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Alcance da compensação devida nos casos de violação de patentes e/ou registro de desenho industrial

Cláudio França Loureiro e Camila Cardeira Pinhas Pio Soares

Notem que uma vez configurada a violação de direitos de propriedade industrial, nasce para o infrator a obrigação de satisfação do dano.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Atualizado às 10:52

Este artigo tem por objetivo fazer uma análise das questões legais e jurisprudenciais acerca da delimitação da indenização devida em casos de violação de patente e/ou registro de desenho industrial, tendo por base o escopo de proteção do direito de propriedade industrial violado.

Notem que uma vez configurada a violação de direitos de propriedade industrial, nasce para o infrator a obrigação de satisfação do dano.

Neste sentido, é o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, adotado no julgamento do RESp 710.376-RJ, de relatoria do excelentíssimo senhor ministro Luis Felipe Salomão, j. 15/12/09, cuja ementa ora se transcreve:

"PROPRIEDADE INDUSTRIAL. USO INDEVIDO DE MARCA. INDENIZAÇÃO POR DIREITOS MATERIAIS. COMPROVAÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL CONFIGURADO. CRITÉRIO DE CÁLCULO.

1. A falta de prequestionamento em relação aos arts. 31, I, do CPC e 208 da lei 9.279/96, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da súmula 211/STJ.

2. No caso de uso indevido de marca, com intuito de causar confusão ao consumidor, o entendimento predominante desta Corte é que a simples violação do direito implica na obrigação de ressarcir o dano.

Precedentes.

3. Conquanto os lucros cessantes devidos pelo uso indevido da marca sejam determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, conforme o art. 210, caput, da lei 9.279/96, o critério de cálculo previsto na lei deve ser interpretado de forma restritiva, fazendo-se coincidir, nesse caso, o termo "benefícios" presente no incido II, do art. 210, com a idéia de "lucros".

4. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido."

Como garantia desta proteção, a Lei de Propriedade Industrial (lei 9.279/96) dispõe, em seu artigo 209, que:

"Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio."

Assim, após a concessão e violação do direito de propriedade industrial, reputa-se devida a indenização.

Nesse sentido, a legislação brasileira dá amplo respaldo ao titular da patente para buscar a reparação dos danos suportados, como se vê no artigo 44 da Lei da Propriedade Industrial (L. 9279/96 - LPI):

"Art. 44. Ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente."

Quanto ao valor da indenização, deve ser apurado, observando-se o disposto nos artigos 208 e 210 da lei 9.279/96, na maioria das vezes em liquidação por arbitramento, quando as partes serão intimadas para apresentar os documentos necessários à liquidação no prazo assinalado pelo juiz.

É o que leciona Gama Cerqueira:

"A simples violação do direito obriga à satisfação do dano, na forma do art. 159 do CC, não sendo, pois, necessário, a nosso ver, que o autor faça a prova dos prejuízos no curso da ação. Verificada a infração, a ação deve ser julgada procedente, condenando-se o réu a indenizar os danos emergentes e os lucros cessantes (CC, art. 1.059), que se apurarem na execução. E não havendo elementos que bastem para se fixar o "quantum" dos prejuízos sofridos, a indenização deverá ser fixada por meio de arbitramento, de acordo com o art. 1.553 do CC."

(GAMA Cerqueira, João da, "Tratado de Propriedade Industrial", vol. 2/1.129-1.131.)

Diante de tal realidade, o legislador brasileiro previu, no artigo 210 da LPI, três formas alternativas para apuração dos lucros cessantes nos casos de violação a direitos de propriedade industrial. Veja-se:

"Art. 210. Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, dentre os seguintes:

I - os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; ou

II - os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou

III - a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem."

Na primeira hipótese, caberá ao titular do direito demonstrar contabilmente uma redução dos lucros auferidos, decorrente diretamente da concorrência desleal perpetrada pelo violador. Ocorre que tal demonstração pode tornar-se inviável na prática forense, como já apontava com maestria o i. prof. Gama Cerqueira:

"A prova dos prejuízos, nas ações de perdas e danos, merece, entretanto, especial referência. Esta prova, geralmente difícil nos casos de violação de direitos relativos à propriedade industrial, é particularmente espinhosa quando se trata de infração de registros de marcas, não podendo os Juízes exigi-la com muita severidade. Os delitos de contrafação de marcas registradas lesam forçosamente o patrimônio do seu possuidor, constituindo uma das formas mais perigosas da concorrência desleal, tanto que as leis, em todos os países, destacam-na como delito específico. Frequentemente, porém, verifica-se que, não obstante a contrafação, os lucros do titular da marca não diminuem, mantendo-se no mesmo nível ou na mesma progressão, não sendo raros os casos em que se verifica o seu aumento. Não se deve concluir, entretanto, só por esse fato, que a contrafação não tenha causado prejuízos, porque estes não se revelam, necessariamente, na diminuição dos lucros ou na sua estabilização em determinado nível. O que o bom-senso indica é que o dono da marca realizaria lucros ainda maiores, se não sofresse a concorrência criminosa do contrafator. É preciso ter em vista que, reproduzindo ou imitando a marca legítima, o contrafator, graças à confusão criada para iludir o consumidor, consegue vender os seus produtos, o que leva à presunção de que as vendas por ele realizadas teriam desfalcado o montante das vendas do dono da marca."

