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Tarifação dos danos morais na reforma trabalhista

Poderia a nova lei estabelecer tal limitação ao pagamento de indenizações por danos extrapatrimoniais no âmbito da Justiça do Trabalho?

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Atualizado às 11:11

Introdução

No presente estudo analisaremos a questão da tarifação imposta às indenizações por danos morais em razão da publicação da recente lei 13.647/17, conhecida como a reforma trabalhista.

Poderia a nova lei estabelecer tal limitação ao pagamento de indenizações por danos extrapatrimoniais no âmbito da Justiça do Trabalho? A criação da tarifação gera maior segurança ou insegurança aos jurisdicionados? Analisando-se a solução de casos práticos, ainda que fictícios, a aplicação da nova regra legal gerará decisão digna e justa?

Sem a pretensão de esgotar tão vasto instituto, algumas reflexões serão apresentadas acerca do tema, o qual, inobstante sua indiscutível magnitude, parece ainda não ter sido analisado pela doutrina com a relevância e profundidade que o assunto reclama, com o objetivo de demonstrar a absoluta inconstitucionalidade da nova legislação.

1. Conceito de dano moral e sua caracterização

Dano moral vem sendo conceituado pela doutrina como a lesão a direitos imateriais da pessoa, violando a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem ou outros direitos da personalidade, ou mesmo direitos fundamentais que preservem a dignidade da pessoa.1

Sérgio Pinto Martins assim conceitua:

Consiste o dano moral na lesão sofrida pela pessoa no tocante à sua personalidade. Compreende, portanto, o dano moral um aspecto não econômico, não patrimonial, mas que atinge a pessoa no seu âmago.

[...]

A pessoa, em razão do dano moral, passa a ter problemas psíquicos, que podem repercutir no seu organismo, trazendo prejuízos a sua atividade física e intelectual, inclusive no desenvolvimento do seu trabalho.

As consequências ou os efeitos do dano moral são dor, angústia, humilhação, aflição da vítima. São os sentimentos ou sensações da vítima. A dor moral só diminui com o passar do tempo.

O dano não é a lesão, mas a consequência dela.2

Sob esta ótica, para Sérgio Cavalieri Filho3, todos os conceitos tradicionais de dano moral devem ser revistos pela ótica da Constituição de 1988 e prossegue:

Resulta daí que o dano moral, em sentido amplo, envolve esses diversos graus de violação de direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa, considerada em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada.

Ainda sob a ótica da Constituição Federal, o dano moral também pode ser entendido como aquele previsto no artigo 5°, incisos V e X, que deve ser reparado por aquele que lhe deu causa.4

Consoante Yussef Said Cahali5:

(...) considera-se dano moral tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral. 

2. As diversas formas de fixação do quantum dos danos morais - Sistema aberto versus sistema fechado.

Se a conceituação do dano moral já encontra uma série de divergências doutrinárias, a mensuração e apuração do montante indenizatório não seria diferente.

No que se refere às formas de fixação do quantum dos danos morais, cuidou a doutrina de classificá-la em sistema aberto e sistema fechado.

Por sistema aberto, entendemos aquele que possibilita ao juiz a fixação da indenização de forma subjetiva, observando determinados parâmetros, como por exemplo, a situação econômica de ambas as partes, a extensão da ofensa e o grau de culpa do agente6

Já o sistema fechado, consiste naquele onde o legislador prevê expressamente, com o objetivo de impedir excessos, uma indenização tarifada em salários mínimos, atendendo as peculiaridades de cada caso ou fixando teto mínimo e teto máximo para a indenização7.

Antonio Jeová dos Santos ensina sobre o sistema fechado que a tarifação envolve a predeterminação em lei "de um piso mínimo e de um teto máximo para pagamento de determinadas infrações, de sorte que o juiz ficaria adstrito àqueles valores, sempre que tivesse que fixar o montante de ressarcimento".8

3. Teoria da Tarifação dos danos morais.

A teoria da tarifação dos danos morais impõe, como dito, mediante edição de legislação específica, a criação de bases fixas ou limites mínimos e máximos aos valores indenizatórios. Os argumentos usualmente utilizados para defesa desta teoria são (I) uma maior adequação da compensação, (II) maior clareza e (III) uniformidade dentre as decisões.

