A problemática da assinatura de voz nas relações contratuais
Nos dias atuais, em que nos enxergamos, infelizmente, quase sempre pelo ponto vista patrimonial, são muitas as vozes que também apregoam a pós-modernidade de tudo o quanto se tem notícia, não escapando sequer a própria ciência jurídica das tais "novidades".
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020
Atualizado às 11:33
Independentemente das já investigadas origens do Direito, ou melhor, da ciência jurídica, é correto dizer que, dentre as suas múltiplas faces, por um lado, se realiza na caracterização do humano do ponto de vista jurídico, e por outro, na intermediação das relações que estabelecemos em sociedade, regrando quase todas as interações interpessoais e patrimoniais.
Nos dias atuais, em que nos enxergamos, infelizmente, quase sempre pelo ponto vista patrimonial, são muitas as vozes que também apregoam a pós-modernidade de tudo o quanto se tem notícia, não escapando sequer a própria ciência jurídica das tais "novidades".
E, como exemplo lapidar da mercantilização das relações humanas e da tão divulgada pós-modernidade nas relações jurídicas, os contratos são os instrumentos da última hora, é a contratualização. Popularmente definidos como pacto entre duas ou mais pessoas, que se obrigam a determinados direitos e obrigações, segundo o que estipulado, e desde que não contrariem preceitos legais, tem servido hoje, de instrumento para judicializar o que antes, não era sequer imaginado.C
Com requisitos de existência e validade próprios, tem na vontade livre das partes, uma de suas principais características, e o que antes se admitia pelo simples apalavrado à comprovação, como o trato contido na intenção, ou o que, nas palavras de LETOURNEAU em L'evolution juridique, p. 420: "o mundo desorganizar-se-ia, se os contratos verbais não fossem obrigatórios, e aviltar-se-ia, se não fossem cumpridos", foi substituído pela impressão digital, trocado pela assinatura manuscrita, e agora pela assinatura digital por meio de certificado digital, tudo a ratificar a concordância na realização do que acordado.
Os negócios jurídicos têm como a sua base fundante a escola alemã, e apresentam diferentemente de um mero ato jurídico. Os negócios jurídicos caracterizam-se, principalmente, pela existência, em maior ou menor grau, da autonomia privada e da liberdade na escolha dos efeitos jurídicos produzidos.
Assim temos certo de que a declaração de vontade faz parte do negócio jurídico devendo ser observador os ditames da autonomia privada, nos limites da função social e da boa-fé objetiva. Assim podemos entender que em um negócio jurídico devem estar presentes:
- Declaração de vontade;
- Autonomia privada;
- Função social e boa-fé objetiva;
- Autodisciplina e regulação de efeitos.
Analisando os negócios jurídicos à luz da Teoria da Declaração podemos observar que ela se distingue da Teoria da Vontade, pois o núcleo essencial do negócio não seria a vontade interna, e sim a vontade declara ou exteriorizada. Alguns doutrinadores dispõe que ambas teorias se completam.
Um negócio jurídico deve sempre levar em conta a manifestação de vontade interna do declarante e a vontade manifestada, declarada.
Pelo que, a vontade livre de uma das partes, ou seja, manifestada de modo claro e objetivo, ainda que verbalmente, independentemente das novas formas de assinatura, foi e permanece sendo aceito como modo legal e judicial à exteriorização da vontade das partes, sem prejuízo de, sempre, submeter determinado caso especifico ao Poder Judiciário.
A teoria da vontade ou voluntarista sempre assentou o entendimento que o núcleo essencial do negócio seria a vontade interna ou a intenção do declarante, teoria essa que influenciou o Código Civil de 2002 em seu artigo 112, senão vejamos " Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem".
A Compreensão da oralidade na celebração de negócios que, excepcionalmente, não tem escapado aos afeitos a atividades criminosas ao tentarem extrair da população, manifestações de vontade das vítimas, até de um simples: sim ao telefone. O que, posteriormente, os permitem, se passando por terceiros, adquirem bens e serviços, ou seja, realizando contratos.
Razão pela qual, é que circulam pelas redes sociais, alertas vários a respeito, prevenindo a todos sobre as respostas a serem dadas em casos tais, evitando danos patrimoniais e não patrimoniais advindos das compras não realizadas livremente, nas quais os mal intencionados, valem-se da voz da vítima para alcançarem o intento ilegal.
Por isso, é que se recomenda cautela nos dizeres, em determinadas ligações, evitando que uma simples declaração dita ao telefone, mas ilicitamente gravada, fora de contexto, e sem o anuir do interlocutor com a celebração de qualquer contrato, tenha que se valer da tutela judicial para comprovar o vício da vontade externada em resposta a uma pergunta corriqueira, dada em outro momento.
De todo modo, para além do perene cuidado em tempos de contratos ditos (do tipo) eletrônicos, não há dada de tão novo assim do lado de cá, e, do lado de lá do Atlântico, principalmente quando se trata da ciência jurídica.
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*Clodoaldo Moreira Dos Santos Júnior, pós-doutor em Direito Constitucional na Itália, advogado e professor universitário. Sócio fundador Escritório SME Advocacia, Conselheiro da OAB/GO; Presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO, Membro Consultor da Comissão de Estudos Direito Constitucional da OAB NACIONAL, árbitro da CAMES do Brasil.
*Marcos Antônio Nicéas Rosa, especialista em Direito Civil e Processo Civil, advogado e professor universitário, Secretário da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO.