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Caducidade da concessão do aeroporto de Viracopos: Afetação dos bens da concessão e exceção ao juízo universal da falência e da recuperação judicial

Rodrigo Bernardes Braga

Em 2018, os sócios da SPE decidiram pedir a recuperação judicial da sociedade. O juízo da recuperação deferiu liminarmente a suspensão do processo administrativo de caducidade e a exigibilidade das multas aplicadas

sexta-feira, 13 de março de 2020

Atualizado às 10:10

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Concessão de Viracopos:

Em 2012, a Aeroportos BRASIL - Viracopos S.A. assinou contrato de concessão da infraestrutura portuária em Campinas pelo prazo de 30 anos. A SPE que administra o sítio enfrenta uma grave crise financeira. Em 2017, a ANAC aplicou multas e deflagrou procedimento administrativo para apuração de responsabilidade, que, em último caso, pode ensejar a declaração de caducidade da concessão.

Em 2018, os sócios da SPE decidiram pedir a recuperação judicial da sociedade. O juízo da recuperação deferiu liminarmente a suspensão do processo administrativo de caducidade e a exigibilidade das multas aplicadas. Em julgamento de agravo de instrumento interposto pela ANAC, a Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reformou referida decisão de suspensão.

As agravadas então recorreram ao STJ. Inicialmente, o Presidente da Corte, em regime de plantão, acolheu o pedido de tutela provisória, e concedeu efeito suspensivo ao recurso especial, sem prejuízo de posterior deliberação pela Ministra relatora, restabelecendo, assim, a decisão do Juízo da recuperação. A ANAC, inconformada, apresentou requerimento para revogação da tutela provisória concedida sob o entendimento de que o descumprimento das diversas obrigações assumidas pelo concessionário no contrato de concessão não se circunscreve à mera questão econômica e financeira, e que o serviço público continuaria a ser prestado pela sociedade apesar da decretação da caducidade ou pelo próprio Poder Concedente. No fundo, a ANAC estava preocupada em manter a suspensão da caducidade que significaria um incentivo à concessionária em não cumprir as suas obrigações, terminando por disseminar a ideia, perigosa, de que aquele que participa de um leilão não precisaria se comprometer com os resultados assumidos no certame. De fato, a prevalecer a suspensão do processo de caducidade pelo juízo da recuperação a sinalização ao mercado não seria nada boa, a começar pela falta de competência do juízo da recuperação (estadual) e a especificidade dos bens titularizados pela União, que não se confundem com os bens próprios do concessionário.

Bens da concessão como aqueles reversíveis

Os chamados bens da concessão são aqueles que interessam à continuidade da prestação do serviço público. Nem sempre a classificação do ativo afetado à concessão está muito clara em contrato, especialmente ante a falta de inventário previamente à assinatura do instrumento contratual.

Nada obstante, os bens da concessão diretamente vinculados e necessários ao serviço público integram o patrimônio do concedente ao fim da concessão, quando ocorre o fenômeno da reversibilidade.

Os bens da concessão não se confundem com os bens públicos ou privados. São bens afetados temporariamente ao cumprimento do interesse público, sejam eles públicos ou privados. Isto porque a prestação do serviço público pode envolver bens de propriedade da União, dos Estados e Municípios, além de bens adquiridos pela própria concessionária.  

A premissa acertada comporta algumas conclusões importantes. A primeira delas é que, durante o prazo do contrato de concessão, a concessionária não pode alienar livremente tais bens, o que significa que não pode penhorá-los, hipotecá-los ou gravá-los sem a aquiescência do Poder Concedente. Pior ainda a situação dos bens da pessoa pública política (União, Estado ou Município) sobre os quais a concessionária sequer tem disponibilidade. A segunda consequência, mas não menos relevante, é que sobre os citados bens não pode incidir qualquer tipo de constrição em ações ajuizadas por terceiros se essa constrição põe em risco as atividades empresariais e a continuidade da prestação do serviço público, conforme já se pronunciou inúmeras vezes o STJ. Se a penhora não afeta o serviço público, logo não há problema algum.  

Exceção ao juízo universal da falência e da recuperação judicial

A regra geral é a que determina a submissão de todos os créditos ao juízo universal da falência e da recuperação judicial. Em nome do princípio da preservação da empresa, os eventuais atos de agressão aos ativos da empresa devedora devem ser igualmente submetidos ao crivo do juízo universal. Este entendimento prevalece até mesmo em relação aos créditos extra-concursais, como os supervenientes ao pedido de recuperação (lei 11.101/05, art. 49), e os de natureza tributária (lei 11.101/05, art. 6º, §7º).

No caso em exame, a empresa recuperanda é a SPE formada para a exploração do Aeroporto de Viracopos. Assim, o único ativo que a SPE administra é o contrato de concessão. Portanto, as atividades delegadas retornam ao Poder Concedente nas hipóteses de extinção do termo contratual ou em qualquer hipótese de rescisão antecipada, quando os bens (infraestrutura aeroportuária) serão automaticamente revertidos à União, que sobre eles pode dar a melhor destinação visando o atendimento do interesse público. Enquanto nova licitação não ocorrer, pode mesmo a União optar pela manutenção da concessionária faltosa reduzindo-lhe o escopo e as atividades ao estritamente necessário mediante termo aditivo. De tal sorte que a concessionária - que teve a decretação da caducidade de seu contrato - passa a atuar em caráter precário até se ultimar a licitação com a escolha de um novo operador.  

Constatada a universalidade do juízo da recuperação, precisamos segregar aquilo que não lhe diz respeito. O contrato de concessão de serviço público federal e a sua contestabilidade se submete ao crivo da Justiça Federal, onde devem tramitar as ações judiciais voltadas a obter qualquer pronunciamento a seu respeito, inclusive aquele que se presta a suspender a exigibilidade de multas e do procedimento de sua caducidade.

Mais do que isso, ante a existência de conflito entre os princípios da preservação da empresa e os princípios da igualdade e da impessoalidade do direito público, estes devem prevalecer à luz da supremacia e da indisponibilidade do interesse público sobre o particular.

Posicionamento do STJ

Indo além, entendeu o STJ ser plenamente possível a constrição de eventuais bens privados que integrem o patrimônio da concessionária, mas escapem ao conceito de afetação, devendo ser submetidos ao Juízo da Recuperação. Contudo, o contrato de concessão - e os bens a ele vinculados (infraestrutura aeroportuária, de titularidade da União, nos termos do art. 21, inciso XII, alínea c) - é público e não está sujeito à deliberação dos credores nem à competência da Justiça Estadual.

Assim, o STJ - Pet no REsp 1.828.901/SP (2019/0221916-4) - reviu a tutela antecipatória de urgência e restabeleceu o comando do acórdão recorrido, ficando permitido o prosseguimento do processo administrativo de caducidade e a imposição de penalidades, ressalvadas as decisões da Justiça Federal no âmbito de sua competência. Ao Juízo da Recuperação caberá ao crivo acerca de eventuais medidas constritivas sobre bens da recuperanda que não estejam vinculados à execução do serviço público concedido.

Em última análise, o que o STJ está dizendo é que a universalidade do juízo da recuperação não é tão universal como se imagina.

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*Rodrigo Bernardes Braga é advogado com atuação em setores regulados.  

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