A Reforma Trabalhista trouxe esta polêmica novamente para o Brasil ao sustentar que a indenização a ser paga a cada um dos ofendidos será fixada entre o mínimo de até três vezes o último salário contratual do ofendido - para as ofensas de natureza leve,  até o valor máximo de cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido - nos casos de natureza gravíssima; precificando, portanto, até mesmo a morte de um trabalhador, não importa em que condições, a este raso limite estabelecido pela nova lei.

4. Danos morais à luz da jurisprudência do STF e STJ (Lei da Imprensa / Súmula 281 do STJ).

A lei 5.250/67, popularmente conhecida como Lei da Imprensa, foi um dos poucos dispositivos legais brasileiros que buscou estabelecer algum tipo de tarifação para as indenizações por danos morais.

Previa, em seus artigos 51 e 52, os valores devidos a título de indenização, em caso de veiculação de escrito, transmissão ou notícia, a partir de dois salários mínimos no caso de transmissão de notícia falsa até 20 salários mínimos nos casos de falsa imputação de crime a alguém.

No entanto, após a promulgação da Constituição Federal, o dispositivo passou a ser veementemente questionado, tendo o STJ se pronunciado nos termos da súmula 281, publicada no Diário da Justiça em 13/05/04, para estabelecer que "a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na lei de Imprensa".

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal assentou, por meio da ADPF 130, que teve como relator o ministro Ayres Britto, publicada no DJe em 6/11/09, a inconstitucionalidade da limitação prevista na lei da imprensa.

Na mesma esteira, durante a VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, ocorrida em 2016, foi elaborado o Enunciado 588: "O patrimônio do ofendido não pode funcionar como parâmetro preponderante para o arbitramento de compensação por dano extrapatrimonial".

5. A inconstitucionalidade da nova previsão legal acerca da indenização por danos morais sob a ótica da Reforma Trabalhista - Impactos da perda da vigência da MP 808 e a ADI 5870 (e a perda de seu objeto).

Após centenas de críticas quanto aos dispositivos da nova lei, foi editada a medida provisória 808, de 14 de novembro de 2017, com o objetivo de complementar, alterar e esclarecer inúmeros artigos da Reforma Trabalhista. Contudo, a MP perdeu seus efeitos em 23 de abril de 2018, deixando uma enorme lacuna e sentimento de incerteza sobre as matérias ali tratadas.

Especificamente sobre a indenização por danos extrapatrimoniais, a medida provisória alterava a redação do artigo 223-C da CLT, fazendo constar ao invés da redação original que falava em "sexualidade", seriam bens juridicamente tutelados o "gênero" e "a orientação sexual" da "pessoa natural" e não da "pessoa física", como constou na legislação original.

Com relação a tarifação da indenização, a medida provisória ilustrava o dispositivo que poderia ser encarado como o de maior impacto, ao alterar o critério salarial para determinar que o valor da indenização dos danos morais passaria a ser definido com base no limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, passando a tratar os trabalhadores de modo igualitário com base no teto previdenciário.

Além disso, a MP inseria o § 4° no art. 223-G, para esclarecer as hipóteses de reincidência e o §5°, para determinar que as regras do art. 223-G não limitariam as indenizações decorrentes de morte de empregados.

O tema é tão contraditório que foi objeto da ADIn 5870 movida pela ANAMATRA- Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas, a qual questionou a redação dos incisos I, II, III e IV do § 1º do art. 223-G da CLT, com a redação que lhe foi dada pelo art. 1º da lei 13.467/17 e modificada pelo art. 1º da MP 808/17. Todavia, em junho/18, em razão da perda da vigência da MP, a ANAMATRA requereu a extinção da ação, em razão da perda superveniente de seu objeto, com fundamento no artigo 485, IV e VI do CPC.

