O procedimento de manifestação de interesse (PMI) e suas recentes alterações
Trata-se de procedimento que possibilita a obtenção pelo Poder Público de contribuições da expertise privada, que tanto podem permitir o desenvolvimento de política pública preexistente, quanto contribuir para exposição de novas ideias, soluções e inovações de problemas ou situações do cotidiano do Estado.
quarta-feira, 15 de janeiro de 2020
Atualizado às 11:02
Entrou em vigor no dia 6 de novembro de 2019 o decreto federal 10.104, promovendo alterações no decreto federal 8.428/15, que regulamenta o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI)1.
O PMI é um instrumento jurídico por meio do qual se estabelece uma relação colaborativa entre a Administração Pública e a iniciativa privada, para o desenvolvimento de atividades de interesse estatal pela apresentação de projetos, levantamentos, investigações ou estudos.
Trata-se, assim, de procedimento que possibilita a obtenção pelo Poder Público de contribuições da expertise privada, que tanto podem permitir o desenvolvimento de política pública preexistente, em razão da apresentação de estudos de viabilidade e projetos técnicos, quanto contribuir para exposição de novas ideias, soluções e inovações de problemas ou situações do cotidiano do Estado.
Ainda, o PMI integra fase prévia às licitações, cujo objeto englobe o projeto e/ou a execução de projetos de infraestrutura, em geral modelados como concessões. O particular apresenta a proposta e, caso os estudos e projetos sejam utilizados, os custos incorridos para sua elaboração serão ressarcidos.
Em âmbito federal, o PMI foi regulamentado pelo já citado decreto 8.428/15 que, apesar de ter aplicação somente nesta esfera, serve de paradigma para a formalização de outros diplomas que tratam deste assunto no âmbito dos demais entes federativos. O referido decreto estabeleceu as regras básicas do PMI, disciplinando, nesse sentido, questões como: o âmbito de aplicação, as fases, a competência, os requisitos mínimos do edital de chamamento público e do requerimento de autorização para apresentação dos projetos, levantamentos, investigações e estudos, dentre outras.
O decreto federal 10.104/19, recentemente publicado, promoveu importantes alterações no decreto federal 8.428/15.
A primeira delas diz respeito a ampliação do âmbito de utilização do PMI, pela alteração da redação do caput do art. 1º do decreto 8.428/152, que passa a tratar de forma genérica de contratos de parceria e processos de desestatização, confirmando, nesse viés, a atual tendência político-legislativa.
Referido decreto previu, ainda, a possibilidade de inversão das fases do PMI que, via de regra, são: (I) abertura, por meio de publicação de edital de chamamento público; (II) autorização para a apresentação de projetos, levantamentos, investigações ou estudos; e (III) avaliação, seleção e aprovação, ao incluir o §5º ao art. 1º do decreto federal 8.428/15, que assim dispõe:
- 5º O processo de seleção da pessoa física ou jurídica poderá ser anterior à fase de autorização a que se refere o inciso II do § 4º, para fins de atendimento ao disposto no inciso I do caput do art. 6º.
A terceira modificação promovida que merece destaque diz respeito ao inciso I do caput do art. 6º. Isso porque a versão anterior do referido dispositivo do decreto, dispunha que a autorização para "apresentação de projetos, levantamentos, investigações e estudos" seriam conferidas sem exclusividade. Ou seja, era vedado à Administração Pública escolher quem poderia manifestar interesse para o desenvolvimento de determinada atividade/projeto. Com a recente alteração, passa a ser expressamente permitida a concessão de autorização com exclusividade ou a número limitado de interessados.
Percebe-se, assim, que a intenção do legislador ao promover as referidas modificações foi incentivar a participação do setor privado, de maneira mais expressiva, nos chamamentos públicos de PMIs. A partir da delimitação daqueles que terão autorização para a apresentação de projetos, o particular terá suas chances de ressarcimento aumentadas, especialmente se considerar que tais estudos normalmente implicam em consideráveis gastos e, do ponto de vista da Administração Pública, favorece, em tese, a entrega de projetos mais aderentes às suas necessidades.
Nesta perspectiva, pode-se concluir, portanto, que as alterações promovidas pelo decreto federal 10.104/19 estão em consonância com a tendência irreversível que impõe à administração pública atuar em parceria com a iniciativa privada nas soluções de infraestrutura, ensejando, dessa forma, participação mais relevante da sociedade civil no planejamento de ações e atividades governamentais.
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1 O principal fundamento legal do PMI é o art. 21 da lei 8.987/95, conhecida como Lei de Concessões, que dispõe: Art. 21. Os estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimentos já efetuados, vinculados à concessão, de utilidade para a licitação, realizados pelo poder concedente ou com a sua autorização, estarão à disposição dos interessados, devendo o vencedor da licitação ressarcir os dispêndios correspondentes, especificados no edital.
2 Art. 1º Este Decreto estabelece o Procedimento de Manifestação de Interesse - PMI a ser observado na apresentação de projetos, levantamentos, investigações ou estudos, por pessoa física ou jurídica de direito privado, com a finalidade de subsidiar a administração pública na estruturação de desestatização de empresa e de contratos de parcerias, nos termos do disposto no § 2º do art. 1º da lei 13.334, de 13 de setembro de 2016. (Redação dada pelo decreto 10.104, de 2019).
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*Isabela Louback é advogada do escritório Pinheiro, Mourão, Raso e Araújo Filho Advogados e atua nas áreas de Direito Público, incluindo Direito Constitucional e Administrativo.