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A função social do contrato: constitucionalização do Direito Civil

O magistrado tem uma discricionariedade maior para poder decidir e de tal forma poder tomar a decisão mais justa, trazendo mais equilíbrio social.

terça-feira, 3 de março de 2020

Atualizado às 10:25

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A função social do contrato é um dos princípios que emergiram junto com a lei 10.406/02, o novo Código Civil. Contrário ao que ocorria no Código de Bevilaqua - que priorizava o individualismo e o patrimonialismo - o Código Civil de 2002 adotou o princípio da socialidade como um de seus norteadores.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, e todos os princípios por ela adotados, todo o ordenamento jurídico pátrio foi sendo influenciado. A eterna dicotomia que existia entre Direito público e privado tornou-se quase inexistente, visto a crescente atenção dada ao particular pelo Estado.

Fazendo uma análise sob a luz da teoria tridimensional de Reale, fica mais simples de compreender as mudanças, ou evoluções, axiológicas sofridas pelo ordenamento.  Não deixando de lado outros pontos elencados na supracitada teoria, os de ordem sociológica por exemplo. Estranho seria um diploma normativo de cunho individualista ainda em vigência, quando a Carta Magna do país tem uma eficácia predominantemente focada no social.

Se analisarmos o artigo 1º inciso III, da Constituição Federal, veremos o primeiro e mais importante princípio fundamental no entendimento do renomado jurista Luís Roberto Barroso, servindo este de base para todos os outros princípios, a dignidade da pessoa humana. Partindo desse princípio geral, todos os outros, em sua grande maioria presentes no artigo 5º da Carta Magna, decorrem. Dentre estes a função social da propriedade.

Não delongarei a explanação filosófica e axiológica nesta introdução para não tornar demasiadamente desgastante a leitura, visto que este não é o foco do trabalho em tela.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a função social do contrato se resume a:

A concepção social do contrato apresenta-se, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual. Por identidade dialética guarda intimidade com o princípio da "função social da propriedade" previsto na Constituição Federal. Tem por escopo promover a realização de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contraentes1

O artigo 421 do CC quando fala "A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato." na verdade refere-se a liberdade contratual. Visto que a liberdade de contratar é relativa à capacidade das partes e a contratual à matéria tratada no contrato.

Fazendo uso de ferramentas hermenêuticas, como a interpretação teleológica, neste artigo é claro que a vontade do legislador ao limitar a liberdade das partes no que for relativo aos efeitos causados a coletividade, é uma decorrência direta da observância dos princípios constitucionais presentes em nosso ordenamento. Algo que não se via no antigo código.

Friso que a observância Constitucional existia no diploma civil pretérito, todavia não em plena harmonia com os princípios presentes no texto constitucional de 1988.

O que também é ensinado pelo renomado jurisconsulto supracitado, é a ligação direta do princípio da função social do contrato com o princípio da função social da propriedade.  Sistematicamente vemos uma evolução axiológica no novo diploma que disciplina as relações privadas chegando ao ponto de se confundir, em termos, com o mens legis do constituinte. É o que podemos chamar de constitucionalização do Direito Civil.

É seguro afirmar que hoje em dia o Direito Civil anda de mãos dadas com o Direito Constitucional e seus princípios norteadores. Sabe-se que as normas gerais servem em grande parte para permitir ao julgador, no caso o magistrado, atuar com certa discricionariedade porem dentro do que preceitua a lei. Seria impossível para o legislador vislumbrar cada situação possível. De tal forma, as normas gerais - ou os princípios gerais - são o mecanismo que o aplicador da lei tem para dizer o Direito em cada caso concreto.

Se faz importante saber que se ao analisar um contrato no caso concreto, é por muitas vezes necessário aplicar uma interpretação sistemática para se chegar à decisão que proporcione mais equidade. Podemos tirar por exemplo os artigos 421 (função social do contrato) e 422 (probidade e boa-fé), ambos do CC de 2002.

Outra vantagem em se alicerçar o novo código em princípios de ordem constitucional elencada por Carlos Roberto Gonçalves citando Nelson Nery Junior é:

 "[...] o juiz poderá preencher os claros do que significa essa "função social", com valores jurídicos, sociais, econômicos e morais. A solução será dada diante do que se apresentar, no caso concreto, ao juiz. Poderá, por exemplo, proclamar a inexistência do contrato por falta de objeto; declarar sua nulidade por fraude à lei imperativa (CC, art. 166, VI), porque a norma do art. 421 é de ordem pública (CC, art. 2.035, parágrafo único); convalidar o contrato anulável (CC, arts. 171 e 172); determinar a indenização da parte que desatendeu a função social do contrato etc.

 Aduz o mencionado jurista que, sendo "normas de ordem pública, o juiz pode aplicar as cláusulas gerais em qualquer ação judicial, independentemente de pedido da parte ou do interessado, pois deve agir ex officio."2

Em outras palavras, o magistrado tem uma discricionariedade maior para poder decidir e de tal forma poder tomar a decisão mais justa, trazendo mais equilíbrio social.

Concluindo, pode-se dizer que o advento da Constituição de 1988, e o entendimento que esta trouxe sobre a dignidade da pessoa humana ser o centro do ordenamento jurídico ocasionou mudanças estruturantes no Direito Civil. Este deixou de ter um entendimento individualista e patrimonialista, passando a considerar diversos princípios gerais. Dentre estes a função social do contrato.

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1 Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3 : contratos e atos unilaterais 9. ed. pg. 22- SãoPaulo : Saraiva, 2012.

2 Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3 : contratos e atos unilaterais 9. ed. pg. 24- São  Paulo : Saraiva, 2012.

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*Anderson Ayres Bello de Albuquerque é advogado na Ayres Bello Advocacia & Consultoria Jurídica.

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