O novo marco regulatório de energia e o financiamento de empreendimentos de geração
A evolução do marco regulatório do setor de energia elétrica é bem-vinda e traz mais alento verificar que o legislativo tem se empenhado nessa tarefa, destacando como prioridade a análise e discussão do seu projeto de lei.
quarta-feira, 22 de janeiro de 2020
Atualizado às 11:19
O senador Marcos Rogério (DEM-RO), presidente da comissão de serviços de infraestrutura do Senado Federal, entregou seu relatório final do projeto de lei que altera o marco regulatório do setor de energia elétrica brasileiro. O documento deve ser analisado pela comissão responsável até o início de 2020 para votação nos demais órgãos governamentais.
A nova proposta contém algumas mudanças de cunho metodológico, além de termos e redação de certos dispositivos, a fim de evitar distorções que poderiam causar controvérsias entre agentes de mercado e entes institucionais e reguladores. Contudo, além de corrigir a rota da técnica legislativa na elaboração de normas, há que se discutir com maior rigor metodológico a nova legislação de energia elétrica no país, para impedir que as novas regras deixem sem solução dilemas existentes pelo esgotamento de um ciclo ou pior ainda, acabem por agravá-los.
A construção do atual modelo do setor foi pautada em três dimensões: confiabilidade de suprimento, modicidade tarifária e universalidade. Enquanto a futura modelagem está calcada, em princípio, em dois pilares: modicidade tarifária e abertura integral do mercado de energia ao consumidor final.
Ao analisar o ciclo regulatório que está em processo de conclusão, é possível afirmar que ao menos um dos objetivos foi alcançado, isto é, a segurança do fornecimento não mais permitiu que o Brasil convivesse com o fantasma do racionamento, na medida em que houve um incremento considerável no parque de geração e transmissão, além do efetivo trabalho de planejamento da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico Brasileiro).
Todavia, a universalidade e a modicidade tarifária não tiveram o mesmo êxito. Embora não haja dúvida do aumento na capilaridade do sistema de distribuição de energia elétrica em boa parte do território nacional, que ainda sofria com a total falta de infraestrutura, a insuficiência de recursos para essa tarefa contínua ainda a penalizar uma parcela considerável da sociedade.
Por outro lado, devido ao estado fragilizado financeiramente, há uma clara ausência de investimento e política pública especificamente voltada à modicidade tarifária que conduziu a uma infinidade de subsídios agregada à tarifa de energia elétrica. Essa manobra se tornou uma fonte de recursos não apenas de expansão do sistema, mas, também, para outras atividades econômicas e consequentemente a balança pesa demasiadamente ao consumidor final.
Sendo assim, não é de se estranhar que esse elemento continua a ser um dos fatores no novo modelo regulatório do setor elétrico; o que ressalta a necessidade de mudança na estrutura de subsídios cruzados, pois o atual apenas infla o preço da energia paga pelos brasileiros. Embora devamos reconhecer que a concessão de subsídios é um indutor de desenvolvimento, isso só ocorre quando há políticas públicas bem delineadas que vislumbram ganhos econômicos e sociais em determinados segmentos. Ou, então, corre-se o risco de causar uma dependência financeira maléfica à livre iniciativa e a sustentabilidade da economia.
Outra tarefa que não será fácil é a abertura do mercado do setor elétrico para o consumidor de um modo geral, como uma tentativa de baratear a tarifa paga. Isso porque até o momento nenhuma discussão mais robusta foi realizada para viabilizar a migração, onde haverá liberdade de comprar a energia de qualquer fornecedor. Vale relembrar que a autonomia na contratação vai gerar obrigações relacionadas à venda do "produto" que é permeada de regras e condições de liquidação mensal no âmbito da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além dos custos de utilização da infraestrutura da rede de distribuição que ainda permanece como monopólio natural das concessionárias.
Uma maior competição de preço na geração e na comercialização de energia elétrica será saudável ao setor e para uma possível queda do custo final. Muito embora esse seja o cenário almejado, a abertura geral do mercado livre de energia elétrica deve ser bem estruturada, porque as concessionárias de distribuição terão uma menor previsibilidade de carga, atualmente representada pelo mercado consumidor da sua área de concessão. Isso pode gerar uma problemática para o financiamento de empreendimentos de energia nova e estruturantes, além de impactar no valor da tarifa num momento posterior, criando insegurança no suprimento do país no longo prazo.
Afinal, diante da instabilidade de incremento para a contratação de energia nova, as distribuidoras não se arriscariam nos leilões realizados pelo Governo e sem esses contratos de fornecimento do mercado consumidor, dificilmente o empreendedor de geração obterá financiamento de longo prazo economicamente viável.
Nesse sentido, uma das saídas para mitigar esse risco é a separação de lastro e energia. Tema que tem sido tratado por diversos órgãos, em especial, pela CCEE. Com a obrigação de contratação de lastro para os acordos de comercialização no mercado regulado e livre, os grandes empreendimentos de geração podem ser viabilizados com financiamentos longevos e juros competitivos.
Enfim, a evolução do marco regulatório do setor de energia elétrica é bem-vinda e traz mais alento verificar que o legislativo tem se empenhado nessa tarefa, destacando como prioridade a análise e discussão do seu projeto de lei.
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*Carlos Augusto Tortoro Jr. é sócio do Tortoro, Madureira e Ragazzi Advogados responsável pela área de energia e contencioso estratégico.