O reconhecimento judicial da sociedade de fato
Pode qualquer dos sócios, por meio da Ação Declaratória de Existência de Sociedade de Fato, obter a tutela judicial para ter reconhecido o direito que lhe autorize o acesso à sua quota parte naquela sociedade, inclusive recebendo dos demais o quinhão correspondente à sua participação.
quarta-feira, 11 de março de 2020
Atualizado às 09:44
Não poucas vezes, nos deparamos com dupla ou grupo de pessoas, unidas com escopo único de prestar algum tipo de serviço com objetivo específico de se auferir lucros. Esta comunhão de esforços permite, no mais das vezes, a otimização na mão de obra necessária para permitir-se entregar um determinado serviço ou fabricar algum tipo de produto, considerando que todos contribuem na possibilidade de suas qualificações, com o esforço inicial necessário, sem que se tenha que efetivar qualquer desembolso nesta fase.
Igualmente, pessoas se unem para divulgar algum serviço ou produto à sua rede de contatos, familiares e grupos no qual participam e que viabilizam uma publicidade a custos reduzidos.
Esta comunhão de esforços pode ser observada em muitos casos sem que haja qualquer documento assinado prevendo as regras societárias a serem observadas pelos empreendedores. É comum que todos os ajustes ocorram de forma verbal e quando muito, por meio de mensagens por aplicativos - a exemplo de Whatsapp e Telegram.
Com o crescimento da atividade, a formalização torna-se obrigatória e neste momento, com a elaboração do Contrato Social, divisão das quotas e estipulação do pró-labore mensal de cada um dos sócios.
Nesta fase, é comum que impasses surjam e a continuidade da sociedade que se formava torna-se dificultosa em razão do surgimento de conflito de interesses entre os sócios.
Neste momento, um dos sócios pode ser o responsável pelo controle do negócio, deixando os demais em posição vulnerável, sem conhecimento completo dos números que envolvam a atividade e sem possibilidade de se auferir o valor atribuído à sociedade de fato que possa ser exigido em decorrência de sua divisão.
Desta maneira, não havendo consenso entre os sócios, a judicialização da questão se mostra como opção inarredável - ou seja - é necessário que se contrate um advogado empresarial que um juiz declare a existência da sociedade de fato, determine a realização de perícia para atribuição de seu valor de mercado e finalmente, atribua a cada um dos sócios o valor de direito.
Todavia, ao juiz somente será possível assim determinar se existentes as provas que, de fato, todos os sócios trabalharam e contribuíram para construção daquela sociedade, mesmo que sem registro.
O fundamento para esta decisão judicial tem arrimo no Código de Processo Civil. Observe
Art. 20. É admissível a ação meramente declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito.
Também no Código Civil, considerando-se que os atos comerciais
Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples.
Ao julgar um caso análogo, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu da seguinte forma:
Sociedade em comum. Reconhecimento e dissolução, com apuração de haveres. Prova dos autos que demonstra a existência de sociedade. Comprovação adequada pelos elementos ao feito colacionados. Precedentes sobre o exato elastério conferido ao artigo 987 do CC. Sócia de sociedade limitada criada apenas para dar regularizar negócio e que não participou da sociedade de fato. Data-base da retirada incontroversa. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJSP; Apelação 1002041-06.2017.8.26.0008; Relator (a): Claudio Godoy; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Regional VIII - Tatuapé - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25.06.18; Data de Registro: 25.06.18).
Em resumo, para que haja o reconhecimento judicial daquela sociedade, é imprescindível a existência do Affectio societatis , ou seja, é necessário que o sócio que busca o reconhecimento judicial da existência da sociedade aja como se sócio fosse demonstrando por meio de ações sua condição de proprietário do negócio.
Portanto, pode qualquer dos sócios, por meio da Ação Declaratória de Existência de Sociedade de Fato, obter a tutela judicial para ter reconhecido o direito que lhe autorize o acesso à sua quota parte naquela sociedade, inclusive recebendo dos demais o quinhão correspondente à sua participação.
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*Wander Barbosa é advogado sócio do escritório Wander Barbosa Sociedade de Advogado, escritório especializado em Direito Empresarial.