses dias.
Referido dispositivo, em princípio, seria aplicado apenas aos casos de isolamento/quarentena decorrente de recomendação médica ou por ordem do Governo em eventual decretação de medida preventiva que submeta os trabalhadores não infectados ao afastamento.
A lei é omissa sobre a possibilidade de utilização desses dias de afastamento para os fins de compensação/banco de horas.
Considerando, contudo, se tratar de motivo de força maior, há elementos para sustentar essa possibilidade, em razão do exposto no art. 61, § 3º da CLT que assim dispõe:
Art. 61 - Ocorrendo necessidade imperiosa, poderá a duração do trabalho exceder do limite legal ou convencionado, seja para fazer face a motivo de força maior, seja para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto.
§ 1º O excesso, nos casos deste artigo, pode ser exigido independentemente de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
§ 2º - Nos casos de excesso de horário por motivo de força maior, a remuneração da hora excedente não será inferior à da hora normal. Nos demais casos de excesso previstos neste artigo, a remuneração será, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) superior à da hora normal, e o trabalho não poderá exceder de 12 (doze) horas, desde que a lei não fixe expressamente outro limite.
§ 3º - Sempre que ocorrer interrupção do trabalho, resultante de causas acidentais, ou de força maior, que determinem a impossibilidade de sua realização, a duração do trabalho poderá ser prorrogada pelo tempo necessário até o máximo de 2 (duas) horas, durante o número de dias indispensáveis à recuperação do tempo perdido, desde que não exceda de 10 (dez) horas diárias, em período não superior a 45 (quarenta e cinco) dias por ano, sujeita essa recuperação à prévia autorização da autoridade competente.
Caso a licença remunerada perdure por mais de 30 dias no curso do período aquisitivo de férias do colaborador e optando-se pela não compensação desse período em banco de horas, poderá o empregado perder o direito ao gozo de férias, nos moldes do art. 133, inciso III da CLT, vejamos:
Art. 133 - Não terá direito a férias o empregado que, no curso do período aquisitivo: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977)
(...)
III - deixar de trabalhar, com percepção do salário, por mais de 30 (trinta) dias, em virtude de paralisação parcial ou total dos serviços da empresa; e
- Trabalhador infectado pelo vírus
O colaborador eventualmente infectado pelo vírus será submetido à regra geral de afastamentos em razão de doença (quinze primeiros dias a cargo do empregador com posterior encaminhamento ao INSS para recebimento do benefício previdenciário).
- Outras considerações
Como já exposto reiteradamente, se trata de situação excepcional, razão pela qual se torna inviável a análise de contextos semelhantes com o fim de identificar o posicionamento dos tribunais a respeito do tema.
Orienta-se, contudo, seja qual for a medida a ser adotada pelo empregador, que se cuide, na medida do possível, para evitar tratamento discriminatório entre os colaboradores.
Não há restrição para que as medidas sejam adotadas por grupos, porém, é necessária cautela e transparência nas atitudes a serem tomadas, evitando-se discussão.
Por exemplo, no caso de adoção do "home office", recomenda-se que - se possível, seja realizado por setor, até mesmo porque, os demais integrantes do setor que eventualmente não forem contemplados pelo regime continuarão circulando e expostos ao vírus, o que poderá gerar questionamentos.
Se inviável a adoção da medida por todo o setor, que fiquem claras as regras de eventual rodízio ou as razões pelas quais assim está procedendo o empregador, afastando-se indagações a respeito do procedimento.
No que se referem às férias coletivas, como alhures mencionado, a lei expressamente determina que sejam concedidas a todo o setor ou empresa, logo, não seria permitida sua concessão à apenas um grupo. Entretanto, diante da singularidade da medida e por se tratar de força maior, espera-se uma flexibilização da referida regra, razão pela qual, acredita-se que valha a pena correr o risco em prol da adoção de medidas de preservação do próprio ambiente de trabalho.
Sabendo-se que é dever do empregador a garantia de um ambiente de trabalho saudável e com a redução de exposição a riscos, válida (senão obrigatória), a adoção de medidas que assegurem a proteção não só do corpo operário, mas também da coletividade, tais como: limitação da circulação de pessoas por área; cancelamento de viagens e eventos que possam oferecer riscos aos envolvidos; afastamento e orientação de colaboradores que apresentem risco aos demais (suspeitos, infectados, pessoas vindas de áreas de risco, etc.).
Por fim, sugere-se sempre muita cautela, transparência e bom senso, evitando-se, por conseguinte, vindouros questionamentos e garantindo um ambiente de trabalho sadio a todos, assim como a proteção da coletividade diante do caos público atualmente vivido.
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*Thyara Desteffani Stelzer Rovetta é advogada trabalhista do Brum & Advogados Associados.