(GAMA, João Cerqueira da, ob. Cit.)

Já a segunda hipótese prevista pelo legislador, concernente à apuração dos "benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito", é a que é utilizada com mais frequência, sobretudo por permitir que a apuração dos danos suportados seja realizada de forma mais ampla, exprimindo com maior assertividade a realidade do mercado efetivamente afetado pela contração. Neste caso, contudo, a realização de perícia técnica-contábil dependerá do prévio acesso aos livros e documentos contábeis do infrator.

Quanto à terceira hipótese prevista pelo legislador, Denis Borges Barbosa a caracteriza como uma forma de compensação que, embora não seja a mais adequada - posto que muitas vezes insuficiente para real reparação do dano sofrido - pode revelar-se útil e vantajosa, principalmente nos casos em que difícil a comprovação do real montante do dano suportado:

"As peculiaridades da terceira modalidade descrita no art. 210 do CPI/96 tiverem a descrição cuidadosa da doutrina. Técnicamente, trata-se de uma forma de compensação do enriquecimento sem causa, essencial sempre que não se possam produzir provas de que a infração do direito beneficiou ao infrator. Apesar de bastante discutida na doutrina comparada, seja pela idéia de seria uma forma não adequada (pois que insuficiente e, por se equivaler a um preço para livremente infringir, ou seja, ...não punitiva....) de composição patrimonial, essa fórmula é sempre útil e, por vezes, vantajosa. No sistema americano o royalty ficto surge como a mínima compensação legal." (BARBOSA, Denis Borges, Valor indenizável das violações da Propriedade Intelectual, disponível aqui)

Como se disse acima, a prática jurídica brasileira tem determinado, no mais das vezes, a aplicação do inciso II do artigo 210 da LPI, determinando-se que a indenização seja apurada em sede de liquidação de sentença, através da apuração dos benefícios que foram auferidos pelo autor da violação, mediante acesso à sua contabilidade.

Nessa esteira, para viabilizar a realização da perícia contábil, será necessária a prévia determinação do que Denis Borges Barbosa chama "massa contrafeita" (obra acima citada), ou seja, a correta delimitação do objeto que deve ser objeto de indenização. Em regra, não restam dúvidas de que a massa contrafeita é exatamente àquela delineada pelo escopo de proteção das reivindicações da patente.

Embora a constatação pareça óbvia, na prática, pode haver controvérsias.

Isso porque, muitas das vezes, a 'massa contrafeita' pode eventualmente mostrar-se mais ampla do que àquilo que está efetivamente reivindicado no título. Mais uma vez, citando Denis Borges Barbosa "O elemento ao qual a violação da exclusiva ou a deslealdade afeta pode ser igual, maior ou menor em extensão do que o produto ou serviço em questão." Veja-se:

"Determinar qual a "massa contrafeita", ou seja, os itens constantes da exploração do mercado pelo lesado, afetados pela violação. Tal determinação é objetiva (quais elementos) e temporal (por quanto tempo ocorreu a contrafação). Sempre levando em conta a precisão da determinação, e não qualquer intuito punitivo que ampliasse essa definição a favor do lesado, é preciso determinar qual o elemento que é paciente da lesão de mercado em questão.

O elemento ao qual a violação da exclusiva ou a deslealdade afeta pode ser igual, maior ou menor em extensão do que o produto ou serviço em questão. Será igual, se o produto ou serviço, por inteiro, for o afetado pela violação. Será menor, se apenas parte do produto ou serviço o for (por exemplo, do carro, apenas o design da calota tiver sido contrafeito). Será maior, quando a contrafação implicar em ganho para o infrator, ou perda para o lesado, de outras oportunidades de mercado que necessária e incodicionalmente acompanhassem a operação econômica praticada (por exemplo, quando a contrafação do design de uma xícara frustrasse a venda pelo titular do design do respectivo pires)78. Determinada a massa contrafeita, passar-se-á a fixar qual o ingresso líquido atribuível àquela massa. b) determinar do valor atual dos lucros futuros razoavelmente79 esperados, descontados por seus custos de oportunidade, relativos especificamente à massa contrafeita, caso não houvesse a violação, durante o tempo em que ela ocorra80. Em suma, é especializar no tocante àquele item, com suas peculiaridades e especificidades, a relação positiva entre ingressos, custos e despesas resultantes da massa contrafeita, como elemento específico da empresa como um todo." (BARBOSA, Denis Borges, ob. Cit.)

Assim, em alguns casos mais específicos a "massa contrafeita" poderá inclusive ser mais abrangente do que àquela reivindicada na patente.

Por exemplo, imagine-se um registro de desenho industrial para um solado de calçado. No caso de violação a tal registro de desenho industrial, há respaldo para que a indenização seja apurada levando-se em consideração o valor do calçado por inteiro, e não apenas o valor do solado objeto do registro, que não pode ser explorado de forma isolada, dissociado do calçado por inteiro.

