MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Súmula 621 do STF incentiva o inadimplemento dos alimentos

Súmula 621 do STF incentiva o inadimplemento dos alimentos

O equívoco sacramentado pela súmula, admitindo a retroatividade do encargo alimentar, perdoa o devedor de dívida vencida e não paga.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Atualizado às 10:44

t

Vez por outra é bem difícil argumentar diante do óbvio.

E quando é consagrado um absurdo - para lá de descabido - por uma Corte Superior da Justiça, a dificuldade só aumenta.

Apesar disso a jurisprudência passa a seguir cegamente o que foi sumulado, sem atentar ao equívoco do seu enunciado.

Diz a súmula 621 do Superior Tribunal de Justiça: Os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade.

Ao conferir efeito retroativo aos alimentos fixados na sentença, à data da citação do credor, incentiva o inadimplemento e acaba por punir quem atende ao encargo alimentar durante a tramitação da demanda revisional.

É mais do que óbvio que a retroatividade só pode ocorrer quando a sentença aumenta o valor dos alimentos. E ainda assim, sobre parcelas não pagas. Bela motivação para que o devedor não deixe de pagar os alimentos em face do pedido de majoração formulado pelo credor. Ainda que ele tenha apresentado reconvenção, buscando o achatamento do valor.

Nem a redução e nem a exoneração do encargo alimentar podem dispor de efeito retroativo. Afinal, até a sentença da ação revisional, os alimentos são devidos e devem ser pagos.

No entanto, pelo que diz a súmula, quem pagou, perdeu! Os valores pagos não podem ser compensados. Quem não pagou, sai beneficiado. Vai pagar somente o valor que foi reduzido pela sentença. Ou vai ficar exonerado a partir da data em que o alimentado foi citado para a ação.

Agora a prática passou a ser a seguinte: o devedor deixa de pagar os alimentos e ingressa com ação revisional ou exoneratória. Fica inadimplente até o trânsito em julgado da sentença. Eventual execução proposta pelo credor acaba suspensa por estar sendo questionado o valor da obrigação.

E quanto tempo isso pode demorar?

Durante quantos anos o credor ficará sem alimentos?

O equívoco sacramentado pela súmula, admitindo a retroatividade do encargo alimentar, perdoa o devedor de dívida vencida e não paga. A redução do valor atinge o crédito do alimentando a partir do momento em que ele for citado na ação revisional. Exonerado o devedor, livra-se de pagar todas as parcelas a partir do momento em o credor tomou conhecimento da pretensão exoneratória.  

De outro lado, em face do princípio da irrepetibilidade, que não admite compensação do encargo alimentar, a Justiça diz "bem feito" ao alimentante que prossegue pagando o valor devido, enquanto aguarda o julgamento de seu pedido revisional.

Ou seja, o Superior Tribunal de Justiça incentiva o inadimplemento.  Assegura indevido benefício do devedor. E pior, acarreta severo prejuízo ao credor.  

Deste modo, é urgente a revisão da indigitada súmula.

E, até lá, indispensável que a jurisprudência a ignore.

Afinal, a Justiça não pode compactuar com o mau pagador. Perdoar dívida do devedor que age de má-fé. Punir quem paga o encargo enquanto aguarda decisão judicial. E - principalmente - não pode comprometer a sobrevivência de alguém, cuja necessidade de perceber alimentos já foi reconhecido.   

___________________________________________________________________________

Resultado de imagem para Maria Berenice Dias*Maria Berenice Dias é advogada e vice-presidente nacional do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família.

Ibdfam Instituto Brasileiro de Direito de Familia

 

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca