A (im)possibilidade de usucapir bem imóvel oriundo de herança
É essencial, para que um dos herdeiros consiga usucapir imóvel da herança, o exercício da posse exclusiva da integralidade do bem, com a manifesta intenção de ter o imóvel, com ânimo de proprietário, ou seja, agindo como se dono fosse.
sexta-feira, 13 de março de 2020
Atualizado às 11:21
A Usucapião é um instituto do direito civil que permite aos cidadãos adquirirem direitos de propriedade sobre um bem. Por exemplo, um bem imóvel, em razão de o ocupante ter exercido, por um certo período contínuo de tempo, a posse pacífica e mansa deste referido bem.
Para que o direito seja reconhecido esse direito ao indivíduo, outros requisitos legais específicos terão de ser observados e demonstrados.
Dentre os bens imóveis que podem ser objetos de usucapião, estão aqueles que compõem a herança. Todavia, com algumas ressalvas. De acordo com parte da doutrina e alguns tribunais, o requerimento de usucapião, quando formulado por um dos herdeiros, apenas será deferido quando finalizada a partilha, senão vejamos.
É essencial, para que um dos herdeiros consiga usucapir imóvel da herança, o exercício da posse exclusiva da integralidade do bem, com a manifesta intenção de ter o imóvel, com ânimo de proprietário (animus dominis), ou seja, agindo como se dono fosse.
Além da posse mansa e pacífica citada acima, outro requisito essencial para a configuração da usucapião é o lapso temporal. Cada uma das suas espécies fixará um prazo mínimo que o indivíduo, com o objetivo de conseguir a usucapião, exerça a posse do bem a ser usucapido sem que haja intervalos ou interrupções.
Como se trata, no caso, de bem herdado, vale ressaltar que o Código Civil, em seu artigo 1.207, autoriza que o autor da ação de usucapião some à sua posse no imóvel o tempo em que seus antecessores possuíram o imóvel, para a contagem final do lapso temporal em que exerce a posse, ressalvando que todas as posses tenham sido mansas e pacíficas.
Por se tratar de bem imóvel que compõe a herança, deve-se atentar para o fato de que, assim que a morte acontecer, os bens do de cujus passam automaticamente (independente da propositura da ação de inventário) ao condomínio formado pelos herdeiros, chamado de Espólio, e permanece ali até que se seja realizada a partilha e cada um dos herdeiros se torne proprietário do quinhão que lhe couber. Isso acontece por força do princípio de Saisine, que foi aderido pela Legislação Cível vigente (artigo 1.784 do Código Civil/02)
Nesta linha de raciocínio, ainda que o requerente da usucapião more no imóvel há anos e que seus co-herdeiros não façam nenhuma oposição, entende-se que não estará configurada a posse mansa e pacífica, porque aquele imóvel ainda é considerado em condomínio, que só será divisível após a partilha, como determina o artigo 1.791, parágrafo único, do Código Civil: "Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio". Por isso, a usucapião de imóvel oriundo de herança só poderá ser reconhecida após a ocupação do intervalo de tempo posterior à partilha porque, enquanto existir Espólio, existe composse dos herdeiros.
Em recente julgamento de recurso de Apelação Cível1, a 18ª Câmara Cível do TJMG citou a doutrina de Nelson Nery Júnior, Código Civil Comentado, 11ª edição, 2013, em que traz considerações sobre a natureza indivisível da herança "todos têm tudo da herança, de modo que nenhum deles pode exercer atos possessórios que excluam direitos dos demais". O que se pode concluir disso é que a composse entre os herdeiros não pode coexistir com a posse mansa e pacífica de um co-herdeiro sobre um mesmo bem, a fim de usucapi-lo.
Por esta ótica, quaisquer bens do Espólio são, sem sombra de dúvida, de propriedade do Espólio (composto por herdeiros legítimos e testamentários), pelo que não podem ser considerados de outra pessoa, ainda que esta esteja entre os herdeiros. Independentemente de quanto tempo perdure a existência do espólio, não há possibilidade de um dos herdeiros alegar que possuía algum de seus bens como se dono fosse, porque certamente não há posse mansa, pacífica e ininterrupta. Nesse sentido, decidiu o TJ/MG:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. BEM OBJETO DE PARTILHA. COMUNHÃO DE DIREITOS. ART. 1.721, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL. A posse ad usucapionem deve ser cabalmente demonstrada em todos os seus requisitos: exercício manso, pacífico, ininterrupto, com ânimo de dono para autorizar a declaração do domínio. Não se pode desconsiderar que a herança, pela adoção do princípio de saisine, transmite-se aos herdeiros no momento do óbito, todavia, essa herança é considerada indivisa até a sua partilha, por força do artigo 1.791 do Código Civil. Somente após a partilha começa a correr qualquer prazo para aquisição da posse pelo requerente, posto que, como já dito, a herança defere-se como um todo unitário e, até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e posse da herança é indivisível. A posse exercida por todo o tempo pelo apelante, se deu por mera tolerância dos demais coerdeiros, inexistindo, pois, o ânimo de dono e se, partilha se deu em 2013, ainda não transcorreu o lapso de tempo necessário à aquisição da posse por usucapião (TJMG
- Apelação Cível 1.0472.13.001703-2/001, Relator(a): Des.(a) Marco Aurelio Ferenzini, 14ª Câmara Cível, julgamento em 22.02.18, publicação da súmula em 02.03.18)
Enquanto existir o Espólio, o bem imóvel será considerado um condomínio indivisível. E assim, havendo mais de um herdeiro (condômino), a legislação brasileira não admitirá o reconhecimento da usucapião, das quotas-partes que caibam aos seus co-herdeiros, garantindo, assim, o direito de cada um dos herdeiros sobre o quinhão que lhe couber ao fim da partilha, independentemente de ocupá-lo.
Curioso destacar que a restrição de reconhecimento de usucapião por um co-herdeiro, antes da realização da partilha, não será aplicada perante a terceiros que, porventura, queiram usucapir de bem de herança. Sendo o Espólio o único proprietário do imóvel, pode um terceiro (não herdeiro), mesmo antes da partilha, requerer o reconhecimento da usucapião, desde que cumpra os requisitos legais.
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1 TJ/MG - Apelação Cível 1.0114.15.001725-8/001, Relator(a): Des.(a) Fernando Lins, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20.11.18, publicação da súmula em 22.11.18
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*Bernardo José Drumond Gonçalves é advogado sócio e coordenador de Homero Costa Advogados.
*Ana Luisa Augusto Soares Naves é advogada sócia de Homero Costa Advogados.