Nesse sentido, a legislação dá margem para que a indenização seja apurada de forma ampla, da forma mais benéfica ao titular da patente, considerando-se a integralidade daquilo que deixou de lucrar. De fato, na hipótese acima indicada, o elemento que é paciente da contrafação, o solado do calçado, é indissociável do calçado, o que não nos parece razoável comercializar o solado de forma independente do calçado.

Habitualmente, entretanto, o correto é que a indenização seja apurada tomando-se por base o exatamente o objeto protegido pelo título, ou seja, o direito à indenização está limitado ao conteúdo das reivindicações.

Aliás, é isso o que determina a legislação vigente, conforme expressa dicção do § 3º do art. 44 da LPI:

§ 3º O direito de obter indenização por exploração indevida, inclusive com relação ao período anterior à concessão da patente, está limitado ao conteúdo do seu objeto, na forma do art. 41.

Nesse sentido, confira a aplicação da doutrina "massa confrafeita" pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

"(...) Quantum indenizatório que deve ser apurado somente sobre o valor do soquete objeto da patente de invenção PI 9505263-1, e não sobre o valor do farol como um todo - Acolhimento dos embargos declaratórios da Magneti Marelli, rejeitados os da empresa Indústrias Arteb S/A. (...)

Assim, pretende fazer incidir o montante indenizatório sobre o valor das vendas do produto final (farol + soquete). Ora, o acórdão embargado é claro no sentido de que o quantum indenizatório deve ser apurado somente sobre o valor do soquete objeto da patente de invenção PI 9505263-1, e não sobre o valor do farol como um todo (fl. 588). A contrafação se projeta sobre o soquete e não o produto final como um todo. Aliás, a patente de invenção tem o título de "Aperfeiçoamento do Sistema de Fixação do soquete para Lâmpada tipo H1", o que demonstra que incide somente sobre essa peça, que, ademais, pode ser comercializada isoladamente do conjunto, pelo que se depreende da nota fiscal de f 1.132. Em face do exposto, ficam acolhidos os embargos declaratórios da Magneti Marelli, rejeitados os da empresa Indústrias Arteb S/A."

(TJSP - Embargos de Declaração 994.07.017571-0/50000 des. rel. Silvério Ribeiro - j.2/6/10 - destacou-se e grifou-se - fls. )

Em outro caso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul revendo decisão de primeiro grau que determinou em sede de liquidação de sentença, que a indenização seria apurada considerando-se o valor do elemento principal, enquanto que violação da patente afetava um componente da invenção, houve por bem limitar a indenização ao mecanismo compactador, objeto de contrafação, conforme trecho do julgado a seguir transcrito:

"Agravo de instrumento. Propriedade industrial e intelectual. Dispositivo da sentença dúbio quanto à extensão da condenação. Determinação de pagamento da contrafação "proporcional" a cada máquina ou mecanismo em separado que tenham sido vendidos com o uso do componente patenteado. Descabimento da inclusão no cálculo da indenização do valor integral das máquinas plantadeiras ou semeadoras em que o mecanismo contrafeito foi implantado. Indenização desproporcional ao prejuízo efetivo causado. Enriquecimento sem causa. O valor da indenização deve ser calculado com base no valor do conjunto compactador e não com base no valor das semeadoras para plantios. O valor agregado da semeadora é muito superior ao valor do conjunto compactador.  Inteligência do art. 44, § 3º da lei 9.279/96. Agravo de instrumento provido, por maioria.

(...)

O valor da indenização deve ser calculado com base no valor do conjunto compactador e não com base no valor das semeadoras para plantios. O valor agregado da semeadora é muito superior ao valor do conjunto compactador. Não me parece justo que a indenização incida sobre o valor integral da máquina que pode ser livremente comercializada sem esse acessório.

(...)

Acontece que a perícia de liquidação ampliou o objeto da contrafação indenizável, pois desconsiderou a patente protegida e efetuou os cálculos levando em consideração o valor de comercialização também da máquina plantadeira, quando na verdade, a contrafação reside no compactador que pode ser acoplado a qualquer plantadeira."

(TJ/RS - 6ª Câmara Cível - Agravo de Instrumento 70079819439, maioria de votos, p. 4/4/19)

Os julgados acima transcritos revelam a importância de determinar-se com precisão a "massa contrafeita" indenizável, guiando-se pelos parâmetros já definidos pela legislação vigente, bem como pela doutrina e jurisprudência, ajustando-se assim a expectativa do titular da patente ou do registro de desenho industrial ao escopo de proteção do seu título de propriedade industrial.

Conhecer tais parâmetros, ademais, é essencial aos operadores do direito, sobretudo daqueles que militam na área da propriedade industrial, que dessa forma terão elementos firmes para defender os interesses de seus clientes, balizando-os de forma adequada, evitando assim eventual enriquecimento sem causa.  

___________

*Cláudio França Loureiro é sócio do escritório Dannemann Siemsen.

*Camila Cardeira Pinhas Pio Soares é advogada do escritório Dannemann Siemsen.

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