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Reminiscências da Campanha Presidencial de Rui Barbosa em 1919

O ano do centenário da campanha presidencial de 1919 é passado, mas importante é o foco: Rui Barbosa, vida e obra. Por isso, como diz Lewis Carroll, pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson, em As Aventuras Alice no País das Maravilhas comece pelo começo... e prossiga até chegar ao fim; então pare.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Atualizado às 09:54

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"De todas as faculdades do nosso ser nenhuma contribui mais poderosamente para nossa felicidade, nem firma com mais pujança nossa grandeza do que seja a memória. Auxiliar utilíssimo e indispensável da emissão do pensamento, a memória prende-se a um tempo ao passado pela experiência e ao futuro pela imaginação. [...] Tirai a memória ao homem, e desde logo a razão, com ser tão produtora e fértil, não impedirá que recaiamos na impotência de um grande ser que se reconhece incompleto, porque desde logo nem haveria a unidade no indivíduo, nem a solidariedade na espécie, porque nem teria santas recordações o passado, nem magnâncias aspirações o futuro. Como o oceano se forma de vagas que umas às outras se abraçam, assim forma-se a humanidade de gerações que se continuam. " Obras Completas de Rui Barbosa (doravante OCRB), Vol. 2, 1872-1874, t. 2, p. 235.

Repensar cem anos de importantes acontecimentos para a história do nosso país, pontuando o centenário da campanha presidencial de 1919, voltamos o tempo por meio de imagens, jornais, textos, rememorando momentos passados com a visão de hoje. Memória de um tempo que possibilita diversas linhas para a história memorialista que segue de geração a geração e, não se mostra apenas nas lembranças guardadas no pensamento, também, nos conhecimentos armazenados na imensa complexidade da mente.

O tempo é como um déjà-vu, uma viagem que transita entre o passado e o presente, permitindo até se conjecturar um futuro. Assim, o tempo mágico num clique,  numa emoção, numa narrativa desfiando os fios do passado. A pescaria do instante consagrado. O apito do trem anunciando chegadas e partidas! A evolução do tempo cibernético na velocidade de megabit, de cliques disponibilizados instantaneamente em megabytes; e a visão dos fatos de períodos centenários documentados e costurados pela teia do passado e do presente consentindo uma cumplicidade com os acontecimentos. Uma projeção em forma de sinfonia.

A ideia do texto sobre o centenário da campanha presidencial de Rui Barbosa, 1919-2019, surgiu durante um trajeto turístico de maria fumaça, no interior de São Paulo, como forma de homenagear o grande brasileiro. Não é um estudo, mas tão somente, para assinalar, relembrar e registrar o centenário da efeméride na vida política do Patrono.

Desde, então, o tempo foi o acompanhante para o desenrolar dos fatos, pesquisas, leituras, memórias! Os pensamentos brotaram, o movimento do percurso da escrita foi tomando forma com início, meio e fim. O trajeto silencioso, apresentou atalhos, bifurcações, escolhas. Escrever é difícil, ordenar, e encontrar palavras adequadas demanda tempo e, requer limites.

Mas, o que podemos atestar é que a identidade está intimamente ligada às origens. Albert Einstein no seu discurso em homenagem, aos 60 anos, de Max Planck confirma a premissa quando afirma que "o conhecimento do passado está misturado com o do presente".

Fotografias de 1919 para carteira de identidade do Gabinete de
Identificação e Estatística Criminal. Rio de Janeiro. A foto de
perfil serviu de modelo para a tela de Candido Portinari.tFonte: Autoria desconhecida. Fundação Casa de Rui Barbosa.
Arquivo Rui Barbosa. Código: Rb-rbic 36

Candido Portinari/ Retrato de Rui Barbosa/1949/óleo sobre tela/
Coleção Corte Internacional de Justiça - Haiat

No âmbito nacional e internacional a figura de Rui Barbosa possui uma força simbólica que perpassou o tempo. Em função disso, as suas ideias tornaram-se relevante contribuição para as instituições e seu pensamento atual e perene.

Com erudição e prolixidade, seus discursos atingiam plateias e arrebatavam multidões!  Era preciso e seguro, ao comtemplar seus objetivos.

"Com meu temperamento acanhado, retraído, e talvez tímido ao contato das coisas delicadas, nunca me faltou a coragem do coração, a coragem das ideias, a coragem do patriotismo, a coragem da honra". Barbosa, Rui. Discursos Parlamentares, OCRB, vol. 34 1907, t. 1, p. 31.

Rejane de Almeida Magalhães, no livro Rui Barbosa na Vila Maria Augusta, comenta o homem Rui Barbosa, sobre o físico transcreve ao final:

"Aura de sutil beleza emanava dele".   (Villaça, Antônio Carlos. "O Ninho da Águia de Haia". In: Rui. Sua Casa e Seus livros, p.173)

"Deu-me a impressão duma pessoa frágil, pequena... a tez um pouco morena." Depoimento de Luís Viana Filho em 10.09.1976.

Suas atitudes denotavam saber e perspicácia. Um exemplo é seu discurso, como presidente da Academia Brasileira, na saudação ao escritor francês Anatole France.

"Votre oeuvre littéraire s'est mêlée beaucoup de la politique. C'était bien naturel de s'y faire des ennemis. La politique, tout le mal que l'on  en disse, ne remplira jamais la mesure de la realité. Moi, je suis brouillerai pas avec les gens d'espirit combattant chez nous, em leur racontant les opinions hétérodoxes de vos personnages." (Obras Completas de Rui Barbosa, vol. 36, 1909, tomo 2, p. 141).

O texto possibilita uma viagem com Rui nos trens, navios e meetings sempre acompanhado do povo na excursão eleitoral, em disputa à presidência da República em oposição a Epitácio Pessoa.

