Receita pode acabar desestimulando investimentos em segurança do trabalho com cobrança de SAT sobre ruído
A decisão da Receita Federal de cobrar SAT para qualquer caso de ruído acima de 85 decibéis, mesmo com EPI, deve desestimular investimentos em segurança do trabalho.
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020
Atualizado às 10:50
A Receita Federal publicou recentemente um Ato Declaratório Interpretativo sobre a contribuição adicional para o custeio da aposentadoria especial, conhecida por SAT/RAT. De acordo com o texto, as empresas devem recolher contribuição previdenciária mesmo que adotem medidas de proteção coletiva ou individual para neutralizar ou reduzir o grau de exposição do trabalhador a níveis permitidos pelas normas nos casos em que não puder ser afastada a concessão da aposentadoria especial. Ele ainda revoga quaisquer normas do Fisco em sentido contrário.
O Ato é um notável desestímulo aos investimentos em segurança do trabalho e merece atenção das empresas e da sociedade, especialmente porque medida consolida que serão lavradas autuações para os casos de exposição a ruído superior a 85 decibéis, ainda que adotadas as medidas necessárias para a redução do grau de exposição, como EPIs.
Do ponto de vista constitucional, a aposentadoria especial foi criada como garantia excepcional do trabalhador sujeito à exposição de agentes nocivos em níveis superiores aos de tolerância previstos nas normas, com a finalidade de que o empregador respeite o direito do trabalhador à redução dos riscos e prejuízos à saúde inerentes ao trabalho.
No âmbito regulamentar, uma Instrução Normativa da própria Receita reconhece a inexistência de obrigatoriedade de recolhimento da contribuição adicional ao SAT/RAT nas hipóteses em que o contribuinte comprovar a adoção de medidas de proteção que neutralizem ou que reduzam a exposição do empregado aos limites legais de tolerância.
Todavia, especialmente quanto ao agente nocivo "ruído", o STF entendeu que o segurado exposto ao agente nocivo ruído superior a 85 decibéis, ainda que fazendo uso dos equipamentos de proteção neutralizantes, possui direito à contagem de tempo para aposentadoria especial.
A decisão do Supremo não poderia repercutir na esfera tributária, visto que se refere à concessão de aposentadoria especial e não sobre a obrigatoriedade de recolhimento da contribuição adicional de SAT/RAT.
O Projeto de Lei que será apresentado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) com a finalidade de regulamentar a aposentadoria especial reforça essa conclusão. Em casos de periculosidade que não representam exposição efetiva e permanente a agente nocivo, o PL reconhece a necessidade da criação de disposição legal expressa para que se permita a concessão de aposentadoria especial.
Do ponto de vista prático da saúde e segurança do trabalho, é possível argumentar ainda que o entendimento do STF passa a perigosa mensagem de desestímulo aos investimentos em segurança do trabalho pelas empresas, uma vez que considera ineficaz o uso de equipamentos de proteção, como os EPIs.
Além desse potencial prejuízo aos trabalhadores, o início da operação da Receita para a cobrança de adicional de SAT/RAT vai gerar mais uma grande onda de litígios administrativos e judiciais, elevando-se ainda mais os atuais 5 trilhões de reais do contencioso tributário. Isso porque as empresas têm argumento relevantes para impugnar a medida, como a decisão do STF versar exclusivamente sobre benefício e não sobre custeio (tributo), a inexistência de base legal para a cobrança, bem como a segurança jurídica, ou seja, impossibilidade de mudança de entendimento sobre o tema.
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*Paulo Roberto G. de Carvalho é associado da área tributaria previdenciária de Trench Rossi Watanabe.
*Rodrigo Ramos de Arruda Campos é sócio da área previdenciária do Demarest Advogados.
*Pedro Teixeira Leite Ackel é sócio da área tributária previdenciária do WFaria Advogados.