Três motivos para o Judiciário priorizar a comunicação em 2020
É fundamental que, em 2020, a área passe a ser encarada como atividade estratégica e prioritária, detendo recursos e profissionais habilitados para lidar com as disrupturas dos tempos digitais, valorizar pessoas e viabilizar informações e serviços cada vez mais qualificados para a população brasileira.
quinta-feira, 23 de janeiro de 2020
Atualizado às 10:52
Adentramos uma nova década e já temos um Judiciário muito diferente do que se via há 10 anos. Com prateleiras vazias e balcões de informação muito menos sobrecarregados, temos praticamente todos os processos judiciais em ambiente digital, o que abriu caminho não só para trâmites mais ágeis e acesso facilitado a partes e advogados, mas também a novos fluxos de atividades dos juízes e servidores, hoje com menor número de tarefas operacionais e plena possibilidade de trabalho remoto.
A área administrativa também se modernizou. Dados estatísticos, planos e metas estratégicas deixaram de ser bicho de sete cabeças e já são parte da rotina nas cortes brasileiras. Da mesma forma, políticas socioambientais foram desenvolvidas e vê-se uma preocupação muito maior com questões como capacitação de pessoal, inclusão e acessibilidade.
A comunicação realizada pelos tribunais, certamente, também evoluiu. Com canais em múltiplas redes sociais, TV corporativa e projetos que incluem de assistentes virtuais a técnicas de storytelling para envolver o cidadão, vê-se com clareza que as atividades comunicacionais atingiram hoje um patamar do qual não se pode retroceder. Ou será que se pode?
Apesar da revolução comunicativa pela qual o mundo transita, que coloca a informação como ativo protagonista em nossa sociedade, não é incomum ver projetos e contratos de comunicação descontinuados, e isso ocorre, em geral, por necessidade de redução de despesas aliada à incompreensão do real papel que a atividade exerce. Sabe-se da carência de servidores e da situação orçamentária crítica vivenciada pelas cortes brasileiras nos últimos anos, e agravada neste 2020, mas julgo essencial trazer luz para três pontos principais que evidenciam que fragilizar estratégias de comunicação, nesse momento, contribui para aumentar ainda mais os prejuízos sociais e a perda de significância das instituições.
1) Fake news são ameaças reais e precisam de antídotos - Estamos em um ano eleitoral e já é possível ver o exército da intolerância e das notícias fraudulentas apontando no horizonte. Mesmo sendo ingênuo acreditar que alguém detém meios para pôr fim à suja guerra virtual (que só promete se intensificar), não podemos achar que nada pode ser feito a esse respeito. Como instituições democráticas, acredito que mais do que nunca organizações públicas precisam estar presentes de forma ativa e estratégica em ambientes digitais, não apenas oferecendo conteúdo de qualidade e sendo antídoto a toda a intoxicação informacional que se vê por aí, mas também atuando - ainda que com "trabalho de formigas" - no combate à desinformação - esclarecendo um cidadão aqui, outro ali, até que, quem sabe, dobremos a curva rumo a uma sociedade midiaticamente melhor alfabetizada.
2) Parceria com a imprensa é ganha-ganha - Mesmo que tenham perdido território para a avalanche de mensagens em aplicativos instantâneos, as notícias da grande imprensa ainda representam meios importantes de obtenção de informação, sendo - felizmente - consideradas mais confiáveis que redes sociais por mais da metade dos brasileiros (Pesquisa DataSenado, novembro 2019). É fato: nada ainda substitui o impacto e a didática de uma boa matéria televisiva, um infográfico caprichado no jornal, uma entrevista clara e objetiva no rádio. Se deseja prestar serviços relevantes e melhorar sua percepção perante a opinião pública, o Judiciário precisa estabelecer parcerias com veículos de imprensa. Para isso, suas instituições devem saber atender com agilidade e transparência as solicitações de jornalistas, e também saber mostrar e "vender" a eles as boas práticas e esforços empreendidos.
3) Serviço de qualidade depende de público interno engajado - Assim como qualquer empresa da face da Terra, órgãos do Sistema de Justiça só funcionam porque há pessoas - magistrados, servidores, estagiários, terceirizados - que atuam complementarmente, e juntas fazem a engrenagem girar. Também tal como em empresas, essas relações de trabalho vêm passando por mudanças, que incluem procedimentos informatizados que tornam a atuação das pessoas cada vez mais individual e isolada - por vezes sendo realizada à distância. Manter viva a noção de interdependência é crucial não só para a efetividade dos processos, mas também para dar senso de propósito, quesito comprovadamente importantíssimo para a saúde mental dos profissionais, e que se reflete - de dentro para fora - em melhor prestação de serviços. Se alinhar e engajar o público interno sempre foi tarefa das mais desafiadoras para as áreas de comunicação em uma instituição, em 2020 ela representará um ponto ainda maior merecedor de atenção.
O Judiciário está, inevitavelmente, inserido em um profundo contexto de mudanças, seja pelo surgimento de relações sociais mais complexas, que resultam em matérias jurídicas inéditas, seja pelos novos métodos e procedimentos no funcionamento dos tribunais, que impõem transformações culturais. A comunicação organizacional é a cola que pode unir fragmentos, gerar concordância e alinhar diferentes partes da instituição a demandas da sociedade. Para isso, precisa ser compreendida sob perspectiva muito mais ampla do que a de mera ferramenta de divulgação. É fundamental que, em 2020, a área passe a ser encarada como atividade estratégica e prioritária, detendo recursos e profissionais habilitados para lidar com as disrupturas dos tempos digitais, valorizar pessoas e viabilizar informações e serviços cada vez mais qualificados para a população brasileira.
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*Aline Castro é vice-presidente do Fórum Nacional de Comunicação e Justiça, coordenadora regional da ABCPública (SP), mestre em comunicação institucional e diretora de comunicação do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.