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Conselhos de fiscalização profissional e a submissão ao regime de precatórios: a necessidade de coerência no entendimento do STF

Se faz necessária a superação/overruling do tema 877, que decidiu pela inaplicabilidade do regime de precatórios aos Conselhos de Fiscalização Profissional.

quarta-feira, 4 de março de 2020

Atualizado às 10:12

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Em 2017, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu repercussão geral ao tema 877 em favor da não aplicação do regime de precatório aos Conselhos, por compreender serem dotados de autonomia financeira, além de seus recursos não estarem inseridos no orçamento da União, tampouco sujeitos ao capítulo constitucional que versa sobre finanças públicas (artigos 163 a 169).

Já o relator, ministro Edson Fachin, em voto vencido, mas em nossa visão de maneira acertada, sustentou que os Conselhos de Fiscalização, embora sejam autarquias especiais, isto é, não são vinculados à administração ou à supervisão direta de qualquer órgão público, nem recebem recursos do Estado, ainda assim são considerados pessoas jurídicas de direito público, e, por tal motivo, é aplicável a regra constitucional que obriga a inclusão em seu orçamento de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado (artigo 100, § 5º, CF).

O eminente ministro defendeu que o regime de precatórios tem o escopo de garantir a necessidade de previsão do pagamento de dívida pública e de evitar que eventual constrição de valores ocorra para o pagamento de dívidas individualizadas, afetando o funcionamento da entidade pública, além de garantir a isonomia entre os credores, na linha do já consolidado pela Suprema Corte desde o julgamento da ADIn 1.717/DF, de relatoria do ministro Sydney Sanches, que reconheceu aos Conselhos de Fiscalização Profissional a impossibilidade de possuírem personalidade jurídica de direito privado, afinal exercem atividade típica de Estado por intermédio do poder de polícia, de tributar e de punir o exercício de atividade profissional nociva aos direitos e interesses da sociedade1.

De maneira contraditória, o mesmo Plenário da Suprema Corte tem aplicado o regime de precatórios aos débitos das Sociedades de Economia Mista, pessoas jurídicas de direito privado, quando os seus serviços prestados são considerados atividades próprias de Estado e não se sujeitam à concorrência2.

Nessa senda, conceder o regime precatório a uma Sociedade de Economia Mista prestadora de serviço público, mas afastá-lo de um Conselho de Fiscalização, também executor de atividade tipicamente estatal relacionadas a serviços públicos e ao exercício do Poder de Polícia3, vulnera tanto o princípio da segurança jurídica, previsto no artigo 5º, XXXVI, quanto a isonomia prevista no artigo 5º, caput, ambos da Constituição Federal, na medida em que a Suprema Corte não mantêm a jurisprudência uniforme, íntegra e coerente4.

É necessário enfatizar que  todos os arestos utilizados para amparar esta decisão resultante do tema 877 reconheceram prerrogativas da Fazenda Pública aos Conselhos de Fiscalização Profissional, isto é, afirmaram o conteúdo material da puissance publique decorrente do regime jurídico administrativo, mas no tema em comento foi olvidado que a submissão ao regime de precatórios também é um importante mecanismo de racionalização dos pagamentos das obrigações estatais oriundos de sentenças judiciais, assegura a isonomia no pagamento, permite a continuidade da prestação de serviços públicos e, consequentemente, a efetivação dos próprios direitos fundamentais.  

Destarte, se faz necessária a superação/overruling do tema 877, que decidiu pela inaplicabilidade do regime de precatórios aos Conselhos de Fiscalização Profissional, pois, além dos argumentos acima expostos, a repercussão geral foi definida a partir de um único caso julgado, isto é, não houve o necessário amadurecimento da tese.

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1 No ano de 2019, o Plenário do Supremo Tribunal Federal no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.829/RS, de relatoria do eminente ministro Alexandre de Moraes, reiterou o posicionamento no sentido de ser indelegável a uma entidade privada a "atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir", mencionando a ADI 1717.

2 Agravos regimentais em suspensão de liminar. Sociedade de economia mista municipal prestadora de serviço público (SPTRANS). Execução. Precatório. Matéria constitucional. Lesão à ordem e à economia públicas. Agravos regimentais a que se nega provimento.

I. Alegação de ilegitimidade ativa afastada. O município de São Paulo demonstrou que a execução dos julgados configura um quadro de grave lesão à ordem e à economia públicas, uma vez que, além de afetar consideravelmente suas finanças - já que o município tem precisado realizar aportes de capital para cobrir a penhora dos valores na SPTRANS -, tem o potencial de paralisação do sistema de transporte público municipal, ante a importância dos valores indicados no conjunto de execuções.

II. A SPTRANS é uma sociedade de economia mista, prestadora de serviço público, responsável, juntamente com o município de São Paulo, pela organização e pelo gerenciamento dos consórcios formados para a oferta do serviço de transporte público de ônibus no município.

III. A jurisprudência da Suprema Corte é assente no sentido da aplicabilidade do regime de precatório às sociedades de economia mista prestadoras de serviço público próprio do Estado e de natureza não concorrencial.

IV. (...)

(Agravo Regimental na Sexta Extensão de Suspensão de Liminar, relator ministro Dias Toffoli, unanimidade, j. 11.11.2019, DJe 03.12.2019)

3 "Claude Debbasch observa que o poder de polícia e serviço público 'diferenciam-se em seus procedimentos: a polícia prescreve e não fornece prestações; estão são do domínio do serviço público. Opõem-se em seus efeitos: a medida de polícia limita as liberdades públicas, a intervenção do serviço público tende a facilitar o exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos". JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 12 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 443.

4 Código de Processo Civil - artigo 926 - Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

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*Roberto Tadao Magami Junior advogado, procurador autárquico, pós graduado em Direito Público, Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP, Membro fundador do Instituto Administrativo de Direito Sancionador - IDASAN.

*Leandro Funchal Pescuma advogado, procurador autárquico e pós graduado em Direito Civil e Processual Civil.

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