No Brasil, a primeira linha ferroviária data de 1854. Foi o meio mais utilizado por Rui Barbosa em seus deslocamentos na campanha presidencial. Também, propiciaram um grande impulso ao desenvolvimento do país, uma vez que a interligação do Brasil continental com as estradas de ferro tornou mais eficiente o meio de transporte de matérias primas. Mas, com o avanço desenvolvimentista, o projeto ferroviário foi abandonado e as rodovias surgiram como prioritárias para integração nacional, apesar de difícil manutenção em função do tamanho do país e suas intempéries climáticas. O projeto de um Brasil ferroviário foi abandonado, deixou de ser prioridade, em nome do progresso.     O apito do trem e dos navios foram transformados nos roncos dos motores industriais.

Primeira locomotiva a vapor do Brasil: a "Baroneza".tMuseu do Trem, Rio de Janeiro - RJ

As viagens de Rui Barbosa, em campanha eleitoral, ocorreram num curto espaço de tempo pelos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.

Seus discursos, conferências, entrevistas repercutiram no cenário nacional em favor da democracia e bem-estar social. No Teatro Lírico do Rio de Janeiro, em 20 de março de 1919, pronuncia a conferência "A Questão Social e Política no Brasil", defendendo um programa político e um plano de grandes reformas. A figura do Jeca Tatu, no Urupês de Monteiro Lobato, é a marca da questão social. E mesmo com apenas um mês para a excursão, Rui articula o tempo e a boa execução logística dos modais de transportes entre os estados. 

Rui Barbosa e Maria Augusta ao centro, sentados à mesa, 
em visita ao Clube Caxeiral, 1919, Salvador - BA.tFonte: Autoria desconhecida. Fundação Casa de Rui Barbosa.
Arquivo Rui Barbosa. Código: Rb-rbic 828.

"Toda a minha vida é um programa, distinta e particularizadamente articulado. Não há uma questão brasileira, de ordem constitucional, política, ou econômica, sobre a qual não seja conhecido o meu sentir, ou não haja ele de se coligir de princípios já por mim definidos com clareza e sustentados com perseverança." OCRB, vol. 46, t. 2, 1919. p. 250. Porto Alegre. Entrevista ao Correio do Povo. Original no Arquivo da FCRB.

A lei e a liberdade é a essência do ideário democrático de Rui Barbosa. Na sua obra se perpetuam os princípios fundamentais que regem a sobrevivência da humanidade para uma vida plena em sociedade. Nesse contexto desenvolveu campanha à presidência da República em 1919, aos 70 anos, como candidato oposicionista.

Nas cidades visitadas, Rui foi recepcionado com entusiasmo e apoiado pela população. Pronunciou as conferências: "Às Classes Conservadoras", na Associação Comercial do Rio de Janeiro; "A Questão Social e Política no Brasil, no Teatro Lírico do Rio de Janeiro; "Minas Vitoriosa", em Juiz de Fora; "O Caso Internacional", em São Paulo; e a "Corrupção Política, no teatro da Bahia.

O término da campanha eleitoral se dá na cidade do Rio de Janeiro, capital da República. Rui se consagra vitorioso nas capitais, salvo na cidade de João Pessoa, terra de Epitácio, e em Manaus. O resultado das eleições contempla Epitácio Pessoa o presidente do país.

Rui concorda com a votação superior em favor de Epitácio Pessoa, mas no Manifesto, datado de 17 de julho de 1919 e publicado nO Imparcial, em 19 de julho, afirma:

"Essa prédica", denunciada como agressiva (Quis tulerit Gracchos de sedione quarentes), é a voz de uma consciência, que dirige ao povo, à mocidade, ao futuro, uma voz de honestidade, que não podia toar a corrompidos, uma voz de regeneração, que não podia agradar a degenerados, uma voz de liberdade, que não podia servir a oligarcas.                                                                                                     

Mas a nação a entendeu; o que me basta. Não saí com a presidência, de que abençoado seja Deus, por me ter livrado. Mas saí com a vitória de outra natureza, tão grande, que me eleva acima de todas as minhas aspirações." (OCRB, v. 41,1919, tomo 1, p. 240).

[...]

"Às majestades da força nunca me inclinei. Mas sirvo às do direito. Sirvo ao merecimento. Sirvo à razão. Sirvo à lei. Sirvo à minha pátria." Obras Completas de Rui Barbosa. Teatro Lírico do Rio de Janeiro, DF. Trecho da conferência "A Questão Social e Política no Brasil". Autógrafo no Arquivo da FCRB.

[...]

"Para o coração, pois, não há passado, nem futuro, nem ausência. Ausência, pretérito e porvir, tudo lhe é atualidade, tudo presença. Mas presença animada e vivente, palpitante e criadora, neste regaço interior, onde os mortos renascem, prenascem os vindoiros, e os distanciados se ajuntam, ao influxo de um talismã, pelo qual, nesse mágico microcosmo de maravilhas, encerrado na leve arca de um peito humano, cabe, em evocações de cada instante, a humanidade toda e a mesma eternidade." (OCRB, vol.48,1921, t. 2, p. ) Trecho do discurso de paraninfo "Oração aos Moços". Faculdade de Direito de São Paulo. Original no Arquivo da FCRB.

O ano do centenário da campanha presidencial de 1919 é passado, mas importante é o foco: Rui Barbosa, vida e obra. Por isso, como diz Lewis Carroll, pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson, em As Aventuras Alice no País das Maravilhas comece pelo começo... e prossiga até chegar ao fim; então pare.

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*Silvana Maria da Silva Telles é pesquisadora da Fundação Casa de Rui. Barbosa desde 1978.

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