Porém, a ANAMATRA ajuizou nova ADIn (6050) junto ao STF, que mais uma vez tem por objeto as novas regras da CLT relativas às reparações de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho. Segundo a associação, a limitação contraria o princípio da isonomia. Segundo informação site do STF, a ação foi distribuída ao ministro Gilmar Mendes, que atualmente encontra-se concluso ao Relator. Nestes autos, a PGR suscitou as manifestações já apresentadas na ADI 5870, onde afirmou categoricamente pela inconstitucionalidade da norma, mencionando como exemplo a tragédia de Brumadinho, onde noticia que foi celebrado, e devidamente homologado, acordo judicial na Ação Civil Pública 0010261-67.2019.5.03.0028, movida pelo MPT em face da Vale, cujo objeto central era a justa reparação dos danos morais e patrimoniais dos familiares dos trabalhadores fatalmente vitimados pelo acidente do dia 25/1/19, além de outros direitos trabalhistas de natureza individual homogênea de sobreviventes e familiares.

A PGR ressalta que os montantes per capita pagos em benefício dos tutelados pela ação coletiva, familiares dos trabalhadores mortos no sinistro, foram muito superiores aos rasos padrões fixados nos artigos consolidados questionados, na medida em que a própria empresa reconheceu, mesmo antes de qualquer controle de constitucionalidade incidental quanto ao aspecto em enfoque, a inadequação dos parâmetros atuais da CLT9.

Postos estes aspectos, é imprescindível ressaltar que não a doutrina majoritária tem se mostrado indiscutivelmente contrária à tarifação da indenização por danos morais prevista na Reforma Trabalhista, sob os mais diferentes argumentos. Podemos afirmar que toda a comunidade jurídica aguarda ansiosa pelo pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria.

Conclusão

Inobstante toda a evolução conquistada ao longo dos anos, em especial após a promulgação da Constituição Federal, a Reforma Trabalhista agiu na contramão da doutrina majoritária e da voz maciça dos Tribunais brasileiros, ao tarifar a indenização por danos morais ao limite máximo de cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

Na prática, isto significa, que a morte de um trabalhador, mesmo que decorra da negligência do empregador na falta de fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletiva, ou da falta de condições salubres de trabalho, por exemplo, não poderá exceder a tal limite estabelecido em lei. É esta a intenção do legislador. 

Este racional para nós, é inconcebível. E tal como analisado no presente estudo, absolutamente inconstitucional sob os mais diferentes argumentos jurídicos.

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BARBOZA, Jovi Vieira. Dano Moral - O Problema do Quantum Debeatur nas Indenizações Por Dano Moral.  4. ed. Curitiba: Ed. Juruá, 2012.

CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2005.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, V. 7: Responsabilidade Civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

FERRARI, Irany e MARTINS, Melchiades Rodrigues. Dano Moral. Múltiplos Aspectos nas Relações de Trabalho. 3.ed. Editora: LTr, 2008.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma Trabalhista: Análise crítica da Lei 13.467/2017. 4. ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2018.

MARTINS, Sergio Pinto. Dano moral decorrente do contrato de trabalho. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 2. ed. São Paulo: Editora Lejus, 1999.

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1 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma Trabalhista: Análise crítica da Lei 13.467/2017. 4. ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2018, p. 107.

2 MARTINS, Sergio Pinto. Dano moral decorrente do contrato de trabalho. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 35.

3 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2005, p. 101-102.

4 BARBOZA, Jovi Vieira. Dano Moral - O Problema do Quantum Debeatur nas Indenizações Por Dano Moral.  4. ed. Curitiba: Ed. Juruá, 2012, p. 133.

5 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 22-23.

6 FERRARI, Irany e MARTINS, Melchiades Rodrigues. Dano Moral. Múltiplos Aspectos nas Relações de Trabalho. 3.ed. Editora: LTr, 2008, p. 559-563.

7 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, V. 7: Responsabilidade Civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 102.

8 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 2. ed. São Paulo: Editora Lejus, 1999, p. 166.

9 Clique aqui  Acesso em 13/12/2019.

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*Leísa Cristina Amorim Amaral é advogada especialista em Direito Empresarial pela FGV-Rio e em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Pós-Graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário pela UERJ. 

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