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A análise de impacto regulatório (AIR) como mecanismo de racionalização e aperfeiçoamento do Estado

A AIR pode ser vista sob um duplo viés. É simultaneamente uma ferramenta e uma forma de processo decisório utilizadas para guiar a atuação regulatória de forma mais eficiente, transparente e aberta à participação tanto dos setores regulados quanto da sociedade civil.

quinta-feira, 5 de março de 2020

Atualizado às 11:29

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A origem do modelo de agências, no Brasil, se dá no período que compreende o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a partir do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, encabeçado por Bresser Pereira em 1995. O objetivo deste plano foi gerenciar a crise financeira que abalou o país anos antes desta proposta, preconizando a necessidade de ação estatal para gerenciar os gastos públicos de forma mais racional sem deixar de atuar1. Objetivava-se a criação de um ambiente propício à segurança jurídica dos contratos com o Estado e atração de capital privado estrangeiro. Após mais de uma década da implementação deste novo modelo institucional, a busca por regulações mais eficientes e efetivas aliadas às práticas de uma boa governança trouxe, como instrumento de aperfeiçoamento de política regulatória, a Análise de Impacto Regulatório (AIR) mediante a promulgação do decreto 6.062/07, que instituiu o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG), bem como a promulgação das leis 13.848/19 (art. 6º) e 13.874/19 (art. 5º), as quais tornaram obrigatória a realização da AIR.

O modelo de Estado interventor/investidor na Economia foi substituído por uma postura mais 'passiva': o Estado regulador. O intuito não era mais criar empresas públicas para intervir diretamente na economia e na concessão de determinados serviços, e sim regular o mercado, conforme os princípios da live iniciativa, valorização do trabalho humano, justiça social, livre concorrência, defesa do consumidor dentre outros (art. 170, caput e incisos, CRFB/88). A questão da regulação diz respeito ao maior ou menor grau de intervenção do Estado no funcionamento do mercado2. Almeja-se uma efetiva qualidade no processo regulatório mediante o uso de um arcabouço instrumental cujo principal objetivo é racionalizar a atuação estatal. É nesse sentido que a AIR surge como uma importante ferramenta para a avaliação sistemática dos custos e benefícios esperados de determinada regulação, seja ela nova ou existente3. O Estado regulador passa a atuar para garantir a efetiva livre iniciativa, combatendo a formação de monopólios e cartéis, uma boa política de preços, a defesa do consumidor guiado por interesses estatais, como a saúde pública4.

A atuação regulatória do Estado se dá mediante as agências reguladoras, autarquias sob regime especial, dotadas de maior independência para sua atuação5, que envolve uma expertise técnica e necessariamente uma análise sobre capacidades institucionais (institutional capacities)6. É inequívoco seguir o argumento da Supreme Court (US) no caso Clean Air Act de que aqueles que detêm maior expertise sobre o tema e que possuem responsabilidade política por regular determinado setor se situam numa melhor posição interpretativa e, consequentemente, de tomada de decisão7. Por outro lado, os riscos de uma captura política, seja por partidos no processo de indicação de diretores das agências reguladoras ou por parte do setor regulado mediante lobby com o uso de pressões econômicas, são mais factíveis de ocorrerem no Executivo do que nos demais Poderes. É justamente por isso que a atuação regulatória deve ser o mais transparente e racional possível, o que se dá com a implementação da AIR.

A AIR pode ser vista sob um duplo viés. É simultaneamente uma ferramenta e uma forma de processo decisório utilizadas para guiar a atuação regulatória de forma mais eficiente, transparente e aberta à participação tanto dos setores regulados quanto da sociedade civil8. Enquanto ferramenta, utiliza-se a AIR em etapas do processo regulatório as quais envolvem, de modo geral, uma análise sistemática de custos e benefícios potenciais resultantes de uma intervenção governamental. Sob o aspecto de processo decisório, faz-se uso de consultas públicas, desenvolvimento de políticas e elaboração de leis como um mecanismo de informar os tomadores de decisão antes de serem implementadas as políticas regulatórias.

Pode-se, dessa maneira, afirmar que o estabelecimento de critérios que norteiam a atuação regulatória do Estado, que estão aliados à busca de maior racionalização, eficiência e governabilidade, compõem a base justificadora da AIR. Desde a implementação do modelo de agências, tem-se buscado cada vez mais o aperfeiçoamento do sistema regulatório. Isto aliado ao desenvolvimento de concepções mais modernas sobre o Estado Administrativo brasileiro com agências dotadas de maior independência e autonomia, o que torna o processo decisório mais sistemático e policêntrico.

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1 (PEREIRA, 1998, p. 49). PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A refora do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Lua Nova, São Paulo, N. 45, p. 49-95, 1998.

2 (id., ibid., p. 50) (VORONOFF, 2019, p. 110). VORONOFF, Alice. Direito administrativo sancionador: um olhar pragmático a partir das contribuições da análise econômica do direito. Revista Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 278, n. 1, p. 107-140, 2019.

3 (SALGADO; HOLPERIN, 2010, p 17). Lucia Helena Salgado; Michelle Moretzsohn Holperin. Análise de impacto: ferrmenta e processo de aperfeiçoamento da regulação.  Radar, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, Brasília, 2010.

4 Um exemplo de atuação regulatória com a finalidade de tutelar a saúde pública foi a RDC 14/2012 expedida pela ANVISA para restringir o uso de aditivos em produtos fumígenos.

5 (MELLO, 2008, p. 169). MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores, São Paulo, 26ª edição revista e atualizada, 2008.

6 (SUNSTEIN; VERMEULE, 2002, p. 37). SUNSTEIN, Cass; VERMEULE, Adrian. Interpretation and Institutions. Public Law and Legal Theory Working Paper (The Law School, The University of Chicago), No. 28, Chicago, 1-56, 2002.

7 (SUNSTEIN, 2019, p. 20). SUNSTEIN, Cass R. Além de Marbury: o poder do Executivo de dizer o que é o direito (Introdução). SCOTUS, a Suprema Corte Norte Americana e o Estado Administrativo: precedentes selecionados (Orgs. Antonio Guimarães Sepulveda, Carlos Alberto Pereira das Neves Bolonha, Igor de Lazari Barbosa Carneiro). Editora Kindle Direct Publishing, Estados Unidos, 1ª edição, 2019.

8 (SALGADO; HOLPERIN, Op. Cit. 2010).

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*Frederico Augusto Auad é bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS-UFRJ), graduando em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND-UFRJ), pesquisador do Laboratório de Estudos Institucionais (LETACI) e estagiário do Laboratório de Regulação Econômica (UERJ REG).

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